Porto

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    Antes de dormir, senti na obrigação de limpar parte da casa. A ideia de ir dormir sem tirar aquele pó estava dando alergia, e tive que limpar. O transtorno Obsessivo Compulsivo estava cada vez pior, e imaginar dormir sabendo que a poeira me rodeava era como se fosse um filme de terror. Quando terminei de limpar a casa, já passava das 2h30 da madrugada e antes de deitar, mandei mensagem a minha mãe avisando que já estava tudo bem e pedi para que avisasse meus amigos que ocorreu bem a viagem.
Amanheceu e parecia que um trator havia passado por cima de mim, levantei e logo entrei no banho. Estava frio e, portanto, não lavei o cabelo, sai do banho e vesti minha roupa de frio, coloquei um gorro e cachecol. Peguei o endereço que estava sobre a cama e o olhei bem, a empresa ficara 56 km até Porto e logo pensei em Dean, liguei para ele que na segunda chamada atendeu.
- Oi, tudo certo por aí? - perguntou rapidamente.
- Sim, só preciso de um carro. Poderia disponibilizar um para mim? - Pedi com gentileza.
- Sim! George deixou que usasse o dele, levo a você daqui cinco minutos.
Em cinco minutos exato, Dean chegou e o enxerguei pela pequena abertura da janela. Ele estava bem agasalhado e com um boné preto, bateu duas vezes na porta e abri com um pequeno sorriso sem dentes, ele cumprimentou com um aceno.
- George sabe? – Perguntei
- Sabe! - disse ele, e apontou para o carro.
- Uau! Uma BMW? - fiquei espantada
- Ele confia em você! - disse Dean
- Confia? - perguntei confusa.
- Também fiquei espantado, George não é assim mas se ele deu a você esse carro quer dizer que confia muito.
- Estou grata por isso. Quer uma carona? - perguntei
- Não precisa, tenho algumas coisas para fazer na cidade. A gente se vê por ai.
Acenei com a cabeça e me despedi, e Dean fez o mesmo, o observei afastando enquanto caminhava até sumir. Arrumei a bolsa, tranquei a casa e peguei o celular. Rumo a Porto, uma viagem longa até chegar a empresa, o trânsito estava agradável e as pessoas eram bem mais diferentes que as do Brasil.
Por fim cheguei na empresa e logo vi a recepcionista que se levantou ao me ver, de imediato fiquei ansiosa e ela percebeu, sentei para recuperar o fôlego e ela me abanou.
- Deve ser a Gabriela Oliveira? - perguntou como se já soubesse da resposta.
- Acertou! Poderia dar um copo de água? - sem hesitar encheu o copo com água gelada e entregou, e bebi devagar.
- Desculpa por isso, garanto que sou inteligente. - expliquei a ela, que logo riu.
- Aposto que é, venha estão esperando você.
- Quem está esperando? - perguntei com receio na voz.
- Todo mundo.
Com todos aqueles rostos encarando, senti meu rosto esquentar.
- Garanto que sou inteligente! - Comecei com uma piada e por via das dúvidas, todos acabaram rindo. - Bom, sou Gabriela Oliveira.
- Bem-vinda Gabriela. - Disse um homem grisalho de barba cheia, vindo na minha direção. - Pessoal, essa é a jovem que George comunicou que viria, estou confiando nas palavras dele. - Agora olhando para mim. - Se George confia em você, posso confiar também. - e saber disso acalmou minha ansiedade e acabei por sorrir aliviada.
- Quer falar um pouco sobre você? - Disse uma mulher que estava no fundo, mas logo veio a frente. E ao ver senti que a conhecia, seu rosto parecia familiar, então ela sorri e lembrou dela.
- Está bem! - Sorri, enquanto respirava fundo. - Sou Gabriela, tenho 26 anos. Sou do Brasil e trabalho na empresa de George tem 8 anos, com uma oportunidade única estou aqui. É um recomeço e tanto, não conheço ninguém e nem o lugar, preciso de tempo para adaptar e, durante esse tempo a única certeza que posso dar nesse momento, é que darei o meu melhor. - Em resposta, todos aplaudiram e reagi sorrindo um pouco envergonhada.
- Mãos à obra, Hacker. - E passou assim a me chamarem.
Mais tarde, quando deu o horário do almoço, aquela mulher veio até mim e me abraçou.
- Parabéns! - disse ela
- Pelo o que? - demonstrei surpresa.
- Por ser quem você é, de verdade.
- Obrigada pelo conselho. - e agradeceu com aceno.
- A propósito, sou Luciana.
- Prazer em revê-la. Recomendaria um local bom para almoçar? - perguntei
- Estou indo lá agora mesmo, quer acompanhar?
- Claro. - Peguei minha bolsa e fomos.
Quando chegamos ao restaurante, Luciana fez seu pedido e eu fiquei um tempo olhando o cardápio, e pedi qual seria o melhor para comer naquele horário. Luciana recomendou comer Francesinha, disse que é uma delícia e que sempre come, mas hoje quis mudar um pouco o cardápio.
- Obrigada de novo. - Fiz o pedido e dali por diante ficamos esperando. - Não achei que fosse encontra-la mais.
- Também achei isso. - E suavizou o rosto. - Estávamos lhe esperando, antes mesmo de saber que você vinha para Braga, soubemos do quão você é eficiente.
- Falaram sobre mim? - Perguntei, admito que um pouco pasma.
- Sim! - Respondeu entusiasmada. - George falou dos seus talentos.
- George tem sido como um pai para mim, e saber que dei orgulho a empresa, fico ainda mais contente e empolgada em trabalhar aqui.
- Pode ter a certeza. - Disse, assim deu um longo gole de café. - Sei que chegou apenas um dia, mas como está a morada?
- Por causa do fuso horário, sinto-me um pouco exausta. Dormi pouco noite passada, tive de limpar tudo antes de dormir, mas, obrigada por perguntar. - E a observei tomar outro gole.
- Você tem apenas sua mãe, no Brasil? - mais uma outra pergunta.
- Não, tem meu irmão mas ele não mora com ela. Casou a pouco tempo, e se mudou, meu pai casou de novo e já é pai novamente. - Hesitei e ela notou.
- Se não se sentir bem, fique à vontade.
- Tudo bem... minha mãe tem um namorado.
- Entendi - Pausei olhando o celular de relance, "chamada perdida". - Aonde você mora? - Perguntei.
- Moro em Barcelos, creio que não conheça. Não fica muito longe de você, eu acho! - e notou que minha atenção ainda estava na chamada perdida do celular.
- Barcelos? - perguntei pensativa, e a olhei nos olhos.
- Sim! Acho melhor você ligar de volta.
- Não é importante. Outra cidade para visitar?
- Aveiro, é um bom lugar para se viver. Ainda assim não troco Barcelos. - disse com tal entusiasmo e rindo com empolgação.
- O que tem nesse lugar?
- Muita coisa, você tem que ver com os próprios olhos. - disse sorrindo.
- Não sei, vou pensar. - e ficou ereta com a opinião.
- Parece triste, tem algo que queira contar?
- Não. - E para o nosso alivio o almoço foi servido e Luciana não perguntou mais nada.
Quando deu o horário, me despedi de todos e agradeci pela companhia.
Mais tarde, o novo chefe veio até minha mesa, e ficou parado encostado apoiado sob a mesa.
- Como está? - perguntou
- Muito bem Senhor.
- Pode me chamar por Antenor.
- Antenor.
- Deu bons resultados hoje. - Com os braços entrelaçados. - Como uma mulher, com apenas 26 anos tem uma mente brilhante como você?
- Não acho justo essa pergunta! - e o mesmo deu risada.
- Tenha uma boa noite! - E se afastou com gentileza.
Arrumei minha bolsa, e organizei minha mesa e sai da sala. Indo para o estacionamento, avistei Luciana agachada no chão ajeitando a barra de sua calça.
- Tudo certo? - perguntei
- Ai! - A peguei de surpresa. - Que susto. - gargalhei por ver sua reação.
- Desculpa, o que está fazendo?
- Torci meu pé. - ainda no chão, ofereci a mão para ajudá-la e a mesma estendeu a mão.
- Consegue andar até o carro? - perguntei
- Não vim de carro hoje.
- Quer uma carona para casa? - perguntei
- Se não for incomodo.
- Claro que não.
- Mas antes, queria lhe mostrar a cidade de Porto. Está interessada? - perguntou
- Seria bom.
No carro, Luciana indicou para passar em certos lugares.
- Tem um lugar aqui muito bonito, que é movimentada numa esplanada na zona da Ribeira. No Brasil deve ter outro nome, por isso vamos lá. - e acabamos indo, o lugar era realmente bonito e havia muitas pessoas, no Brasil era outro nome mesmo. Era conhecido como praça, cheio de mesas e cadeiras, pessoas servindo.
Depois de aproveitar aquele momento, Luciana pediu que a levasse embora, e fiquei um pouco preocupada a princípio. E novamente, o celular começou a vibrar e só parou depois que caiu na caixa postal, Luciana ficou olhando para o telefone em seguida para mim.
- Tudo bem Gabriela? - perguntou
- Está sim.
- Por que não atende?
- Não é importante.
- Sei disso, mas, tem algo estranho nisso!
- Está tudo bem, não se preocupe.
- Claro!
A caminho de Barcelos, Luciana não disse mais nada mas, estava curiosa em saber.
Ela informou o lugar e arrepiei dos pés a cabeça, coloquei no GPS e seguimos, coloquei música para ouvir que a fez dormir. E mais uma vez o celular voltou a vibrar, olhei para ele por um minuto e perdi o controle do carro, de repente saímos da estrada e acabamos entrando na calçada parando na escada da igreja, pisei no freio com força fazendo subir aquele cheiro de pneu queimado. Luciana acordou abruptamente, e ofegante. Olhei para a mesma que gritou "o que aconteceu"? Não consegui soltar uma resposta sequer, só parei e olhei para os lados, pessoas vieram de todos os lados ver se estava tudo bem. Respirei fundo e consegui responder, pois o Airbag havia acionado e meu nariz começara a sangrar, e senti minha respiração acelerar. Luciana tentou me acalmar, mas só consegui lembrar do celular vibrando e Luciana desesperada olhando para o mesmo.
- POR QUE NÃO ATENDE ESSE CELULAR? - Perguntou gritando, e ainda assim não a ouvi. Tudo ficou mudo de repente e Luciana começou a abanar meu rosto.    

De repente, PortugalOnde histórias criam vida. Descubra agora