Todo dia de manhã eu tenho que me lembrar o porquê de ter escolhido medicina para minha vida. Sabe porque?
Primeiro: O cansaço. Eu ainda não me formei e já tenho uma certa preguiça dos pacientes e tudo mais. Os horários, a correria, o tempo que não tenho fora de um hospital e etc.
Segundo: Os pacientes. "Um homem acabou de chegar com o braço do avesso após aposta com amigos", "Uma criança engoliu um estojo", e por aí vai. Pode parecer normal para um médico ouvir isso, mas eu ainda não consigo entender o tanto de acidente que humanos conseguem se meter.
E por fim: A rotina. O café da manhã apressado, o estresse em transporte público, um médico cirurgião que nunca me deu atenção e a surra de trabalho de manhã a noite.
Sei que estou reclamando demais, mas para meu alívio, o amor por salvar a vida de pessoas me motiva. Dar continuidade para alguém continuar seu sonho. Já estive em uma operação de uma bailarina que voltou a andar, já vi um cego começar a enxergar e logo depois virar artista plástico. A medicina é o começo, meio e fim. É completo pra mim.
Então levanto da cama, meu celular tinha vibrado umas cinco vezes com o alarme, não estou atrasada por isso me dei ao luxo de dormir mais. Eram nove da manhã e eu caminhei lentamente até a cozinha.
Coloquei um pão na chapa e liguei a cafeteira.
O sol entrava pela cortina aumentando minha calma, mas os barulhos de buzina não me deixava concentrar cem porcento. Em outra vida, serei rica e morarei no campo.
Desbloqueio o celular e procuro o nome de Maria Augusta. Ou como ela prefere ser chamada: Maggie.
"Você está aonde?!" ela grita fazendo com que eu me afaste do celular.
"Em casa...?" digo, confusa.
"Em casa?! Alexia!" ela bufa meu nome e escuto vozes ao redor dela. "Você precisa vir para o hospital..."
"Hoje é domingo, os internos chegam mais tarde..."
"Liga a televisão!"
Saio da cozinha e vou depressa pelo corredor até a sala escura, pego o controle remoto no sofá e ligo. Merda, o que é isso? A imagem me choca fazendo meu coração acelerar tão forte que parecia bater contra a minha costela.
"Droga Maggie, por que não me avisou antes?"
"Achei que tivesse visto"
"Estou indo, e por favor, enrola a Michelle" desligo e jogo o celular no sofá.
Corro para o banheiro com o coração batendo forte. Tiro a roupa e ligo o chuveiro. A água me acalma aos poucos, eu respiro e inspiro devagar.
É óbvio que eu deveria estar acostumada, acidentes acontecem, certo? Mas não estou. Maggie repete mil vezes na minha cabeça que eu deveria procurar outra profissão, isso porque eu torço o nariz quando vejo uma pessoa com a barriga aberta e um vergalhão atravessado. O que acontece é que não me acostumei, porém não deixaria de fazer uma cirurgia obviamente, mas isso não quer dizer que não devesse me impressionar com certas coisas. Certo?
Na televisão tinha a cena de um trem desgovernado que saíra dos trilhos e atravessou uma pista, o trem só foi parar quando bateu contra uma parede de um prédio e entrou no saguão. O que mais me assusta nisso tudo nem é o prédio destroçado ou como um trem saí dos trilhos e para na pista. E sim, os corpos.
Desligo o chuveiro, que não adiantou pra me acalmar e pego meu blusão na gaveta embaixo da pia. Coloco minha calça jeans, blusa preta e tênis All Star , viro o corredor e pego minha bolsa no caminho aos tropeços. O café na cafeteira já estava frio, viro todo ele pela boca e mastigo o pão que estava um pouco queimado. Quando termino, saio de casa, trancando a porta e correndo para o elevador.
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Alexia, Guilherme E As Segundas Opções
RomansAlexia é a interna do centro médico de sua cidade, com apenas 22 anos ela se mostra promissora no ramo. Após um acidente de trem que deixou toda a cidade mobilizada, Alexia precisa cuidar do seu mais novo paciente, Guilherme, um garoto que diz que o...