30. Réquiem

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— As estrelas me lembram O pequeno príncipe — disse Marisa.

— Eu li esse livro quando era criança e adorei — Robert comentou enquanto Eliana permanecia quieta.

Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos — Marco citou.

— É isso. E dentre mil pessoas, aquela que se dá ao trabalho de nos cativar torna-se única — continuou Marisa. — Reli O pequeno príncipe o ano passado e me surpreendi que um história infantil diga verdades tão profundas. Você lembra o final sobre as estrelas?

— Na verdade, não. O que nunca esqueci foi essa fala da raposa.

— Antes de voltar para sua estrela, o principezinho riu e disse que dali em diante seu amigo aviador se lembraria dele e de seu riso sempre que visse as estrelas no céu, e todas as estrelas então ririam para o aviador. Nunca mais seriam as mesmas porque teriam um significado especial já que os dois amigos tinham se cativado.

E eu, sempre que vejo uma jabuticaba escura e brilhante, me lembro de você e dos seus olhos, Marco, ela pensou com uma estranha comoção ao recordar a cena em que o principezinho se despedia do amigo. De repente não havia mais riso no céu, que agora lhe parecia um cemitério escuro alumbrado por uma miríade de pequeninas cruzes azuladas. Teve saudade da menina que fora um dia, daquela que tinha lido pela primeira vez O pequeno príncipe na infância. E então veio a melancolia de compará-la à mulher que era hoje, sentada ali contemplando estrelas sombrias. Não falou mais do livro.

A conversa jornadeou por constelações, lendas e planetas distantes. A certa altura, a beleza insustentável das estrelas tornou-se incômoda, comandando reflexões, anseios e dores secretas. Nenhum deles quis confrontá-los e assim deixaram as espreguiçadeiras vagamente inquietos, fixando os próprios pés e a extensão do deque com sua ilusão de terra firme.

Retornaram à piscina central e encontraram Zoe de saída com Jean-Philippe e meia dúzia de músicos. Ela os convidou a acompanhá-los até o Opal Lounge, onde eles dariam uma canja. E quem haveria de resistir a Zoe com seus cabelos de arco-íris e suas faces coradas de música, dança e mojitos? Os quatro amigos juntaram-se à ruidosa comitiva escadas abaixo até o Deque 6.

Seu destino era um lounge espaçoso que fazia as vezes de casa de jogos e casa noturna. O grupo passou pela área de sinuca, xadrez e gamão para chegar a um nostálgico salão nos fundos. Sua atmosfera dos anos 1940 os acolheu no ambiente com paredes forradas de lambris, iluminação tranquila e mesas rodeadas de bancos semicirculares de couro creme que se distribuíam à volta da pista de dança e em uma plataforma curva mais recuada. Fizeram uma pausa no bar para uma fiada de shots. O bartender ateou um rastro de fogo envolvendo os drinques no balcão por alguns segundos, e quando as chamas morreram, eles aplaudiram, viraram os copos e seguiram para a pista de dança.

A banda cover de plantão improvisava com convidados e não tardou para que Zoe e seus amigos dessem um pulo no palco. A pedido de Eliana cantaram If you're going to San Francisco. Com um sorriso sonhador, ela cingiu a cintura de Marco, e ele passou o braço por seus ombros. Fizeram um dueto, pois sabiam a letra de cor. Marisa, que não sabia, voltou amuada para bar tão logo a música terminou. Os acordes inconfundíveis de Satisfaction tomaram o lounge de assalto e todos cantaram fazendo coro com a banda.

Enquanto Marisa pedia outro shot, Marco acercou-se, as mangas da camisa enroladas e a sobrecasaca atirada sobre o ombro. A despeito da fisionomia séria, seu rosto resplandecia. Marisa ofereceu-lhe um drinque. Ele recusou, disse que ia à cabine trocar de roupa e se retirou. Não havia conversa. Com um assomo de tristeza, Marisa concluiu que Marco pouco se importava com sua carta. Robert logo juntou-se a ela, pedindo um shot também. As chamas dançaram e se extinguiram. Os dois beberam de um trago.

VERMELHO 2: Jogo de Espelhos [#Wattys2017]Onde histórias criam vida. Descubra agora