A palavra D

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Eu acordei de madrugada com uma sensação estranha, algo como um déjà vu. Sento-me com um suspiro, então saio da cama e desço as escadas chegando ao quarto de mamãe quando Carolyn está saindo. Ela acena para mim. 

— Hoje — ela diz.

Agora estamos todos reunidos lá: Jeffrey, cuja raiva o abandonou por um momento, sentado em uma cadeira da cozinha ao lado da cama, se inclinando sobre seus joelhos. Seus olhos nunca deixando o rosto da mãe. Billy fica no canto e não diz uma palavra, mas sempre que minha mãe olha para ela, ela sorri. Carolyn está andando para dentro e para fora do quarto contando sua pulsação e tentando, em vão, fazê-la beber alguma coisa.

Papai se senta ao pé da cama, contando piadas de anjo.

— Você sabe por que os anjos podem voar? — Ele nos pergunta. Balançamos nossas cabeças. — Porque eles se elevam muito facilmente.

Péssimo, eu sei. Mas é reconfortante, ele estar lá. Ele só chegou a pouco mais de uma semana, mas já me sinto acostumada com ele, sua alegria silenciosa, sua firmeza, seu estranho senso de humor que se encaixa perfeitamente com a mamãe.

E depois há eu. Estou segurando a mão dela. Esperando. Todos nós estamos esperando, fazendo um circulo com a minha mãe no centro de tudo, girando. E nós também estamos girando em torno dela.

— Essas caras sérias — ela sussurra. — Nossa, alguém está morrendo?

Mas então ela para de falar por completo. É preciso muito esforço. Ela dorme, e nós assistimos seu peito subir e descer. Eu tenho que fazer xixi, mas eu tenho medo de sair da sala.

E se ela for embora eu não estiver lá? E se eu perder?

Cruzo as pernas e espero. Examino a sua mão na minha. Ela está usando seu novo anel de casamento, um anel de prata simples e bonito. Ela e eu temos as mesmas mãos, eu percebo. Eu nunca tinha notado isso antes. As dela agora são frágeis, leve como os ossos ocos de um pássaro, mas a semelhança com a minha está lá. Nós temos as mesmas unhas longas. O mesmo espaçamento dos nossos dedos, os comprimentos dos dedos, a mesma linha que atravessa a parte de trás da nossa mão esquerda.

Tudo o que tenho que fazer para encontrar minha mãe é olhar para minhas mãos.

Em seguida, ela toma uma respiração profunda, estremecendo e abre os olhos, e eu esqueço de fazer xixi.

Ela olha para o papai. Ele pega a mão livre, a que eu não estou segurando, e beija o seu pulso.

Ela olha em volta, sem mover a cabeça, apenas aqueles grandes olhos azuis, mas não posso dizer se ela realmente vê qualquer um de nós mais. Seus lábios se movem.

— Gracioso — eu acho que ela diz.

Então eu estou distraída por um minuto porque o papai desaparece. Bem na frente dos nossos olhos, ele simplesmente desaparece. Um segundo ele está sentado na cama, segurando a mão da mamãe, e no seguinte, desapareceu.

Leva-me um instante para perceber que a mãe foi embora também. É tão silencioso, eu deveria ter percebido.

Estamos todos segurando a respiração. Mamãe está deitada nas almofadas com os olhos fechados novamente. Mas ela não está lá. Seu peito não está se movendo. Seu coração parou de bater. Seu corpo está aqui, mas ela se foi.

— Amém — Billy diz.

Jeffrey salta para cima. O barulho do atrito da cadeira batendo na parede parece ser insuportavelmente alto. Seu rosto parece uma máscara para mim, lábios esticados, sobrancelhas desenhadas sobre seus olhos avermelhados. Uma única lágrima faz o seu caminho para baixo em sua bochecha, pairando sobre o queixo. Furioso, ele fecha a cara e foge do quarto.

Sobrenatural 2 - Solo ConsagradoOnde histórias criam vida. Descubra agora