15. Poção do amor

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Às dez, Marco e Marisa se encontraram com Robert e Eliana em um bar para um drinque antes da festa. Se é que as aparências contavam, a indumentária de cada um revelava sua disposição. Marco e Marisa optaram pelo correto mas informal, ela de vestido rosa frente-única com saia solta, ele de camisa e calça pretas. Robert apareceu de camisa polo bordô e jeans, indicando que não considerava sexo grupal uma questão de cerimônia. Já Eliana trajava um longo de tafetá preto com estrutura rígida que parecia uma armadura.

Ninguém aludiu à orgia, mas às onze em ponto os quatro desceram para o último deque antes da linha d'água, prosseguindo até a popa onde se situava um lounge reservado. Suas portas duplas eram vigiadas por um agente uniformizado com a cabeça raspada e olhos de tubarão redondos como contas, que pelos cálculos de Marisa devia medir dois por dois. Ele pediu suas senhas e deu baixa nos nomes em um tablet. Resmungando em um walkie-talkie, aguardou um instante e abriu a porta apenas o suficiente para dar passagem a um de cada vez.

Viram-se em uma antecâmara encapsulada por cortinas cor de sangue que vibrava ao som da batida eletrônica do salão contíguo. Uma hostess de longo preto entregou-lhes kits em estojos transparentes e máscaras de cetim orladas de minúsculos cristais — pretas para os homens e brancas para as mulheres, com tecido suficiente para cobrir metade do rosto. Ela os advertiu que não tirassem a máscara sob pena de expulsão, sorriu e lhes desejou bom divertimento.

A cortina se abriu e tornou a fechar maciamente atrás deles, confinando-os em um ambiente com uma parede envidraçada e uma banheira de hidromassagem ao fundo. Raios laser ricocheteavam na pista de dança, que era ladeada à esquerda pelo bar e uma mesa de sinuca vermelha, e à direita por mesas baixas, sofás e canapés coloridos. Cerca de quarenta pessoas circulavam pelo salão, e mais convidados iam chegando. Era o cenário prosaico de uma casa noturna qualquer. Todos estavam vestidos.

Marco pediu uma garrafa de prosecco e os quatro ficaram no bar observando o movimento na pista de dança. Marisa vasculhou o conteúdo de seu kit. Debaixo dos esperados preservativos e do tubo de lubrificante, havia um comprimido branco embalado em celofane. Ela leu o rótulo.

Poção do amor. O que será isso?

— Provavelmente ecstasy — disse Marco.

— E então? — Ela encarou os outros três. — Vamos tomar?

Emborcaram os comprimidos com o prosecco e formaram uma roda na pista de dança enquanto aguardavam o efeito. Ao som de um saxofone conjurando imagens deliciosamente indecentes, Tracey Thorn cantava Get around to it com mel na voz.

Play with me, blow off steam

I'm the new toy in your kit

Tell me your wildest dream

If you can get around to it

De quando em quando, um deles deitava o olhar na direção de uma porta nos fundos, onde um segurança montava guarda. Por fim, vencidos pela curiosidade, gravitaram para ela. Àquela altura a hidromassagem acolhia um casal que já havia se livrado das roupas. A mulher manipulava o pênis ereto do parceiro debaixo da água, seu braço alvo emergindo e desaparecendo entre borbulhas azuladas.

Os quatro aproximaram-se do segurança que, sem dizer palavra, abriu a porta para a sala vizinha. Ali dentro, uma música oriental os acolheu na penumbra perfumada de almíscar. Lanternas distribuídas nos cantos irradiavam teias de luz dourada sobre tapetes persas com seus labirintos de vinhas e flores. O teto rebaixado serpeava em extensões de seda púrpura que convergiam para o centro e pendiam como um jorro de fogo sobre uma cama redonda com dois casais desnudos. Não muito longe, uma cadeira erótica aguardava seus próximos ocupantes.

Ao longo das paredes, cortinas esfumaçadas de gaze delimitavam uma sucessão de alcovas com camas baixas cobertas por pesadas colchas e almofadas. Os nichos acomodavam até quatro pessoas e proporcionavam cortinas duplas: a transparente para ver e ser visto; a outra, negra e opaca, para maior privacidade. Aqui e ali, alcovas cerradas se intercalavam com as abertas.

O foco de Marco e Marisa, Robert e Eliana dardejou pela sala coletando e processando detalhes. As impressões se multiplicaram, sons, cheiros, partes de corpo, pois tudo ali era plural, enraizando-os na inescapável intensidade do presente.

Um trio entra na sala. Uma mulher de minivestido prateado e corpo sinuoso, olhos azuis e ondas de cabelo loiro. Vem escoltada por dois homens de preto, um loiro alto e o outro mais baixo com os cabelos castanhos presos num rabo-de-cavalo. A mulher avança para a cadeira erótica. Está completamente à vontade. A máscara preserva sua identidade e ela pode ser o que quiser: uma deusa do sexo, uma estrela pornô, a heroína de um romance erótico, uma dona de casa frustrada renascida para os frêmitos da vida. Ela desfila diante da plateia e a cadeira é o seu palco. Essa cadeira plana que tem superfície reclinável e um conveniente apoio frontal para o parceiro. Essa cadeira cinematograficamente vermelha.

Luzes, câmera, ação.

Ela deita e esparrama as pernas. O loiro posiciona-se a seus pés. Desabotoa seu vestido até a cintura e apalpa os seios nus. O moreno fica atrás dela. Emoldura-lhe o rosto nas mãos e beija sua boca de ponta-cabeça. Depois lambe sua orelha e desce para os mamilos enquanto o outro homem lhe ergue o vestido e tira seu fio-dental branco. Os homens reclinam a cadeira, e a mulher fica com os quadris projetados para cima. Ela flexiona as pernas para enganchar os saltos da sandália nas alças da cadeira, oferecendo a visão de seu sexo por trás de um véu de sombras. O loiro ajoelha-se no apoio e a cobre com a boca e as mãos. A língua dele a rodeia e penetra, os dedos se concentram no clitóris e na fímbria escura dos lábios. O moreno baixa o zíper da calça, retira dali seu melhor amigo e o coloca na boca da mulher. Ela segura o pênis com ambas as mãos, que acompanham a boca descendo com uma torção na base, brincando com os testículos. O pênis cresce, cada vez maior à medida que entra e sai de sua boca. Sons sumarentos de sucção. O homem moreno agarra-lhe os cabelos. O outro parceiro também está excitado, cospe na palma da mão e lubrifica seu troféu antes de esfregá-lo nela para cima e para baixo. Entra com estocadas curtas e rápidas e vai entrando até desaparecer dentro dela numa longa investida. Sai devagar e torna a empurrar. De novo, de novo, de novo. E ela. Ela mexe os quadris no ritmo dele, e seus gemidos vibram com a música. Deixa o outro homem escorregar da boca, um colar de contas salgadas de suor em seu peito, que ele arrebata na concha da língua. A mulher rola os olhos, o tronco arqueado e a cabeça pendida para trás bailando num giro de um lado a outro, as mechas loiras espraiadas como raios de sol. Então o arco de seu corpo se inverte e a cabeça levanta com um tranco. O rosto se contorce atrás da máscara, os minúsculos cristais cintilam. Os olhos estão se fechando. Ela enterra as unhas no estofado, tombando entre espasmos e um arquejo agudo.

Grita e resfolega e gargalha.

Seu orgasmo rasga o ar, eriça a pele, lateja até invadir a carne. Marco e Marisa, Robert e Eliana desviam o olhar. Há aplausos e alguém assobia. Os quatro, porém, mal escutam, pois o que perdura em seus ouvidos é o gozo estridente da mulher. Inarticulado, primordial, estrondando em cada nervo. Encaram-se, sem reação. Não têm intimidade suficiente para compartilhar uma experiência como esta.

E não obstante cá estão.

VERMELHO 2: Jogo de Espelhos [#Wattys2017]Onde histórias criam vida. Descubra agora