Maldito baile

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O dia amanheceu sem graça. Mamãe estava definitivamente desaparecida e papai estava louco, jogado em um canto qualquer, escondendo que tinha chorado de desespero. Dentro de mim, um mal estar se assolou do meu corpo e agora estou no meu quarto deitado na cama, encarando o teto e me perguntando o real motivo de ela ter sumido assim, do nada, sem dar explicações.
    Papai estava em pânico já.
    Ele se levantou da cadeira soltando um soluço sufocado na garganta e subiu para o segundo andar da casa. Apenas escutei ele bater a porta com certa força, me deixando com um aperto no coração. Nunca o vi daquela maneira por causa da mamãe.
Escutei um carro passando, o som do funk alto ecoando pelas estruturas frágeis das casas. Tive o privilégio de ouvir as paredes e a porta de alumínio estremecer com o som alto do funk. Bufei. Abri a porta e a primeira coisa que eu vi foi o maloqueiro mequetrefe mexendo o pescoço no ritmo da música como uma galinha doente; ele estava parado em frente da casa bem em frente, fechada.
- Será que não tem como abaixar o volume? - gritei, cruzando os braços.
Ele me fuzilou com o olhar.
- Vai tomar conta da tua vida, mano - Ergueu o dedo do meio para mim. Nem me abalei. - To aqui, tranquilo, ouvindo um funkzinho e esperando uma gostosa para esquentar essa manhã morta.
Ele deu aquele sorriso de canto. Não sei porque, mas meu coração pulou no peito e quase saltou para fora.
- Ah! - Fiz um muxoxo e entrei para dentro de casa, fechando a porta. Soltei um suspiro de alívio quando o som foi se dissipando no ambiente e o carro se afastando daqui. - Por que esse maldito sempre fica por aí se amostrando com aquele carro roubado? Que saco! - Dei um tapa na minha coxa e nem me importei com a ardência.
Quando o celular vibrou no bolso de trás do short jeans que eu usava uma esperança se acendeu em mim por ser alguém que tinha encontrado mamãe, mas era só a Karolayne, a menina que tinha me defendido daquele... traste. Me segurei para não chorar. Deslizei meu dedo na seta para atender a ligação e pus o aparelho no ouvido.
    - Oi, amiga - falo, me recostando na parede ao lado da porta da sala.
    - Nossa, que bad é essa, Lucas? - ela disse, pasma. Mas logo seu tomo mudou para preocupação. - A sua mãe não apareceu, não é?
- Não.
Lágrimas escorrem pelos meus olhos com veracidade. Meu corpo foi deslizando pela parede até minhas nádegas tocarem o piso gélido da casa, como acontece em novelas que passam na televisão. Mas bem que o drama em que a vida me meteu daria uma boa novela.
O garoto gay, com a família falida, se muda para uma comunidade mas que logo a família se separa, porquê a matriarca da família desapareceu pelo mundo sem nem deixar um bilhete.
- Eu queria ser alguém forte para aguentar as portadas da vida, Karol - digo entre os soluços. - Ela pode ter todos os defeitos do mundo, mas é a minha mãe. Queria muito, muito que ela voltasse e que me desse um abraço, mas isso só em sonho.
- Caraca, amigo, isola - a ouço bater forte sobre uma madeira no outro lado da linha, certamente com muita dó de mim. - A sua mãe vai voltar com muita saúde e você vai poder dar um abraço nela. A vida pode ter dar muitas porradas, mas ela também sabe nos presentear com coisas boas. Se lembre disso!
Sorrio.
- Ah! Só você mesmo para tirar um sorriso de mim nesse meu desespero - respondo. - Foi muito bom você entrar na minha vida desse jeito espontâneo, Karol.
- Eu sei! - Ela gargalha no outro lado da linha.
Quando o choro foi se dissipando eu perguntei:
- Vai fazer alguma coisa hoje?
- Claro.
- Do tipo o quê? - quis saber.
- Baile funk. Balançar a bunda. Rebolar até chão e beijar muito na boca. Você deveria vim comigo e fazer o mesmo, colega!
Inclino minha cabeça para trás batendo de leve na parede e rio com o nariz. Eu nunca pisaria em um lugar como aquele novamente, não com aquele traste olhando de relance para mim e me perseguindo como um tigre persegue a sua presa.
- Você sabe que não cola, Karol - falo.
- Por causa daquele mané? - ela ri. - Tenho certeza que o Leléo daqui a pouco está desencanando de tu. Conheço ele muito bem. Aquele lá, quando conhece uma vagabunda se esquece até do próprio nome e de onde veio.
    Pelo o que ela me contou eles tiveram uma treta forte quando ela pegou a melhor amiga na cama dele, transando com ele. Aquilo fez Karol a mulher independente que não pensa em pegar mais homem, mas concluir os seus estudos e fazer faculdade de enfermagem.
    - Eu tenho que pensar - Suspiro. - Não estou preparado de ver ele e ter um embate com ele na situação em que me situo.
    - Ele vai estar no camarote com alguma piranha. Poxa, amigo, vem! - insistiu ela. - Vai ser tão legal!
    - Eu vou, Karol!
    Ela deu um berro tão alto no outro lado da linha que eu afastei o meu celular do ouvido para não ter como resultado a surdez.
    - Você é foda, sabia?
    - Pode ser - respondo.
    Karol ri.
- Mas com uma condição, mona - intervim.
- Ah, o que foi agora, bicha? Vai amarelar? - Pude sentir o desespero em sua voz.
- Não. Claro que não. Não sou de desistir assim tão fácil, mas quero que aquele embuste fique bem longe de mim, para não estragar a minha noite como da última vez quando eu fui com aquele traíra.
    Me lembrar do meu ex-melhor amigo me fez sentir um ódio grande crescer dentro de mim, e ao mesmo tempo ter lembranças boas dos nossos momentos de travessuras. Mas tudo isso foi em vão, creio. Agora, ele está embolado com o preconceito até o pescoço por eu ter ficado pobre e ter parado aqui na favela. Não é lá uma maravilha de se morar, mas com pouco tempo aqui, aprendendo com as pessoas, percebi que a simplicidade é algo tão natural para todos que aqui vivem, deixando qualquer rico mesquinho, mesmo tentando ser simples, se afundar no seu próprio poço de arrogância e ignorância.
Passei a tarde toda dentro do meu quarto, lendo A Seleção no celular quando, desviei o meu olhar da página 40 para a janela aberta, e vendo que a noite já caiu e as casas do morro já estavam acesas; o som dos instrumentos da roda de samba no bar da esquina ecoando pelas paredes de tijolos das casas e da parede do meu quarto.
Ouço duas batidas de leve na porta de casa. Papai não está em casa, saiu para tentar procurar a mamãe, então fiquei por aqui jogando roupas e mais roupas em cima da minha cama, acumulando uma bagunça que só o sangue de Cristo para arrumar depois.
    Corro em disparada para a sala e abro a porta me deparando com Karol usando um top preto, uma calça jeans e saltos da mesma cor. Estava deslumbrante para ir ali no baile balançar o edir. Dou um abraço apertado nela e fecho a porta assim que desfaço do contato físico.
    - Você está tão maravilhosa - falei.
    - Eu sei! - Ela rodopiou com os braços erguidos para cima, rindo. - Você também está lacradora com essa calça jeans justa, camisa tumblr e Vans brancos. Queria eu ter dinheiro para comprar.
    Me analisei e percebi que ia ser chamativo demais usar uma roupa desse estilo.
    - Quer que eu me troque? Acho que vai ser chamativo demais - digo.
    Ela nega com a cabeça.
    - Se não for para chamar a atenção a gente nem sai de casa, bicha - riu. - Vamos logo? To indócil querendo tomar uma cerveja.
    Concordei. Saí de casa deixando a porta encostada para caso de papai chegar com a mamãe. Já conseguia escutar a musica Oh Novinha, do Mc Don Juan que ribombava atrás das casas, em um campinho de futebol. As duas estavam cheias de pessoas aos beijos e enchendo a cara. De relance, as imagens me assustaram, nunca vi uma festa tão intensa como essas na zona sul, os caras no canto com fuzis nas mãos e fumando o tão famoso verde que estava me deixando com náuseas.
Karol me puxou até um freezer que servia de balcão embaixo de uma lona, entre duas casas, e se reclinou com um sorriso em direção ao atendente. Um moreno de braços grossos com a tatuagem de um dragão.
- Eu e meu amigo vamos querer uma cerveja - falou, alto demais por causa do som do funk. O moreno bonito pôs duas garrafas de Antártica na frente dela.
Karol deu uma nota de dez para ele e pegou as cervejas, me estendendo a minha. Foi aí que nos esquecemos de pedir para abrir, mas a gente andou uns passos e decidimos não voltar.
Foi aí que botei meus olhos nele, lindo sobre uma regata branca que deixava a mostra dos seus braços grossos e fortes. Uma águia enfeitava o seu braço esquerdo e entre os dedos grossos tinha um baseado. Toda menina que passava ele a comia com os olhos. Desviei os meus olhos quando ele se virou e Karol pôs as suas mãos sobre o meu ombro.
- Você está bem? - perguntou.
- Sim, mas estou ficando com dor de cabeça em meio a esse cheiro de...
Paro de falar quando sinto um cheiro muito forte de Kaiak e um pigarro atrás de mim. O cheiro inebriante desse perfume me fez virar e encarar os seus olhos com uma mistura de felicidade e raiva. Ele era mais alto que eu, então eu tenho que olhar um pouco para o alto para poder fita-lo.
Fico tenso. Minhas pernas tremelicavam. Meu coração pareceu se deslocar se espalhando por todo o meu corpo. Minhas mãos suavam frio. Ele não diz nada, apenas me pega pelo braço e me arrasta para o mesmo quartinho de antes, me jogando na cama.
O choque das minhas costas com o colchão me assustou, mas eu me contive, não gritei e nem nada do tipo. Vislumbrei ele recostado na porta fechada com o baseado no final, espalhando a fumaça opaca no ar, evaporando em seguida e fazendo o ar do quarto abafado insuportável.
- Por que não me esquece, cara? - pigarrei.
- Eu te esqueci o dia todo, mas quando você me encarou o teu rosto de mauricinho insuportável me veio à cabeça e tive que fazer esse espetáculo todo - sorri de canto.
- As pessoas percebem, sabia? - perguntei, me sentando na cama, sorrindo sarcástico. - Aposto que elas devem estar desconfiando do líder do morro.
Eu perdia a vida, mas a piada jamais.
- O que você quer dizer com isso, menor? - cruzou os braços, contraindo o seu peito definido.
Fico de joelhos na cana e engatinho até a beira da cama com um sorriso de canto.
- O que as pessoas acham de você levando para o seu quartinho um rapaz, uh? - rio.
    Seus dedos largos afundam na minha mandíbula de leve e ele ergue o meu rosto.
    - Quer saber? Foda-se nessa porra. Sou o dono do morro e pego quem eu quiser.
Ele joga o seu corpo contra o meu e me pressiona no colchão da cama de casal e me beija de forma gostosa e ardente, me causando arrepios pelo corpo. Sua mão puxa o meu cabelo de leve e ficamos assim quase a noite toda.

Demorou, mas está aí quentinho pra vocês, amores! ❤️

Apaixonado Pelo Dono Do Morro (Romance Gay) Onde histórias criam vida. Descubra agora