Querido Diário,
Hoje passei a tarde com Troy, limpando, escovando e dando comida para ele. Fiquei fascinada por quanto ele parece entender o que estou sentindo. Ele esfregava o focinho em mim enquanto eu escovava seu rabo e sua crina, e quando me sentei num canto da cocheira, ele baixou a cabeça e eu deixei que ele cheirasse todo meu pescoço e meu rosto. Será que as pessoas se apaixonam tanto pelos seus cavalos quanto eu pelo meu? Ou eu estou errada por pensar ou sentir todas essas coisas?
Gostaria que Donna estivesse aqui. Vou telefonar para saber se ela pode dormir em casa ou qualquer outra coisa. Talvez eu durma na casa dela. Seria até melhor. Às vezes meu quarto é o melhor lugar do mundo, outras é como um lugar que me prende e me sufoca.
Será que é assim quando se morre... sufocante? Ou será que é como dizem na igreja. Que você vai flutuando, flutuando, até que Jesus lhe veja e pegue em sua mão. Não tenho certeza se quero estar perto de Jesus quando morrer. Posso cometer um erro, por menor que seja, e deixá-lo triste.
Não conheço muito sobre ele para saber o que pode deixá-lo irritado. Claro, a Bíblia diz que ele sabe perdoar e morreu pelos meus pecados e ama todo mundo, não importa o erro que cometeram... mas dizem que sou uma filha perfeita, a menina mais feliz do mundo, que não tenho problema nenhum. Isto não é absolutamente verdade. Como posso saber então se Jesus gosta mesmo de mim? Uma pessoa assustada, às vezes má, mesmo que as pessoas não saibam como nem quando? Provavelmente eu serei um presente para Satã, se não me cuidar. Às vezes, quando tenho que ver BOB, penso que estou com Satã, e que nunca me livrarei da floresta a tempo de voltar a ser novamente a boa, verdadeira e pura Laura.
Às vezes penso que a vida seria muito mais fácil se não tivéssemos que pensar sobre ser meninos ou meninas, homens ou mulheres, velhos ou jovens, gordos ou magros... se pudéssemos todos ter certeza de que somos iguais. Talvez fosse chato, mas o perigo da vida e de viver não existiria...
Voltarei depois que telefonar a Donna.
Donna gostaria que fizéssemos alguma coisa juntas esta noite, mas hoje eles vão ter uma "noite familiar". Acho que seremos só eu e você, Diário. Talvez possamos ir à floresta e fumar um dos cigarros que Maddy deixou para mim. Tenho quatro, e escondi-os muito bem no balaústre da cama. É lá que escondo os bilhetes da escola que não quero que mamãe encontre quando vem aqui fazer limpeza - você conhece a mamãe. Eu a adoro, mas ela nunca entende o que tento lhe dizer. Provavelmente ela teria um ataque se soubesse todas as coisas que passam pela minha cabeça. Bem, a madeira do balaústre sai e ali tem um buraco.
Papai chamaria de "cavidade". Tem mais ou menos dez centímetros de profundidade e é um esconderijo perfeito. Ninguém percebe se houver uma bolsa ou um suéter pendurado nessa madeira.
Então a gente pode sair, só você e eu, levar uma lanterna e um cigarro e conversar um pouco. Eu sei que você, ainda mais que Donna, consegue guardar um segredo. Jamais poderia dizer a mamãe as coisas que penso sobre sexo. Tenho medo que se isso sair da minha boca Deus possa ouvir, ou que alguém fique sabendo como sou má e dizer... Ninguém jamais pensa essas coisas!
Aposto que não pensa mesmo. Aposto que nunca vou conseguir o homem que eu quero porque sempre que formos nos beijar ou andar por aí ele me achará uma pessoa maluca, doente e estranha. Espero que eu não seja isso. Eu ficaria terrivelmente triste se fosse verdade. Como posso parar de pensar dessa maneira? Não posso impedir minha cabeça de querer pensar coisas como essas. Os pensamentos que aquecem meu corpo, fazem meu peito subir e descer, enchendo de ar e deixando sair, como acontece nos livros e nos filmes, mas um pouco diferente, porque eles nunca falam das fantasias que eu tenho.
Vou descer agora para jantar. Gostaria de poder esconder você também no buraco da cama.
Por enquanto vou prendê-lo na parede com uma fita, atrás do meu quadro de avisos. Espero que você não caia!
Até mais
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O diário secreto de Laura Palmer
Mystery / ThrillerJovem, linda, amada e brutalmente assassinada. Quem matou Laura Palmer? A pergunta que assombrou os fãs de twin Peaks nos anos 1990 pode já ter sido respondida, porém a face obscura de Laura Palmer e sua cidade natal jamais abandonou o imaginário de...