Eu não me lembro exatamente como foi, só lembro que era quente, quente demais. Várias partes do meu corpo doíam, eu sentia os vários ferimentos arderem. Mas não era por isso que eu chorava.
Eu chorava porque minhas asas estavam quebradas. Eu chorava porque a minha volta tinham várias penas negras. Eu chorava porque um sangue vermelho escuro escorria dos meus ferimentos. Eu chorava porque sabia que estava sozinha. Eu chorava porque tinha perdido tudo e nem me lembrava do porquê.
-- Abre os olhos -- uma voz masculina me disse e eu abri.
Olhos azuis me encaravam de volta.
Ele tinha cabelos ruivos e um sorriso doce. Ele passou a mão pelo meu cabelo, eu me contraí de medo, mas ele sorriu me acalmando, como se me dissesse que tudo ficaria bem.
-- Me chamo Edgar -- ele falou calmamente -- e você?
-- De... Deb. . . -- eu forcei a memória, mas não vinha -- Deb. . .eu não me lembro -- eu disse entrando em desespero.
-- Tudo bem -- ele falou -- Posso te chamar de Debby?
-- Pode.. -- eu sussurrei.
-- Debby, eu tenho uma casa onde eu recebo os anjos caídos. Eu vou te levar até lá e vou cuidar de você, você pode confiar em mim. Eu vou te proteger de tudo, a partir de agora. Tudo bem?
Ele sorriu e eu confiei nele, talvez não devesse já que eu não o conhecia, mas confiei.
Edgar me pegou no colo e me levou dali, meu corpo doía demais, mas eu acreditei que, talvez, as coisas ficassem bem.
Demorei para me curar, meu estado era lamentável, dei muito trabalho para Edgar. Ele passou dias do lado da minha cama, cuidando de mim. Minhas asas demoraram um pouco de tempo para sararem e eu também demorei para aprender a esconde-las. Eu precisava saber como me comportar na frente dos humanos.
Uma noite acordei e vi Edgar dormindo na poltrona ao meu lado, eu tinha tido outra crise e tive febre. Meu corpo ainda não tinha se adaptado bem a Terra.
-- Que bom que você acordou -- uma voz grave me fez pular de susto na cama.
Era um homem, outro anjo. Ele tinha olhos e cabelos escuros, estava encostado na janela, de braços cruzados, nos observando.
-- Você é o Alec? -- eu perguntei ainda assustada.
-- Sou, me conhece?
-- Já ouvi falar de você. Ele -- eu indiquei Edgar com a cabeça -- fala bastante. Mas eu já tinha ouvido falar do seu nome, no Céu.
-- No Céu? -- ele franziu o cenho -- Deve fazer quase quatrocentos anos terrestres que caí, ainda falam de mim?
-- Eu não lembro de muita coisa, minha cabeça ainda está muito confusa, mas sua fama é enorme.
-- Fama não é nada, não me importo com o que dizem sobre mim -- ele deu de ombros -- Como você está?
-- Ainda fraca, confusa e tentando me adaptar.
-- Passei por tudo isso, a vida aqui não é muito fácil. Qual era sua função, lá em cima?
-- Não estou certa, acho que eu trabalhava no limbo, ajudando em resgates.
-- Coisa chata, não? -- ele fez careta de desgosto -- Pelo menos aqui você tem a possibilidade de fazer o quiser.
-- Como o que, por exemplo?
-- Somos criaturas sobrenaturais e imortais num mundo humano, podemos ser e fazer o que quisermos. Use sua criatividade, Debby!
-- Não lembro de ter falado meu nome.
-- Porque eu não perguntei -- ele sorriu de canto. Alec era muito bonito e misterioso, mas ele tinha sombras no olhar -- Não se irrite com Edgar, ele se enraizou nas suas crenças e as segue acima de tudo, até acima de si mesmo.
-- Hã? -- eu não entendi.
-- Minha teoria é que meu amigo se agarrou a missão que tomou para si como maneira de sobreviver. Ele vai demorar muito tempo, séculos para entender.
-- Eu ainda não sei do que você está falando.
-- Um dia você vai entender -- ele sorriu de canto de novo -- Sabe, quando estiver pronta para conhecer o mundo fora daqui, ficarei feliz em te mostrar.
-- Vai mostrar o que para quem? -- Edgar perguntou se espreguiçando -- Oh, você acordou! Como está?
-- Melhor -- eu respondi.
-- Eu me ofereci para mostrar ao mundo para Debby -- Alec piscou para mim e eu ri.
-- Francamente, ela nem está recuperada ainda -- Edgar disse cruzando os braços.
-- Eu espero -- Alec respondeu, me fazendo rir.
-- Sabe da regra, Alec -- Edgar falou em tom de aviso.
-- Sabe que eu não sigo regras, principalmente uma estúpida como essa, Edgar -- Alec devolveu.
-- Que regra? -- perguntei confusa.
-- Nós…
-- Você -- Alec o corrigiu.
-- Não podemos nos envolver com ninguém aqui da casa.
-- Como assim? -- perguntei confusa -- O que é se envolver?
-- Ela vivia no Céu -- Alec riu -- nunca fez isso.
-- Um dia eu te explico melhor, mas digamos que nós não podemos…urgh… uma ajuda aqui? -- ele pediu para Alec.
-- Edgar quer dizer que ELE não pode se envolver romanticamente com ninguém da casa.
-- Sim! Romanticamente!
-- Eu não sei se entendi direito, mas tudo bem -- eu respondi -- eu respondi.
Naquela hora eu não sabia explicar porque senti meu coração desapontado.
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Mestizo
FantasyO que fazer quando seu mundo vira do avesso? Quando você descobre que todas as certezas da sua vida, não passam de mentiras? E quando a verdade é a única coisa que você nunca acreditou, sempre achou impossível? Meu nome é Trian, num dia eu era um...