12. O homem mais interessante do mundo

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Marisa se debruçou na amurada do convés deserto e aspirou a aragem permeada de sal. As águas escuras cintilavam com reverberações de lápis-lazúli das estrelas que ocultavam a lua nova. Longe de apaziguar Marisa, a paisagem serena encheu-a de solidão. Pensava em Marco. A lembrança dele e Eliana na cafeteria turvava-lhe o pensamento.

Marisa?

Ela não reconheceu a voz dele de imediato. Ao virar-se, captou a fragrância de loção pós-barba e deparou com os olhos azuis que buscavam os seus.

— O que você está fazendo aqui, Robert?

Pressentindo seu alarme, ele fez menção de tocar-lhe o braço e recuou no último segundo.

— Vim avisar que houve uma mudança de planos. O Tourmaline Cabaret lotou e não pudemos entrar. Conseguimos uma mesa no Ruby Room para ver outro show de jazz.

— Quem vai tocar?

— Pretty Little Things. — Robert franziu o cenho. — Você não gostou da Jamaican Vibe?

— A banda é ótima. Eu saí para tomar um pouco de ar fresco.

— Boa ideia. Aqui fora está gostoso.

Robert apoiou os cotovelos na grade de proteção e os dois contemplaram o mar.

— Obrigado por não comentar com Eliana e Marco o que aconteceu hoje na piscina — ele disse de repente. — Eliana e eu discutimos e fiz papel de idiota. Eu pediria que isso ficasse entre nós.

— Você não devia beber tanto.

Assim dizendo, ela o encarou. Robert devolveu-lhe um olhar tortuoso.

— Desculpe, Marisa. Estou em falta com você. O que eu fiz não tem justificativa. Não sei o que deu em mim, estava muito confuso. Pode acreditar, nunca me descontrolei desse jeito.

Conquanto Robert desse impressão de estar genuinamente arrependido, Marisa não se sentia à vontade com ele. Considerou as dificuldades de Robert com Eliana — que ele lhe omitia por motivos compreensíveis — e não se condoeu. Fingindo simpatia, partiu para sondá-lo.

— Você destruiu minhas sandálias novas e vai arder no inferno. Mesmo assim, acredito em você. — Ela estendeu o ramo da paz com um gracejo: — Nenhum homem em sã consciência apareceria em público com aquela camiseta. The most interesting man in the world.

Robert encolheu os ombros, constrangido. Ganhara a camiseta numa rifa de caridade e Eliana a ridicularizara, apostando que ele nunca teria coragem de usá-la.

— Você também cortou o cabelo e tirou o cavanhaque por causa da aposta? — Marisa inquiriu.

— Isso foi outra coisa. Depois do meu descontrole hoje, preciso voltar para os eixos. Quero mudar. Comecei por fora.

Ela o estudou, inclinando a cabeça para um lado e outro.

— Você ficou mesmo diferente.

— O barbeiro exagerou. Cortou demais.

— Eu gostei.

— Pareço o Tintim.

— Antes o Tintim do que o Milu.

— Por acaso você está insinuando que eu parecia o Milu?

Pela primeira vez naquela noite, Robert riu sem reservas. Linhazinhas formavam-se no canto de seus olhos, que agora brilhavam sob um par de sobrancelhas retas que lhe davam um ar compenetrado a despeito do riso. Marisa deduziu que devia ter a mesma idade de Marco, pouco mais de trinta anos. Ao sorrir, no entanto, parecia bem mais jovem. Vendo-o composto e tranquilo, ela se deu conta do quanto Robert tinha bebido após a briga com Eliana.

VERMELHO 2: Jogo de Espelhos [#Wattys2017]Onde histórias criam vida. Descubra agora