Perdi-te, autocarro (poema)

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Acordo e sei que tenho mais para fazer.
Novamente, tarefas não me farão ceder,
O desinteresse agudo para o fazer é enorme.
Os lençóis sugerem que me conforme!

Os traços luminosos rasgam-me, eternos,
Os prazos austeros queimam como infernos.
Espreito de olhos fechados, rodeio escuro.
Dói-me a consciência de saber que não duro!

Reflexos de vozes, entusiasmos, gritos, tudo!
Procurei conforto na ilusão - fiquei trombudo.
Oiço tudo menos aquilo que quero ouvir:
"A escola está fechada, podemos dormir!"

Tiro o pijama, e enfrento-me no espelho
(Que perfeita escultora que é a minha mãe!)
Na verdade, não se quer levantar este fedelho.
Que conquista, vesti-me melhor que ninguém!

Vou tratar da higiene, prometo não demorar!
Só tenho que lavar a cara, pentear e fazer xixi.
Divertido, fiz pontaria e pontuei até esvaziar,
Sujei as calças, não pode ser, ainda aqui?!

Corro à procura de ocupação para a barriga,
Desajeito-me a comer as bolachas, que sujeira!
Também me preocupo com o alimento da formiga.
Para a vassora não há tempo, por mais que queira!

Procuro as chaves, num rápido assalto à mala,
Oh, lento como um velho a andar de bengala.
Só encontro tralha, parece uma bolsa de gaja!
Ah, encontrei-as, talvez a fechadura interaja!

Esqueci-me de abrir o portão, vou ter de saltar!
Uma mão aqui, outra incerta e um pé a averiguar.
Fogo, vou-me esfarrapar nas pedras da calçada!
Não me matei, mas no autocarro perdi a entrada!

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