32. Estilhaços

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Seus argumentos se esgarçavam e ela se exauria tentando justificar para Robert e para si mesma a indiferença de Marco. Se exauria de alimentar esperanças. Se exauria de lutar contra o impulso insensato de buscar a boca de Robert, selando o pacto para a nova vida que ele lhe propunha.

Já havia perdido Marco, inútil negar. A vontade de jogar tudo para o alto — suas esperanças vãs, seu sofrimento vão — era grande, estava ao alcance da mão, roçando-lhe os dedos, instando que a agarrasse. Um recomeço. O desconhecido tinha duas faces: uma aterradora, a outra bela. E a cada segundo a bela face a exortava com mais premência. Que não tivesse medo. Que confiasse.

Era mais fácil sofrer em um terreno conhecido do que ser feliz no desconhecido. Mas viver era aventurar-se no desconhecido. Era também aventurar-se no conhecido com um novo olhar para desbravar as paisagens aí escondidas. O mistério existia por toda parte. A questão era saber se ela desejava aventurar-se no desconhecido que de fato não conhecia ou naquele que já lhe era familiar.

A ansiedade ardeu dentro dela e Marisa mexeu no cabelo, tentando trançá-lo. Os fios recém-aparados lhe escaparam. Robert reteve sua mão.

— Vou me divorciar. Eu quero você, Marisa. Seu relacionamento com Marco não a faz feliz, eu sei. Vejo vocês dois apáticos. Vejo a sua frustração. Você merece mais do que isso e eu quero lhe dar tudo o que merece.

As emoções represadas romperam a barreira, subiram do plexo solar ao peito e alojaram-se na garganta como um bloco de concreto. Uma lágrima rolou pelo canto de seu olho esquerdo, um prisma encerrando todas as cores no espectro da dor à alegria. Dela brotou uma emoção que um dia poderia se tornar amor.

Robert secou a lágrima com um beijo em sua face. Marisa retraiu-se, ainda incerta.

— Preciso tomar cuidado. Você é um vampiro, lembra? — E o princípio de um sorriso aflorou.

— É verdade. Eu lhe prometo a vida eterna — ele acompanhou no mesmo tom.

Ela riu.

— Robert, a vida eterna não existe.

— Mas a felicidade, sim, Marisa. Se você quiser.

Ele ficou sério.

— E o que é a felicidade? — ela questionou.

— Nós dois. Vamos nos conhecer melhor. Vamos viver, porque o que chamamos de vida hoje é só uma sombra. A vida pode e deve ser luz.

— Não vai dar certo. Você mora nos Estados Unidos e eu vou voltar para o Brasil. É lá que estão minhas raízes. É onde quero estar.

A voz de Marisa, porém, se aveludou sem que ela se desse conta, desceu um tom e soou mais íntima. Seu corpo já decidia por ela, e o que Robert disse a seguir deixou-a atônita.

Queria que fosse com ele a San Diego e adiasse seu retorno ao Brasil para dali a um ano. Ele alugaria um apartamento para os dois enquanto seu divórcio se resolvia. Se Marisa não se adaptasse, mudaria com ela para o Brasil e abriria um consultório lá. Tinha feito contatos durante suas viagens ao país. Depois do divórcio e da partilha dos bens, ainda disporia de imóveis e de uma reserva. Poderia investir uma parte do patrimônio em uma clínica de luxo em São Paulo. Com seu prestígio e a promoção adequada, não teria problemas em formar uma clientela. E o melhor de tudo: folgaria nas tardes de sexta durante o verão para os dois passarem o fim de semana na praia.

Mais do que se admirar, Marisa se comoveu.

— Você planejou tudo nos mínimos detalhes.

— Eu disse que queria mudar. Quero mudar com você, Marisa. Você acha que não vou lutar pela mulher da minha vida agora que finalmente a encontrei? — Cada frase pulsava com vida à medida que ele falava: — Gosto da sua doçura, da sua pureza, dos seus pontos de vista. Quando estou com você, eu sinto que posso ser eu mesmo e você me entende. Nunca encontrei ninguém que me completasse assim. E eu sei que você sente o mesmo por mim.

VERMELHO 2: Jogo de Espelhos [#Wattys2017]Onde histórias criam vida. Descubra agora