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          Uma semana e alguns dias passaram antes que a primeira gota da tempestade caísse na metafórica lagoa da vida de nossos personagens. Foi algo simples, um rápido vislumbre de documentos enquanto sua mãe atendia a porta de casa. Kat ficou com uma pulga atrás da orelha, seus pais nunca recebiam documentos em casa, eram todos entregues no escritório, mas logo deixou para lá, estava feliz demais para se importar.

          Desde seu aniversário, Katherine tinha passado a maior parte de seu tempo livre com Roy, a fase "lua de mel" do relacionamento deles nem perto de acabar ainda. Tia Valerie voltou para o Canadá (não sem muitas promessas de ligações e visitas, a mulher havia se apegado ao pequeno grupo), Philippa e Leonardo passaram o fim de semana em casa antes de desaparecer novamente (os únicos sinais de vida sendo esporádicas mensagens de texto para sua filha) e a vida continuou, como sempre faz.

          Poderia ser mais uma semana normal mas para Lana não, o mau humor dela era perceptível naquela terça-feira, não era bem um humor péssimo era mais um sentimento de que uma grande catástrofe estava prestes a acontecer. Esse sentimento estava em si desde que percebera que data cairia naquela semana, nem a quantidade de tempo que ela passava estudando parecia ajudar. Procurando uma distração olhou para Lia, a única de seus amigos que compartilhava a próxima aula com ela.

            A brasileira estava olhando seu celular com um sorriso bobo, dedos digitando uma resposta rápida antes de olhar para a amiga que lhe encarava com aquela expressão de "eu-estou-só-observando-isso", completo com uma sobrancelha levemente arqueada.

— Então? O que está acontecendo de tão bom? Ou eu deveria dizer quem?
— Eu só estava tirando uma dúvida com Jack quanto a um assunto da escola.
— Aham, sei. - A ruiva abriu o armário rapidamente o armário, tirando substituindo os livros em sua mochila.
— No começo, agora nós estamos marcando um ao outro em coisas engraçadas.
— Eu fico feliz por você. Memes são o caminho para um bom relacionamento. - De repente um mal estar tomou conta dela e sua testa encostou de leve sua cabeça no metal frio da porta.
— Ei, você está bem? - Lia viu a pele de sua amiga ficar mais pálida que o normal, seus olhos se fechando em uma expressão de desconforto.
— Vou ficar, vamos? - Não quero falar sobre isso ficou subentendido.
— Andiemo. - As meninas andaram de braços dados até a sala de música.

          Da próxima vez que uma mensagem de texto foi enviada por Lia, o destinatário foi diferente.

Mensagem Privada

~Camila_🇧🇷
Tem alguma coisa
errada com a Lana
Enviada às 10:30

          Ela bloqueou o celular e voltou sua atenção para a aula, sabendo que não adiantava de nada forçar sua amiga a falar, se quisesse conversar, ela viria. Lana preferia ter ficado em casa, preferia nunca ter saído de sua cidade apesar dos pesares. Se pudesse, ela voltaria no tempo até aquele dia e iria caminhando para casa ao invés de ligar para pedir carona. Se pudesse, ela faria tantas coisas diferentes mas não havia uma maneira de fazer isso, só havia como seguir em frente.

          Mas como avançar com os pesadelos de volta? Ela nunca contaria para Cathy que eles voltaram, muito menos agora que sua mãe parecia tão feliz de novo. Com uma respirada profunda, suas mãos voltaram a manusear o arco do violino suavemente, Camila tocava o teclado em um canto da sala. O instrumento fora um dos novos hábitos adquiridos por ela em Detroit, a melodia simples fluía bem agora ao contrário de quando começara a tocar algumas semanas atrás.

          As notas musicais eram como pequenos calmantes para ela, e por um momento ela esqueceu tudo: a data que se aproximava, a mensagem de texto misteriosa que recebera, o passado que parecia não querer lhe abandonar. O estupor criado pela música foi cortado pela voz grave do professor, Tom Stanley, finalizando a aula.

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