Do jeito exato que eu queria ser beijada

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Começou a chover duas horas antes que Natalie chegasse e eu resolvi fazer um chá para esquentá-la, querendo garantir a diminuição de sua carranca. Olhando o pequeno relógio pousado na pia enquanto esperava água ferver, minha mente repassou o encontro desastroso que tive horas antes com o novo vizinho na escada. Espantei a franja de meus olhos soltando um ar, frustrada ao recordar as sensações mistas que meu corpo tinha tido.

Encarei a janela respirando fundo perto dela e vendo o vidro embaçando. A vista dali não era a melhor coisa do mundo — parte de um beco escuro e poucos metros da rua — mas era o melhor que tinha para espairecer. Senti a leve quentura que indicava que a água tinha chegado ao ponto e coloquei na xícara, bebericando e me sentando no sofá.

A preocupação tomou-me por inteira quando o último episódio da décima primeira temporada de Supernatural tinha começado e Nat ainda não tinha chegado. Verifiquei o celular, mas não tinha nenhuma ligação perdida. Quando estava prestes a ligar para Rick, escutei os cachorros da senhora Hill latindo acompanhados pelo tilintar das chaves do lado de fora. Isso me aliviou tanto em saber que Nat estava bem quanto por não ter que ligar para Rick – ele conseguia ser bem escandaloso quando estava preocupada.

— Hey, estava ligando para o 911! — virei-me no sofá mostrando a tela do meu celular. Meus olhos se arregalaram quando vi que Nat estava tremendo da cabeça aos pés com o corpo todo molhado abraçando a mochila. — O que aconteceu?

Ela estreitou os olhos na minha direção, querendo que eu sentisse toda a raiva que irradiava de seu corpo. Seu cabelo loiro estava grudado na lateral de seu rosto e sua maquiagem – milimetricamente preparada de manhã – estava escorrida, o que deixava seu rosto ainda mais assustador.

— O que aconteceu? — ela repetiu a minha pergunta irônica e largou sua mochila no chão, chutando a porta com o pé. — Choveu, foi isso o que aconteceu. E a Madonna morreu no meio do caminho. Fui obrigada a vir andando até aqui nessa chuva e esqueci o guarda chuva, porque a previsão do tempo não avisou que o fim do mundo seria hoje.

— Olha, estava meio quente hoje. Então você já podia raciocinar que...

Nat levantou a mão e eu me calei.

— Não diga nada, ok? — pediu passando os braços em torno de seu corpo trêmula. Dava um passo de cada vez, mostrando hesitação. — Agora eu só quero tomar um banho quente e ligar para Rick buscar Madonna. Talvez ele dê um jeito nela.

— Fiz chá! — gritei antes que ela desaparecesse pelo corredor.

Mas foi tarde demais. A única resposta que obtive foi o baque de sua porta batendo.

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Nat acordou resfriada no dia seguinte, o que me fez ficar um pouco culpada por tê-la feito cobrir o meu turno no dia anterior. Faltamos a aula, já que ela não tinha nem condições de ir e nem de ficar sozinha em casa. Entrei em seu quarto com uma grande bandeja desejando que ela comesse alguma coisa e tirasse a preocupação de minha cabeça.

O quarto de Nat era como um sopro de sua personalidade, na verdade, um tiro no meio do peito. As paredes, pintadas de azul que intercalavam entre o tom mais claro até o tom mais vibrante, parcialmente ocultas por diversas entrevistas e fotos de celebridades que Nat usava para se inspirar. Todas as vezes que entrava ali, tinha algum recorte novo. Sua cama ficava no meio do quarto, ao contrário do que acontecia com a minha, ela queria ficar o mais longe possível da luz do sol. Suas persianas estavam fechadas deixando o ambiente ainda mais macabro e eu tive que forçar minha visão para reconhecer seu corpo magro oculto nas cobertas. Apenas um tufo loiro se destacava na escuridão acompanhada por espirros excessivos.

Senhor LuxúriaOnde histórias criam vida. Descubra agora