13. O convite

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Aquamarine, segundo dia


— Uma festa de suingue amanhã à noite?

— Ao que tudo indica — confirmou Marco.

Os dois tinham voltado de um treino na pista de corrida. A proposta dele chocou-se tão violentamente com a rotina ensolarada que haviam acabado de cumprir, que Marisa demorou alguns segundos para digerir a informação. Não o levou a sério.

— Mas isso é uma orgia. — Ela se apoiou no braço dele para descalçar o tênis e as meias.

— Achei que você gostaria de ver como é. Nós não precisamos participar. — Marco deslizou as mãos por trás dos quadris dela e a atraiu para si. — Podemos fazer nossa orgia particular. Com direito a serviços especiais.

— Verdade?

Trocaram um sorriso. Ele aquiesceu com um meneio carregado de significado, ela tergiversou que ia pensar no caso e se desvencilhou, abrindo o armário para escolher uma muda de roupa. À esquerda alinhavam-se com retidão as calças, bermudas e camisas de Marco, invariavelmente na cor branca, cinza ou preta. O lado direito exibia a paleta caótica em tons fortes de seus vestidos novos. Marisa fez menção de pegar uma peça, desistiu e virou-se para ele com o cenho franzido.

— Isso é brincadeira, não é? O Aquamarine não permitiria uma festa dessas a bordo.

— O navio apenas cede o espaço. A festa é particular. Eliana disse que o público é selecionado com o maior rigor. Além disso, os suingues têm regras claras e todo mundo se respeita. Ninguém é obrigado a fazer nada.

— Até parece que você já participou de um suingue.

Ela ficou desconcertada ao deparar com a confirmação no olhar dele.

— Foi uma vez só, logo depois do meu divórcio, numa casa noturna de São Paulo. Estava tão bêbado que não lembro nada. Mas a festa aqui é diferente. Eliana disse que cada convidado tem uma senha.

Marisa reprimiu a irritação. Eliana disse isso, Eliana disse aquilo. Eliana, Eliana. Estava farta daquela mulher. Seu desagrado, porém, dispersou-se momentaneamente enquanto ela digeria a revelação de Marco. Ele nunca mencionara sua experiência com sexo grupal. Embora os dois tivessem se comprometido a construir uma relação transparente e Marco prezasse a sinceridade acima de tudo, embora ele não lhe ocultasse sua visão pouco tradicional tanto na cama como fora dela, Marisa constatou que havia pontos obscuros na trajetória de Marco.

E, claro, agora havia Eliana, um ponto ofuscante que não deixava de encerrar um lado obscuro também. Era no mínimo estranho — na verdade bem estranho — que ela convidasse Marco para uma orgia depois de passar anos sem vê-lo.

— Era disso que vocês dois estavam falando no Ruby Room? — Marisa inquiriu. Como Marco aquiescesse, ela emendou de chofre: — Por que você quer ir a um suingue?

Uma batida na porta anunciou a chegada de um tripulante com o café da manhã. Levaram a bandeja de comida para a varanda, mas a beleza dourada da manhã se perdeu à medida que a conversa se retesava a cada frase. Sentada ao lado de Marco, com a barreira de uma mesinha de canto entre os dois, Marisa forçou-se a sorrir.

— Confesse, você está é com vontade de ficar com outras mulheres. Ou com Eliana.

— Não é nada disso.

O sorriso de Marisa se deformou ligeiramente. Ela retrucou:

— Se não é nada disso, Eliana poderia ter me consultado também.

— Ela ficou constrangida e pediu que eu sondasse você.

Marco serviu-se de café enquanto Marisa mordia seu croissant com mais vigor do que o necessário.

— Não faz sentido, Marco. Ela não tem pudores com uma orgia, mas fica cheia de dedos comigo?

— É o primeiro suingue de Eliana e Robert. Estão inseguros.

— Nesse caso, é melhor nem irem.

Ele deu um suspiro e tomou seu café. Fez uma careta, acrescentando açúcar com um gesto de fastio.

— Os dois querem quebrar a rotina para salvar o relacionamento, Mari. Um casal de amigos convidou Eliana e Robert para a festa. Só que desistiram da viagem porque a mulher ficou retida por compromissos profissionais.

Havia, portanto, dois convites sobrando. A festa era cortesia de um casal bilionário de Fisher Island que promovia aqueles eventos com regularidade, empregando uma equipe própria para evitar indiscrições. Pessoas desacompanhadas não eram admitidas, e cada participante passava por uma avaliação prévia. Para aquela festa, os anfitriões tinham reservado um dos salões mais bem equipados do navio.

— Você sabe que as coisas mudam — Marco argumentou. — O casamento deles chegou ao ponto de ruptura. Essa é a última tentativa de reverter a situação. Achei que nós podíamos dar um apoio moral, já que os amigos deles não estão aqui. Mas se você não quiser ir, não vou forçar.

— Você iria sem mim?

— Não.

Marisa demorou-se ponderando. Conhecia a dor crônica da metástase em uma relação. A dor entremeava cada fibra do corpo, tolhia os movimentos e moldava a postura, a fisionomia, o olhar para a vida. O processo podia ser tão sutil que passava despercebido. Mas notavam-se as células cancerosas em cenas banais, lá estava o casal entediado à mesa de um restaurante, mal se falando, olhos mergulhados no celular. Começava assim. Depois vinha a intolerância mútua e a recriminação dos pequenos hábitos e idiossincrasias inicialmente considerados cativantes. E depois...

— Tudo bem.

— Isso significa sim?

Marisa assentiu com um vago desconforto.

— Relaxa, Mari. Vai ser divertido.

Ele interfonou à cabine de Eliana e Robert para confirmar que aceitavam o convite. O enfado que demonstrara no decorrer da conversa evaporou. Em sua voz, Marisa intuiu um arrebatamento do qual talvez nem ele mesmo tivesse consciência.

VERMELHO 2: Jogo de Espelhos [#Wattys2017]Onde histórias criam vida. Descubra agora