Os segredos dos outros

117 9 1
                                    

Mamãe sai do escritório assim que passo pela porta.

– Olá - diz ela. – Como foi na escola?

– Todo mundo falou sobre meus cabelos, mas tudo bem.

– Podemos tentar tingi-los de novo - sugere ela.

Dou de ombros.

– Isso deve significar alguma coisa, certo? Deus quer que eu seja loura este ano.

– Certo - diz ela. – Você quer um cookie, lourinha?

– Está perguntando ao macaco se ele quer banana? - corro atrás dela até a cozinha, onde, de fato, sinto o cheiro de alguma coisa deliciosa assando no forno. – Chocolate chips?

– Claro - responde ela.

O alarme do forno toca. Ela calça uma luva térmica, retira a bandeja de cookies e a pousar na bancada. Pego um banco e me sento. As coisas parecem tão normais que chegam a ser estranhas, depois de tudo que aconteceu. Todo aquele drama de lutar pela vida, de vasculhar seriamente a alma e então... cookies.

Na noite do incêndio cheguei em casa presumindo que teríamos uma conversa esclarecedora e que tudo seria desvendado, agora que as coisas da minha visão tinham acontecido. Mas mamãe estava dormindo, dormindo na noite mais importante da minha vida. Eu não a acordei, nem recriminei, pois naquele momento estávamos ambas exaustas. Ela fora atacada, quase morrera, coisa e tal. Mas mesmo assim. Não era exatamente como eu imaginava que meu propósito fosse terminar.

Não que nós não tenhamos conversado. Conversamos, mas na maior parte ela me interrogou a respeito do que já tinha acontecido. Não me deu nenhuma informação nova. Não fez nenhuma revelação. Não ofereceu nenhuma explicação. Acerta tudo altura eu perguntei: "O que vai acontecer agora?" E ela respondeu: "Não sei, querida". E foi tudo. Eu gostaria de tê-la pressionado, mas ela estava como expressão desolada, com os olhos cheios de dor e tristeza, como se estivesse desapontada comigo e com o desfecho do meu propósito. É claro que ela jamais me diria que eu estraguei tudo, que pensava que eu fosse melhor, que achava que eu faria as escolhas certas quando a hora chegasse, que me mostraria digna de ser chamada de sangue-de-anjo. Mas o olhar dela disse tudo.

– Então - diz ela, enquanto esperamos que os cookies esfriem. – Eu esperava você mais cedo. Você foi se encontrar com Tucker?

Agora preciso tomar uma grande decisão: falar ou não falar sobre o Clube dos Anjos.

Pois é. Lembro que a primeira coisa que Ângela falou a respeito de regras foi: não contar nada a ninguém, principalmente aos adultos. Depois lembro que Christian não quis se comprometer. Disse que conta tudo ao tio dele.

Mamãe e eu éramos assim. Éramos. Agora não tenho mais nenhum desejo de conversar com ela sobre o Clube dos Anjos nem sobre o sonho recorrente que venho tendo, nem sobre como me sinto a respeito do que aconteceu no dia do incêndio, nem sobre qual deveria ter sido meu verdadeiro propósito. Não quero falar com ela sobre esses assuntos.

Então não falo.

– Eu estava no Pink Garter - digo. – Com Ângela.

O que não é, tecnicamente, uma mentira.

Eu me preparo para o ouvi-la dizer que Ângela, embora cheia de boas intenções, vai nos meter em sérias encrenca um dia desses. Ela sabe que qualquer tempo que passo com Ângela é tempo gasto conversando sobre sangues-de-anjos e discutindo as diversas teorias dela.

Mas ela diz:

– Ah, que bom.

Com uma espátula, ela coloca os cookies num suporte de arame que está na bancada. Roubo um deles.

Sobrenatural 2 - Solo ConsagradoOnde histórias criam vida. Descubra agora