Vinte e sete

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Seria justo com Vinicius escolher Leonardo?

Passamos a noite juntos e no dia seguinte, antes de seguir para o trabalho, Leonardo deixou-me em casa. Combinamos que eu não trabalharia na boite, pelo menos não como dançarina. Ele também não me demitiria, pois tal ato sujaria minha carteira. Em sua nova proposta, Leonardo me chamou para trabalhar no administrativo de seus negócios e o ajudasse a cuidar de Clara.

- A mamãe disse que você quer ocupar o lugar dela. - Clarinha estava deitada em meu colo, assistíamos à um desses filmes da sessão da tarde.
- Claro que não, amor.
- Ela disse que você vai casar com o papai e afastar ele de mim. - Sentei-a em meu colo, deixando-nos frente a frente. A menina estava estranha, visivelmente triste. Na certa, a filha da puta da mãe dela encheu sua cabeça de lorotas.
- Meu amor, seu papai te ama, ele nunca deixaria você. - Seus olhos encheram-se de lágrimas e ela voltou a deitar a cabeça em meu colo.
- Quero a mamãe e o papai juntos! - Ela chorava baixinho. A Clara era uma criança surpreendente. Não era de fazer escândalos. Era doce, educada, e como Leonardo dizia: mais madura do que eu.
- Eu não vou me casar com seu pai, amor. Sou amiga dele igual sou sua amiga.
- O que houve? - Leonardo nos surpreendeu entrando na sala.
- Ela só está com saudades de você. - Disse me referindo ao choro. Ele juntou-se a nós, e em poucos minutos, acalmou a menina, arrancando-lhe sorrisos. Assim que Clara adormeceu, Leonardo levou-a para seu quarto. - Ela é um anjinho.
- Meu maior tesouro. - Sorriu.
- Não posso mais ficar com ela. - Hesitei em falar, mas era preciso. Ele me olhou confuso, sem entender.
- Como assim?
- Ela acha que vou roubar o lugar de sua mãe. - Contei todo ocorrido, deixando-o nervoso.
- Essa mulher é o próprio Diabo na minha vida!
- Talvez ela goste de você, se arrependeu, quer voltar e reconstruir a família feliz. - Disse desanimada, pegando minhas coisas. No fundo eu também estava com raiva, e quem sabe, um pouco de ciúmes. - Até amanhã.
- Espera… - Ele segurou meu braço, impedindo minha saída. - Ela gosta de você, Ana. Nós sim podemos formar uma família feliz, e… - Leonardo não terminou sua fala, talvez se dando conta do que acabara de dizer.
- Você sabe que não daria certo. - Beijei sua testa e fui embora.

Antes de seguir para casa, resolvi fazer algo que há muito não fazia: compras. Fui até o shopping próximo de casa decidida a gastar. Comprei roupas, maquiagens, cosméticos e chocolates.

- Merda! - Pensei alto, ao me dar cota de quantas sacolas eu carregava. Por um momento quis deixar tudo ali e sair correndo. Foi quando vi Matheus caminhando em minha direção.
Merda.
Merda.
Mil vezes merda!
Permaneci estática, sem conseguir nem ao menos piscar.

- Quer ajuda com as sacolas? - Seu timbre, seu perfume, seu calor, uma mistura fodida de um ser que mexia com meu físico e abalava meu emocional. Respirei fundo antes de respondê-lo. Malditos olhos negros que brilhavam, felizes em me ver. Maldita Anastácia também feliz em vê-lo.
- Não. Obrigada! - Continuei estática, sabendo que se me movesse para ir embora, ele me impediria, tocaria em mim, tornando tudo ainda pior.
- Agora que te achei, acho que podemos parar de pique esconde, né?!
- Vá se foder! - Tomei coragem e saí em passos apressados. Como previsto, o desgraçado foi atrás de mim.
- Dá pra me ouvir? - Disse atrás de mim. - Anastácia! - Filho da puta. Porque meu nome soava tão bem quando pronunciado por ele?
- Espera seu filho nascer pra brincar de pique esconde com ele. - Num movimento brusco, ele puxou meu braço, fazendo nossos corpos se chocarem.
- Eu menti! - Se sua intenção era deixar-me com ainda mais raiva, ele havia conseguido. Meu sangue ferveu, soltei as sacolas no chão e presentei seu maldito lindo rosto com um belo de um tapa.
- Mentiu meu ovo, Matheus!
- Ana… - O interrompi. Ele não diria meu nome de novo, não mesmo.
- Cala a boca! Não quero te ouvir.
- Ana…
- Me esquece, porra!
- Ana…
- Agora ficou tudo claro. Tu só aceitou o Vinicius fiar comigo porque você estava fodendo a Leona!
- ANASTÁCIA! - Ele gritou, chamando a atenção de todos a nossa volta. Minha raiva triplicou, parecendo que eu ia explodir. Soltei-me de seus braços, mas como o grande filho da puta que é, Matheus me puxou novamente, e pra aumentar a desgraça, ele me beijou.

E não. Eu não neguei o beijo.

- Te odeio! - Sussurrei com nossas testas coladas.
- Eu te amo, Anastácia.

Aós mais alguns beijos, carinhos e xingamentos, Matheus ajudou-me com as sacolas. Aceitei seu pedido para conversarmos e seguimos para minha casa.
- Oh, filha. Seu namorado voltou! - Minha mãe disse toda empolgada ao ver Matheus, fazendo-o sorrir todo empolgado também.
- Ele não é meu namorado, mãe!
- Vocês formam um casal lindo! - Ela deu de ombros. Eu ia falar algo, mas achei desnecessário. - Daqui a pouco sirvo a janta. - Fui com Matheus para o quarto, onde deixamos as sacolas em cima da cama.
- Renovou o guarda roupa?
- Hm, sim. Estava cansada de tantos vestidos.
- Hm… - Suspirou, tomando coragem. - Podemos conversar agora?
- Sim. - Hesitei antes de responder.
- Vinicius me procurou quando você sumiu, ele estava bem triste com isso, e então conversamos. Me senti mal por ver meu amigo tão triste e acabei contando nossa história pra ele.
- Você não tinha esse direto!
- Ele é meu melhor amigo, Ana. - Suspirou. - Bom, de início ele me xingou. Falou poucas e boas para mim, mas depois compreendeu. Dizendo que você é envolvente e qualquer homem se apaixonaria por ti. - Eu ouvia cada palavra atentamente, sempre com o receio de que viesse “bomba”. - Cansado de mentiras, acabei contando da Leona pra ele, expliquei toda a farsa. E ele me apoiou a ficar contigo. - Quase engasguei de tão surpresa que eu ficara. Matheus e Vinicius tinham uma amizade linda e eu era filha da puta no meio dos dois. - Me senti feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por enfim ter a mulher que amo só pra mim. Triste por ver meu melhor amigo perder a mulher que ama.
- Para! - Supliquei. - Não aguento mais ouvir, Matheus. - Desesperada, me sentindo o pior ser humano da face da terra. Cada palavra pronunciada era como um tiro atravessando lentamente os meus órgãos. - Por favor, chega.
- Ele me aconselhou a ter coragem e enfrentar meus pais. - Ele continuou, ignorando meu pedido. - E foi exatamente o que fiz. Meus pais não gostaram, ameaçaram tirar tudo de mim. Mas depois que contei estar apaixonado por uma linda morena, eles perceberam a burrada que estavam fazendo com a minha vida.
- E a gravidez da Leona?
- Como disse, eu menti. Imaginei que com isso você escolheria o Vini. - Minha cabeça estava explodindo com tanta informação em tão pouco tempo. - Mas não foi isso que aconteceu, né? Ele me contou sobre sua despedida arrasadora.
- Eu não o mereço. - Matheus caminhou até mim, deixando-nos frente a frente.
- Você merece ser feliz! - Nossos olhos se encontraram e enfim me senti em casa. Era ele, eu tinha certeza disso. Matheus foi destinado a mim desde quando nossos olhares se encontraram pela primeira vez. - Me dá essa chance?

Mas seria justo com Vinicius e com Leonardo escolher Matheus?

- O jantar está pronto! - Mamãe bateu na porta do quarto nos avisando.
Salva pelo gongo.

- A senhora cozinha maravilhosamente bem! - Matheus disse de boca cheia.
- Matheus! - O repreendi. - Tenha modos.

Após jantarmos, não teve mais conversa, não queríamos estragar o clima formado na janta. Fomos todos pra sala e assistimos a um bom filme de comédia. Bom, pelo menos eu assisti, já que mamãe e papai dormiram no sofá, Tereza mais prestava atenção no celular e Matheus dormiu em meu colo.

- Menino, levanta! - Já era a terceira tentativa de acordá-lo, mas Matheus parecia estar desmaiado.
- Me deixa! - Ele enfim resmungou algo e eu suspirei aliviada.
- Matheus, você não tem que trabalhar? - Ele debateu-se contra o lençol e sentou-se na cama, me encarando com a cara amassada.
- Não, Anastácia. Caralho. - Não aguentei e caí na risada. Matheus quase nunca perdia a linha, e vê-lo nevoso era engraçado. - Esqueceu que me acertei com meus pais? - Fiquei olhando-o sem entender, o que o fez revirar os olhos, impaciente. - Ana, meus pais não perderam muito com esse divórcio. Os pais da Leona não foram tão ruins, pois também se culparam, achando que estragaram a vida da filha.
- E aí?
- E a´que eles me fizeram largar o trabalho de garçom e concentrar-me só nos estudos. - Ele voltou a deitar e me puxou para que deitasse com ele. - Vamos dormir meu amor.
- Não posso. Preciso trabalhar. - Nos beijamos brevemente e fui trabalhar, deixando-o dormir em minha cama.

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⏰ Última atualização: Mar 31, 2017 ⏰

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Anastácia (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora