Capítulo 30

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ELE

Passei a noite toda em claro, não conseguia parar de pensar em tudo que o sargento Eduardo havia me falado. Eu não confio nele, no entanto tudo que ele me disse não é completamente sem sentido, principalmente a parte da minha mãe. O sargento Eduardo era o homem de maior confiança do meu pai, desde que me lembro, ele sempre esteve ao lado dele. Ele pode estar mentindo para mim, essa é uma grande possibilidade. Assim como também, ele pode estar falando a verdade. E por mais que eu não queira, eu vou ter que confiar nele, somente assim eu vou poder descobrir realmente a verdade. Preciso entrar no jogo dele, estar ao seu lado, ganhar a sua confiança, acredito que somente assim eu possa entender tudo o que aconteceu e que ainda vai acontecer.

É difícil de acreditar, mas as imagens foram claras, eu vi. Ela realmente assassinou o meu pai. Se eu dissesse que eu não estou com raiva, eu estaria mentindo. Contudo depois de pensar a noite toda nisso, eu concluí algo. Ela fez isso, no entanto, talvez possa não ter sido por vontade própria. Eu havia me esquecido, mas depois lembrei que apesar de tudo, dos seus traumas pessoais e vinganças do passado, ela é uma soldada. Talvez ela estivesse apenas seguindo suas ordens, suas diretrizes, apenas cumprindo a sua missão. Começo a ver e entender que ela realmente não pode ser a única culpada há muito mais além dela, um culpado maior. O mentor dessas ordens, a presidente dos rebeldes, a minha mãe.

Levanto cansando, pois a noite em claro, pensando em tudo que está acontecendo, foi muito mais cansativa do que pular daquele trem em movimento. Lembrar disso, me faz querer rir. E olhando do lado de fora, naquela situação, eu não consigo me reconhecer. Isso é estranho por que antes de tudo eu também não conseguia, e agora também não. Contudo o que menos importa agora sou eu, a minha identidade. Há muito mais em jogo, o futuro do Brasil pode está em nossas mãos.

Depois do banho, no espelho do banheiro, olhando o meu reflexo, é ainda mais estranho. Como se diante de mim outra pessoa estivesse projetada. Para poder assumir uma identidade de verdade, preciso me desfazer desse disfarce que por um breve momento se tornou uma parte de mim. Não entendo como ou porque, mas ele realmente me fez acreditar que eu era outra pessoa, que eu era muito mais do que o filho do ditador. Ele me deu forças para que eu pudesse tentar ser outra pessoa, para que eu pudesse finalmente correr atrás de uma identidade. Agora eu não preciso mais dele, eu posso não saber quem sou ainda, contudo sei que não sou essa pessoa diante de mim no espelho. Retiro as lentes escuras. E meus olhos azuis-marinhos surgem iluminando as feições do meu rosto. Meus cabelos vão demorar para voltarem à cor natural, mas a raiz loira já está crescendo. No armário embaixo da pia, pego uma pequena máquina de cortar cabelos. Está na hora de finalmente me despir desse disfarce e voltar a ser o Pedro Gama, o filho do ditador.

Sigo junto com um soldado até o gabinete, onde o sargento Eduardo ocupa o posto que foi do meu pai.

- Bom dia, senhor Pedro! Ele diz sorrindo ao me ver entrar. - O senhor dormiu bem?

- Porque tem soldados me seguindo por todos os lados? Pergunto ignorando a sua pergunta.

Ele suspira profundamente e arqueia uma de suas claras sobrancelhas.

- É apenas uma medida de segurança... Ele diz.
E antes que ele termine eu corto a sua frase.

- Está parecendo mais que é para me vigiar. Até eu me surpreendo diante da minha franqueza. De onde está vindo tanta coragem?

Ele se recosta na cadeira e me fita sério.

- Sejamos sinceros senhor. Ele diz. - O senhor não confia em mim. Porque eu deveria confiar em você?

Surpreendo-me com a pergunta dele, contudo isso serve como um aviso. Eu devo fazer tudo nesse momento, menos subestimar o sargento Eduardo. Ele é inteligente, já percebeu que eu não confio nele.

- Acho que você está certo. Eu sorrio falsamente. - Vamos fazer um acordo?

Agora quem sorri é ele, mas o seu sorriso diferente do meu, não parece falso, e sim maligno.

- E o que o senhor propõe? Ele pergunta.

Puxo uma cadeira e me sento parecendo confortável com toda a situação. Agora vou iniciar o meu plano, tenho que estar ao lado dele e não contra ele, ganhar a confiança dele. E para isso infelizmente, eu preciso ser como ele.

- Primeiro, que você pare de chamar de senhor! Digo tentando parecer o mais natural possível. - Segundo, que nós confiemos um no outro. Estou disposto a estar ao seu lado e quero que você também esteja do meu. Não foi para isso que você me trouxe de volta?

Ele escuta tudo atentamente e sua primeira reação é assentir afirmativamente.

- Tudo bem! Ele diz. - O senh... Quer dizer, você tem razão.

O terreno já está preparado, preciso ser muito cuidadoso. O sargento Eduardo é o tipo de homem que parece fazer de tudo para alcançar seus objetivos. Eu não sei muito sobre ele, mas sei que com toda a certeza ele é capaz de eliminar qualquer um que se ponha em seu caminho. Tenho que tomar cuidado para não me tornar esse alguém.

- Tenho mais um pedido para você. Digo para ele.

Ele parece se animar e volta toda a sua atenção para mim.

- Diga? Ele fala.

- Preciso... Ver ele. Digo com dificuldade. - Preciso ir até o túmulo dele.

Ele apenas assente e chama um soldado, pede que ele me leve até onde eu pedi. Não sei por que, mas eu preciso disso, preciso ver onde ele foi enterrado. Talvez de alguma forma dentro de mim eu acredite que a minha culpa sobre a morte dele, possa ser amenizada dessa maneira.
Levanto-me da cadeira e sigo um soldado em direção à porta.

- Gostei do seu novo corte de cabelo. Ele fala. - Ficou ainda mais parecido com ele agora.

O que ele fala me paralisa na porta. O deboche em suas palavras faz com que uma raiva se aposse de mim. E imediatamente a vontade de dar um soco na cara dele é enorme. Ele sabe o quanto eu repudiava tudo o que meu pai queria para mim. E agora, com essas palavras é como se ele jogasse na minha cara, que eu me tornei tudo o que eu não queria. Que eu me tornei o meu pai. Volto alguns passos e olho fixamente para o seu rosto.

- Obrigado! Falo e solto um sorriso forçado. - Tenho certeza que ele estaria orgulhoso de nós.

Saio e junto comigo levo a frustação de não poder socar a cara dele. O soldado vai me acompanhando e no caminho começo a pensar se vou ser capaz de suportar ver o túmulo do meu pai. Antes eu já havia cogitado essa situação, contudo na prática tudo é diferente. O único sentimento que consigo sentir, desde que cheguei aqui, é a culpa. E eu já tenho plena certeza de que ela vai me acompanhar por um bom tempo ainda.

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