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Pelo que pareceu, eu me emanciparia. Isso ou ficar sob um parente, o que não seria legal.

No começo foi complicado. Assim que recebi alta, fui até o endereço do apartamento temporário da mamãe, a qual me ignorou por completo e me deixou na antiga casa do papai com dinheiro o suficiente na conta. Não entendi o porquê da rejeição, mas tinha mais o que fazer.

Tive que desempacotar e tirar tudo das caixas sozinha. A casa ficou uma zona por uns dez dias até eu conseguir tomar as rédeas de tudo. Alguns vizinhos - tipo, uns três - vieram me dar boas-vindas já que escolhi uma área meio restrita e deslocada da cidade. A vizinhança era silenciosa, e agradeci muito por isso.

Estava há oito dias na escola. O fim de semana não conta, então oito dias. Não era a melhor coisa do mundo. Estava no último ano e bastava aguentar tudo até a faculdade. Me abrigaria em um dormitório e tudo melhoraria.

Acho que era o que eu mais precisava naquele momento.

Não voltei a ver quem apelidei de John. Nome ridículo, eu sei, mas foi o melhor que dei de mim para não ficar no ele. Era um nome comum, e quem sabe?

Só que aquele cara não era comum. Ele não é estadunidense.

Não é um julgamento. Ok, talvez seja, mas ele tem sotaque britânico. Não pode ser John. Qualquer nome exceto John. Enfim.

Não voltei a vê-lo. Mais um motivo para eu ser a nova esquisita do pedaço: ria-me sozinha ao lembrar-me de certos momentos que passei no hospital com ele. Não pude decifrar seu último recado dado a mim no leito porque em três dias sua imagem não passava de um borrão em minha mente. O que havia acontecido? Minha memória estava sendo afetada outra vez por conta do acidente?

Distraída e isolada com meus pensamentos, peguei duas caixas pesadas em um canto da garagem e caí em cima de outra, que rasgou e tudo das três caixas se espalhou pelo chão. O conjunto de copos e pratos de vidro que comprei não se salvou - estava longe disso.

- Que droga! - Gritei, irritada, sentada sobre um artesanato de coruja enorme como se fosse um relógio de parede.

- Ei!

Espantei-me com a presença do desconhecido, mas logo constatei que era Ricky, um dos vizinhos.

- Hã... Você está bem?

Revirei os olhos.

- Estou ótima! Estou sentada em uma coruja que pode se quebrar a qualquer momento e perfurar a minha bunda! E você? Como está?

Ele piscou. Soltei a respiração.

- Desculpe. Só que é meio complicado... meio não, é complicado essa coisa de mudança.

- Hum... - ele ergueu a garrafa de vinho.

- Estou sem copos - apontei para os estilhaços de vidro espalhados pelo chão.

- Trouxe taças.

Assenti, cansada.

- Obrigada.

Ricky se acomodou no chão ao lado da coruja onde estava sentada. Colocou ambas as taças no chão e serviu-nos de vinho tinto.

Conversamos por um bom tempo. Acho que não abria a boca há dias. Ele me contou sobre a esposa e os filhos. Contei sobre meu término nos estudos, meus planos para a faculdade e sobre minha família. Eles iriam querer saber, então era melhor contar tudo logo.

Admitia que era a primeira vez que tomava vinho. Virei uma garrafa de vodca no aniversário de Lisa, uma amiga de minha antiga escola. Passei a noite super mal, e contei isso a Ricky.

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