8. Encontro inesperado

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Em outras circunstâncias, Marisa não se atreveria a pisar ali naquele estado. Seu instinto de preservação lhe ordenava que corresse para a cabine e de lá só saísse quando estivesse apresentável. Mas a atenção dela foi se internando no salão, varrendo as ilhas do bufê, saltando pelas miniaturas de bússolas e âncoras nas prateleiras do bar. Em seguida deslizou ao longo da vidraça que separava a ala principal do pátio com suas mesas sob um toldo branco.

No pátio, a atenção de Marisa freou bruscamente em uma loira de cabelos compridos e nariz empinado que se sentava diante de um homem com o rosto oculto por uma coluna. À medida que Marisa se adiantava entre as mesas, viu-o afagar a mão da mulher e reconheceu o relógio dele — um sofisticado modelo de titânio com mostrador azul que Marisa havia comprado no Natal e lhe custara os olhos da cara.

Os cinco sentidos do ser humano captam onze milhões de dados por segundo. Destes, somente quarenta são processados pelo cérebro para prevenir uma sobrecarga de informação. No caso de Marisa os dados foram filtrados da seguinte maneira: 1) homem com relógio familiar; 2) loira de olhos verde-muco usando uma coleção de joias e blusa bege decotada, sutiã tamanho 44; 3) a rota mais curta até a mesa deles seguia uma linha transversal.

No delicado sistema límbico do cérebro de Marisa, quase noventa bilhões de neurônios efetuavam cem trilhões de sinapses. O hemisfério esquerdo identificou os estímulos externos e o hemisfério direito os interpretou. A amídala diagnosticou a situação a partir das lembranças resgatadas pelo hipocampo. O hipotálamo elevou o batimento cardíaco, a pressão arterial e o ritmo da respiração. O nível de dopamina no organismo despencou. A taxa de cortisol explodiu.

Marisa, em suma, estava furiosa. Plantou-se junto à mesa e cutucou o ombro do homem.

— Marco.

Os quase noventa bilhões de neurônios no cérebro dele levaram alguns segundos para processar aqueles dados que acabavam de chegar do ambiente externo. Algo úmido em suas costas, o toque vigoroso em seu ombro e um sutil cheiro de sal. A seguir, a visão de uma mulher que ele conhecia e ao mesmo tempo destoava gritantemente da que havia embarcado com ele horas antes: maquiagem borrada, cabelos em desalinho e uma capa de toalha azul sobre o vestido molhado.

Marco mediu-a de alto a baixo.

— O que aconteceu, Mari?

— Eu é que pergunto. Fiquei esperando na piscina e você não apareceu.

— Tinha gente demais lá e não vi você. Encontrei minha amiga Eliana — ele indicou a loira — e viemos tomar um café.

— Ah.

— Você está encharcada. Cuidado para não pegar uma gripe nesse ar condicionado — aconselhou Eliana.

Marisa perscrutou-a. Marco nunca havia mencionado aquela mulher, e não obstante os dois pareciam íntimos. Quem era ela? Tinha unhas impecavelmente pálidas e seus cabelos ondulados brilhavam como anúncio de xampu. Longilínea, devia perder alguns quilos ao tirar todo o ouro que levava no corpo.

— O que aconteceu? — Marco repetiu, franzindo o cenho.

— Um cara me puxou para dançar e caímos na piscina.

Marisa mal prestava atenção às suas próprias palavras, envergonhada de seu estado diante da irretocável Eliana. Captou a deliciosa fragrância de jasmim que ela exalava e, num lapso de insanidade, quase lhe perguntou que perfume estava usando.

Marco cruzou as mãos sobre a mesa e observou secamente:

— Então o show devia estar muito bom.

Ela desdenhou a reprovação no tom dele e o sorriso polido de Eliana.

— Vou trocar de roupa. Nos vemos depois na cabine? — fulminou.

— OK.

— Aproveitem o café. Ouvi dizer que o macchiato daqui é ótimo.

Marisa lançou-lhes um último olhar e retirou-se, deixando atrás de si um rastro de respingos e exacerbação.

VERMELHO 2: Jogo de Espelhos [#Wattys2017]Onde histórias criam vida. Descubra agora