Lucky

Conversa das garotas

   Karla estava um pouco mais calma. Eu estava lavando a louça na cozinha; Karla estava adormecida no sofá após algumas xícaras de chá de camomila; George havia saído de casa cerca de uma hora atrás e não havia voltado; Hannah estava tomando banho há tempos, e Matthew estava sentado no balcão da cozinha em silêncio.
   – Então, o que aconteceu? Eu ainda não entendi.– Disse Matthew, quebrando o gelo.
   – Já expliquei Matt! Ela estava me contando sobre um garoto e seu pai ouviu tudo, brigou com ela e ela explodiu com ele! Olha, eu amo seu pai, ele é basicamente meu pai também, mas ele pegou pesado com ela! Hannah tem 15 anos Matthew, ela deixou de ser um bebê faz tempo...
   – Tá, mas, mentir pra ele? Não seria melhor sentar e explicar que ela tinha amigos garotos e que ele tinha que aceitar isso? Mentir foi uma escolha errada, April.
   – Eu mentiria. Olha, eu não tive um pai. Eu tenho um pai biológico mas eu o conheci essa semana. Meu avô e seu pai sempre cumpriram esse papel de pai para mim. Quando nós tínhamos a idade de Hannah, quantas vezes nós mentimos para seu pai? E para sua mãe? Nós éramos jovens, adolescentes. Eu sei que é errado, mas mentir faz parte da adolescência. Mesmo mentiras bobas do tipo "eu estou bem", quando tudo está indo errado. Não foi certo mentir para ele, mas que opção elas tinham? Hannah se apaixonou, não é culpa dela. Seu pai jamais aceitaria isso, e você save Matthew. Eu o amo, mas conheço a pessoa que ele é.
   Matthew levantou, pegou o guardanapo e começou a secar as canecas e os copos que eu estava lavando. Ele ficou calado. Eu virei e liguei o aparelho de som. Começou a tocar Adele.
   – Ele ainda pesca?– eu perguntei.
   – Não sempre. Aqui é mais difícil pescar. Estamos em São Paulo, não tem locais de pesca por perto.
   – Então para onde ele foi? Quando ele e sua mãe brigavam ele sempre saía para pescar.
   – Ele não faz mais isso. Como eu disse, não tem onde pescar aqui, e quando tem, é muito caro ir sozinho, tem que alugar um barco e tudo mais. Quando eles brigam, ele pega o carro e vai para a praia. Ele costuma passar apenas uma noite lá. Tem uma praia não tão longe daqui. Posso te levar lá qualquer fim de semana.
   – Sim sim!
   – Será que Hannah ainda está no banho?
   – Ela já deve ter saído, deixa que eu falo com ela.
   – Eu sou o irmão dela, eu quero falar com ela, April.
   – Matthew, ela precisa de uma amiga no momento. Você vai bancar o irmão mais velho, vai acabar discutindo com ela. Hannah precisa se acalmar, e você precisa se controlar.
   Eu coloquei o último copo lavado nas mãos de Matthew para ele secar, me virei, e fui para o quarto de Hannah. Bati antes de entrar, mas ninguém respondeu. A porta não estava trancada, então eu abri. Senti uma corrente de vento vir em minha direção, fechei a porta logo e notei que o vento vinha da sacada de Hannah que estava aberta. Fui para a porta e encontrei Hannah deitada em uma rede, seu rosto estava inchado e vermelho. A noite estava fria. O céu estava escuro, a lua estava cheia. O brilho daquela lua gigante iluminava parte do rosto de Hannah. Notei que ela estava de shorts do pijama e uma regata preta.
   – A noite está fria, você vai ficar doente se ficar assim, exposta ao vento.
   Ela se encolheu na rede. Eu fui para dentro do quarto e peguei um cobertor. Voltei para a sacada, deitei na rede com ela, e nos cobri.
   – Hannah, ele estava nervoso.
   – Ele sempre está nervoso Comigo, April! Sempre!
   – Eu sei meu amor. Mas olha, ele te ama. Eu nunca tive um pai, Hannah. Sempre enxerguei George como meu pai. Vocês são minha família. Eu sei que ele pega pesado, mas eu já tive sua idade e hoje eu sei que tudo que ele fez foi porque ele se importava comigo e queria meu bem. Ele te ama Hannah, e está com medo de perder a garotinha dele...
   Hannah me olhou com os olhos cheios de lágrima, deitou no meu colo, e começou a chorar. Passaram-se 20 minutos, e notei que ela adormeceu. Ela era magra, mas eu também, e eu não era capaz de levá-la para a cama. Cuidadosamente peguei meu celular que estava no meu bolso, e mandei mensagem para Matthew vir buscá-la. Ele apareceu na porta dois minutos depois; pegou Hannah, e a colocou na cama. Ele pegou um cobertor no armário e a cobriu.
   Matthew deitou-se ao meu lado na rede, sem falar nada, e nós adormecemos observando as estrelas.