|32| mom

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Alguns dias depois da visita de estudo a Bakersfield

Para mim, a tristeza é um enorme eufemismo. Digo isso, porque nós suavizamos a realidade das coisas, ao dizer que estamos tristes, em vez de dizermos realmente o que nos vai na alma, a sinceridade. Nós realmente quando proferimos essa palavra denominada como tristeza, realmente queremos dizer que não aguentamos mais, que estamos no limite das coisas, que não somos mais capazes de aguentar com tudo isto. Somos meras pessoas que esperam para as coisas acontecerem, em vez de fazermos elas realmente acontecerem.

Lamentava-me enquanto acabava a pintura que estava a fazer: era um pouco peculiar, porém só fazia realmente sentido para mim. Nesse retrato, haviam dois opostos: uma rapariga - mais especificamente um anjo - com as asas estragadas, mais diretamente incapazes de a fazer voar novamente. No seu lado havia luz, uma luz tão intensa que a deixava com uma iluminação que invejava a escuridão, do outro lado. Nessa escuridão tenebrosa havia um anjo negro, coberto de marcas e feridas. Tentava ajudar a rapariga, porém a escuridão estava a puxá-lo para longe dela.

- Skylar, skylar! - A minha irmã entrou no quarto de rompante e abraçou-me com toda a força.

- O que aconteceu amor? - Fiz-lhe festinhas no cabelo, com a mão que não estava suja de tinta.

- Estão a bater à porta com toda a força e a Allison saiu para comprar pão. Estamos sozinhas, Skylar! - Disse-me a tremelicar.

- Calma Jasmine. Fica aqui no quarto e não saias. Vou ver o que se passa. - Disse-lhe enquanto tirei o avental cheio de tinta. Esfreguei as minhas mãos sujas nele e sai do quarto.

Na verdade eu não estava com medo. Já podia adivinhar de quem se tratava. Suspirei fundo ao ouvir alguém bater na porta. Alguns gritos espalhavam-se pelo corredor, proferidos por uma voz feminina. Suspirei fundo antes de espreitar pela ranhura da porta e ver de quem se tratava. Depois disso, abri a porta, com certo receio.

Era a minha mãe: mais diretamente, não parecia ela. As suas roupas estavam num estado lastimável, todas desgastadas e cheias de buracos enormes. O seu cabelo do qual eu antes era fã, estava tão sujo que se poderia cheirar o fedor a milhas. Para além disso, o cheiro a álcool e a tabaco instalou-se pela casa. Foi então que eu tive a coragem: a coragem de olhá-la nos olhos. Neles não havia vida alguma. Estavam tão escuros e insensíveis que senti logo um aperto no coração.

- Onde está o dinheiro? - Perguntou-me de forma amarga.

- Não tenho. - Fui firme e capaz de lhe dizer.

- Desculpa?! - Berrou tão alto que tive medo que os vizinhos fossem capazes de ouvir.

- Mãe... - Disse, já com certo receio.

- Não te pergunto novamente. Onde está a merda do dinheiro? - Disse friamente.

Isto magoava-me mais que qualquer outra coisa. Porque ela não queria saber de mim, mas sim do dinheiro que não tinha. Sempre foi assim a minha vida toda: quando a minha mãe saiu de casa e meteu-se no mundo alcoólico, vi-me sem chão, completamente sozinha, e senti-me tão miserável que construi barreiras à minha volta tão grandes e tão indestrutíveis para que ninguém, mais ninguém fosse capaz de destruir o meu coração. Acho que cresci muito rápido: esse talvez tenha sido o meu maior problema. A vida nunca foi um mar de rosas: sempre teve muitos espinhos.

- Já te disse que não tenho. - Proferi com dificuldade.

Os seus olhos olharam-me com nojo: ela olhou para toda a casa e foi em direção à estante. Via-se que a mesma estava irritada, tão chateada que eu até tinha medo das atitudes dela. Foi então que observei-a a derrubar literalmente tudo o que estava no seu caminho: algumas molduras caíram no chão e partiram-se, os livros da estante estavam todos no chão e os jarros com flores e cheios de água ficaram em estilhaços no meio do chão. O meu coração acelerou e eu senti medo: pela primeira vez senti medo da mulher que me criou e que me destruiu o coração. Afinal são as coisas que mais amamos que nos destroem.

Duas Metades {HS}Onde histórias criam vida. Descubra agora