30 anos antes
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Portland, 2004
- VOCÊ ESTÁ BEM, QUERIDA?Ouvi aquilo pelas últimas oito horas e, sinceramente, estava começando a me irritar.
- Estou - respirei pesadamente, mantendo os lábios em uma linha fina na tentativa desesperada de mostrar minha impaciência.
Estávamos ali há mais de trinta minutos, e o quanto antes fosse liberada, melhor.
- Você ganhará alta amanhã. - Disparou ele, atento a minha raiva.
Encarei-o, surpresa.
- O quê? - havia escutado, claro, sem falhas. Eu andava escutando tudo ao meu redor.
- Sei que não gosta de receber visitas. E você deixa isso claro.
E por que ainda insiste?, pensei, ainda mais irritada sabendo que aquele psicólogo idiota que fazia visitas regulares ao meu leito esteve o tempo todo ignorando minhas tentativas de chamar-lhe a atenção.
- Não foi isso o que eu disse - resmunguei.
- Claro, não foi - ponderou, recostando-se na poltrona de couro. - Você receberá alta, Kristine. Sairá amanhã.
Pressionei os lábios, ciente de que estivera mentindo durante os últimos tempos.
Foi assim: lá estava eu, uma adolescente que acabara de completar 18 anos. Num momento, me vi no meio de um incêndio, observando, horrorizada, meu pai e minha irmã virarem cinzas. Noutro, um ser estranho me atacou. Apaguei e retomei a consciência já no hospital - confusa, sem ferimentos, sem dores, com uma quantidade de morfina desnecessária no sangue e, principalmente, com fome.
O mesmo homem que me tirou do incêndio voltou a me ver. Nós nos falamos pelos primeiros dias que estive no hospital. Quis saber o porquê de ele ter aparecido, mas conforme conversávamos ao longo de duas semanas, decidi me entreter com alguém que não parecia me ver com pena.
Até porque ele não me via.
- Kristine?
- Olhe, estou bem. - Assenti. - Sério. Talvez irritada, mas você já sabe. Se não se importar, gostaria que saísse.
Aquilo soou grosseiro apesar do esforço para ser educada.
Forcei um sorriso amigável enquanto o observava cruzar a porta.
Apoiei-me sobre as mãos contra o colchão hospitalar e voltei a me deitar. Ele era estranho. Não o psicólogo, o cara. Quer dizer, eu sequer o vi! Claro que trocamos um contato visual rápido. Disse algumas coisas sem sentido, e adiantou: ele andava bisbilhotando meus exames. Que genial. Em um deles, revelou-me que os médicos constataram que tive uma hemorragia interna e perda de memória - amnésia retrógrada. Não entendi a ligação de ambas as coisas.
Ele revirou os olhos, o que me deixou mais confusa.
- Não é para entender. Ambas as coisas não têm ligação.
Espantei-me com aquilo, e ele voltou a me surpreender:
- Você não é a única que não lê meus pensamentos - encostou-se no batente da porta e ajeitou o jeans preto no quadril.
Ele lia meus pensamentos. Ótimo.
Passei duas semanas conversando depois da meia-noite com um estranho que lia a todo momento meus pensamentos e eu não exercia o mesmo direito.
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