A maldita bad é eterna

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A tensão se formou lá em casa nos dias que se passaram, mamãe e papai discutindo a todo momento quando a situação se apertara ainda mais para o nosso lado, e acabei me vendo em no meio de uma pilha de caixas médias espalhadas pelo amplo espaço vazio do meu quarto. Eu já não tinha mais lágrimas para chorar o quanto minha vida fora feliz aqui nesse apartamento, onde eu jurei adotar duas gêmeas com o meu parceiro e continuar a morar aqui, trabalhando como veterinário no meu próprio consultório no centro da cidade.
    Andei uns passos até parar em frente da janela entre aberta do meu quarto tendo a vista de alguns prédios ali perto e a praia do Leblon mais para o lado com o morro dos dois irmãos bem lá no fundo. Estava nublado, a rajada de vento era fria, e tudo o que eu queria era me agarrar na coberta segurando uma caneca caprichada de chocolate quente com chantilly em cima, vendo um bom filme de drama que resume bem a minha vida agora.
    Por eu ser psciano as pessoas sempre dizem que o meu signo é o mais histérico e dramático de todos os signos. Agora tenho que concordar com o que todos dizem. Infelizmente. Odeio ter que concordar com as pessoas. Espalmei minhas mãos na janela gélida e senti o silêncio agradável dos edifícios ao lado e o vento frio bater contra o meu rosto como se fossem as próprias pedras de gelo.
    – O caminhão de mudanças chegara, meu filho – disse meu pai bem atrás de mim, parado na porta.
    Me virei para encara-lo recostado na soleira da porta, me olhando com pena por me tirar da minha zona de conforto.
    – A onde vamos morar, pai? – perguntei. – Até ontem você não nos informou nada.
    Ele fez uma linha reta e fina com os seus lábios.
    – Se senta primeiro, pois você vai fazer um drama daqui até lá – respondeu.
    Procuro uma caixa para me sentar, mas minha bunda afundara diretamente na caixa de papelão funda, me tirando um grito histérico. Minhas pernas inclinadas para o lado de fora da caixa.
    – Que cacete! – grito, com raiva. – Por que papai? – Faço um choro forçado como uma criança de três anos.
    – Filho, na caminhonete conversamos – parou na minha frente estendendo uma mão grande com dedos largos, as unhas bem limpas e cortadas.
    – Caminhonete? – bufo. – Cadê o seu carro? – Pego na sua mão tomando impulso com o meu corpo e ficando de pé com a caixa de papelão agarrada na minha bunda. Papai a retira e eu dou leves tapinhas na minha roupa para tirar a sujeira que ficou impregnada nela.
    – Vendi o meu carro para poder comprar a nossa casa, mas em breve vou ter outro carro e outro emprego – respondeu, sorrindo.
    Como ele consegue sorrir depois de tudo o que ocorreu? Papai precisa ser estudado.
– Bom, agora vamos indo antes que a sua mãe tenha um surto lá embaixo – Papai se levantou da cama e saiu do quarto o deixando silencioso novamente. Peguei minha mochila e uma mala com as minhas roupas e saí logo em seguida com o olhar carregado de tristeza. Papai disse que vai deixar as caixas para trás porque o caminhão de mudança está a caminho.
Lá em baixo, em frente da portaria, minha mãe estava sentada no banco carona do taxi de óculos escuros Gucci, séria, olhando para frente como se fosse aquelas bonecas sinistras dos filmes de terror. Papai apareceu com uma garrafa com água de coco dentro, olhando para mim e vindo em minha direção apanhando a mochila das minhas costas e a mala da minha mão, levando até o porta malas entre aberta do táxi.
    Entrei no carro e na minha cabeça esperei pelo pior morando bem longe dos meus amigos e dos vizinhos chatos que eu amava atormentar com Lady Gaga no volume máximo e ouvi-los gritar para eu desligar, mas eu não sou obrigado a ficar acatando ordens de vizinhos caretas que não transam direito, aí ficam descontando em cima dos vizinhos.
    Meu coração se apertou quando o taxista roliço e carrancudo pisou no acelerador e a margem do Leblon fora passando para trás dando lugar para mato e um morro cheio de casas pequenas e feias.
    Acho que vou ter um teto preto!
Passo a mão no meu rosto, estupefato que a minha vida dera essa guinada, e nem pensei que chegaria a esse ponto de ir morara em uma COMUNIDADE! Papai me olhou ao meu lado e se encolheu quando lhe lancei o olhar mais felino com fome que ele nunca vira em toda a sua vida. Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, no entanto o taxista para e diz que só chega até ali. Mamãe pagou a última nota de dinheiro para o taxista na maior pena, carrancuda. Saiu do táxi e parou ao ver o declive por onde entrava mototaxis e algumas motos velhas, decadência pura.
Eu queria chorar, espernear, berrar e xingar as pessoas que cruzassem o meu caminho. Meu desespero só aumentou quando eu subi o declive sentindo os olhares de deboche, e alguns de ódio, queimando nas minhas costas como se estivessem me acusando de eu ter feito algo de errado; meu dedo do meio coçava para ser erguido mas minha classe ainda estava dentro de mim e me contive, empinando o meu nariz para frente com um carão. Ouvi algumas pessoas cochicharem e me chamarem de metido, mauricinho, playboy, bichinha ridícula, etc. Mas a verdade eu não ligo para isso, quero apenas tentar ficar em paz, mesmo morando em uma... comunidade.
E tentarei, também, ser uma pessoa melhor morando aqui. Mas pelo visto não está funcionando devido ao meu trauma de tudo o que eu vejo passando na televisão sobre a violência que é o local, mas nada se compara ao perigo que eu presenciei quando eu vim aqui por mera curiosidade.
Paramos em frente de uma sobrado pintado de amarelo fraco com portas e janelas de vidros com grades. Papai vasculhou o bolso da calça social e tirou de lá uma chave prateada, enfiando na fechadura e girando para a direita, abrindo a porta. Entramos na pequena sala onde o nosso sofá, que fora mandando secretamente primeiro, posicionado na sala pequena só com o sofá.
    Analisei o local com o nariz torcido, a poeira que voou quando pus os pés no piso feio até a minha narina, me fazendo espirrar. A maldita alergia me ama. Fungo e vejo a sombra de mamãe atrás de mim.
    – Olha o fim de mundo em que você nos enfiou – esbravejou.
    Papai e eu olhamos torto para ela.
    – Eu nos enfiei aqui? – perguntou papai, alterado.
    – Gente, pelos deuses da maquiagem, não vamos entrar em uma discussão logo agora no auge do meu desespero, né? – eu interrompi uma discussão que estava prestes a começar.
    – Não há nada o que discuti aqui, filho. A única verdade que eu jogo na cara da sua mãe é que ela foi a verdadeira culpada da nossa ruína – disse papai, meio exaltado. – Ela que gastou os últimos centavos com os luxos dela, com shopping, produtos de limpeza e joias. Mas agora – riu sarcástico. – agora ela vai ter que arrumar um novo emprego para comprar as coisas que ela quer.
    Mamãe lançou um olhar irritado para ele e saiu pela mesma porta que entrara, esbravejando, chamando a atenção de alguns moradores que passavam e direcionavam alguns olhares feios até ela.
    O silêncio se fez entre eu e o papai. Ele passou a mão em frente ao rosto e suspirou. Ficamos ali até o final da tarde vendo o movimento na rua, pessoas indo e vindo, conversando entre elas ou sozinhas. Um carro passou tocando um funk muito alto, incomodando alguns moradores. Eu pressionei minha mão nos meus ouvidos e apertei os olhos para não ter que sentir o som zunindo no meu ouvindo, via pouco com uma brecha no meu olho, e nisso vi ele no volante. Um óculos espelhado tosco todo arranhado nas lentes tapava os belos olhos dele. Uma bela loura estava ao seu lado, inerte teclando ferozmente no seu celular.
Me esqueci que estou na "área" dele, pensei. Revirei os olhos e mordi o meu lábio inferior, frustrado por morar onde ele mora. Me senti a pessoa mais aliviada, por um lado, quando o som se distanciou e o carro seguiu reto até a esquina.
– Eles não respeitam a saúde e nem o sossego das pessoas – comentou papai, depois de uns oito minutos em silêncio. – Percebi que você ficou tenso quando o carro passou. Você o conhece? – Me olhou desconfiado.
Soltei uma risada alta enquanto negava com a cabeça.
– Claro que não, pai. Eu também acho uma falta de respeito esses sem noção ficar de som ligado pra cima e pra baixo, com mulheres ao lado sorrindo achando que tudo são rosas, bom, no começo é. Mas no final acontece uma grande tragédia que a coisa fica feia nos dois lados – murmurei.
– Bom, eu estou com fome e você?
– Eu estava querendo comer aquele x-tudo bolado, pai – falei.
Ele riu.
– Tem um trailer lá na ponta. Quer ir lá? – indagou, tirando a carteira de couro do bolso.
    Não tem como falar não, né amores? É um x-tudo que está em jogo. Não pestanejei e balancei a cabeça, logo pegando a nota de vinte da sua mão e caminhando pela calçada com um sorriso bobo no rosto. Há poucos metros de mim um som muito alto de funk ecoava, e logo vi pessoas dançando uma grudadas na outras como animais no cio. Quando encarei Ele, de alguma forma, o medo me dominara e as minhas pernas travaram na calçada e o meu coração acelerou dentro do peito.
    Me virei rapidamente e uma garota de cabelos negros e encaracolados com um short curto e um top amarelo, com um piercing no umbigo vinha até mim, me olhando confusa. Ela tirou o celular de dentro do short e arqueou as sobrancelhas.
    – Aconteceu alguma coisa? – perguntou.
    Fiz que sim, tenso.
    – Pode me levar até o trailer onde vende lanche na esquina? – respondi.
    – Claro! Mas me conta porque você caminhava e parou do nada.
    Olhei de um lado para o outro e me senti a pessoa mais aliviada nesse mundo ao ver que o funk bombava atrás de mim e que ninguém passava ao meu lado.
    – Sabe, é que tem um carinha aí que me bota medo – digo olhando para a calçada. Olho para ela e ela está intacta, olhando para trás de mim, os lábios entre abertos. Sinto uma respiração leve na minha nuca e todo o meu pelo se eriça no meu corpo.
    – Opa, por que não me convidou para falar de mim mesmo com vocês dois? Eu tenho tanta coisa ruim para falar de mim, menor, que você ia me encarar e dizer "Eh, minha vida está mil maravilhas". – Riu debochado.
    Engoli em seco.
    – Eu não estava falando de você – digo, ríspido. Me viro para ele com o pouco de coragem que me resta. – Eu só estava falando de um cara que está me seguindo com más intenções, não cheguei nem a tocar no seu nome, garoto. Se toca!
    Sua mandíbula quadrada ficou dura de raiva.
    – Tu fala direito comigo, mané! – Apontara o dedo na minha cara.
    – Não, até você falar comigo como um homem de verdade. – Agarrei o seu dedo e o joguei para o lado. A menina desconhecida se pôs entre a gente espalmando sua mão em nosso peito.
    Ela passou o olhar de mim para ele.
    – Já chega, né, rapazes? Vamos manter a dignidade – olhou para o senhor gostosão que se acha. – E você para de ficar fazendo gracinha, pois sendo esse garoto fútil e arrogante não vai me trazer de volta para tu. Para de bancar a criança e vai fazer algo decente nessa sua vida podre que deve nem ter mais salvação.
    Me pegou pelo braço e seguiu andando comigo, o som parando até de tocar nas caixas de som dos carros. No final das contas ficamos amigos e conversamos horrores, contando até o meu maior segredo para ela. Que eu era gay! Ela ficou feliz por eu ser o primeiro amigo gay dela, e eu também fiquei feliz por ela ser a minha primeira amiga mulher.

Apaixonado Pelo Dono Do Morro (Romance Gay) Onde histórias criam vida. Descubra agora