Proposta

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UM ANO ATRÁS

Todo o longo percurso foi acompanhado por um estridente barulho de grades de ferro de movimentando. Passando por vários corredores de pouca iluminação, e também pelos portões que abriam para a sua passagem, demorou um pouco. Tudo depois de enfrentar o tradicional protocolo e assinar alguns papéis.

Até que passou pelo último corredor e sentiu a luz da manhã se aproximar à sua frente. Por fim, sentiu um grande alívio com as algemas sendo retiradas de seu pulso. Logo em seguida, o último portão se abriu e ele deixou a penitenciária. Finalmente, Daniel Mendonça era um homem livre.

Ele era um homem magro, de pele negra, ombros largos e mãos grandes, com trinta e cinco anos de idade. Estava com um moletom cinza por trás da camiseta branca e uma calça jeans surrada. Nas costas uma mochila velha, com todos os seus documentos, e todos os poucos pertences que tinha ou que sobraram.

Os três primeiros anos de pena se passaram, estava limpo em praticamente todos os sentidos. Não tinha mais nada, não era mais nada. O homem que até pouco tempo atrás era apenas o garoto que só sabia invadir sistemas de computador, tinha a ingrata missão de partir para uma nova vida, sem qualquer relação com as atitudes anteriores que decidiu deixar definitivamente para trás.

Mais do que isso, ele precisava de uma superação quase que sobrenatural para seguir em frente. Apagar o passado e as lembranças que durante esse tempo todo só lhe fez cair em lágrimas. Lembranças que morreram na sua frente, e que não voltariam mais. Para o bem ou para o mal.

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DIAS ATUAIS

As frondosas árvores que envolviam os arredores do cemitério faziam o chão do mesmo de pedras portuguesas coberto por folhas secas ficar gelado mesmo com o Sol a pino. Não era um lugar muito bonito, era silencioso e cinzento. O ar parecia sempre empoeirado.

Demorou alguns segundos para que Daniel chegasse à lápide desejada. Fazia meses que já havia decorado todo o caminho entre as quadras. Parou em frente assim que a encontrou. Tratava-se de um túmulo simples, de azulejos marrons, com uma pequena foto deteriorada e uma placa escura de metal.

Se aquele jazigo poderia ser considerado um descanso digno, foi porque o rapaz custeou tudo. Assim que saiu da prisão, uma das primeiras coisas que fez foi com que o falecido deixasse de ser enterrado como indigente. Pois para o mundo era esse que deveria ser o seu fim.

Naquele momento ficou parado, por alguns segundos, encarando de frente e respirando fundo.

— Mais um mês, e eu tô aqui de novo... Você deve estar tranquilo aí, não precisa fazer mais nada o resto da eternidade... E eu não trouxe flores porque você sabe que eu não sou de ficar trazendo florzinha pra marmanjo.

Todo o mês era a mesma coisa. Ele ia para o cemitério para conversar com o falecido. Ia mais para desabafar. Era o único com quem podia fazer isso, afinal mortos não costumam julgar e muito menos criticar.

— Já faz um ano desde que eu saí da prisão. Não posso reclamar muito da minha vida. Tá tudo rolando muito bem, tranquilo. Achei que eu iria demorar séculos pra me reerguer. Minha loja tá faturando bem e tal, mas... sei lá. Não me sinto tão feliz assim. Parece que tem alguma coisa faltando.

Alguns segundos em silêncio. Quem o visse, acharia que ele estava louco. Mas era só um diálogo sincero.

— Talvez você tenha razão. Tenho que deixar o tempo passar... Deve ser só neura minha. Minha vida era outra, você sabe disso. Agora eu tô totalmente limpo. — Riu fraco — Um dia eu vou me acostumar. Se bem que... seria tudo melhor se você tivesse comigo, não? Como eu queria que você fizesse parte de tudo isso. Eu, você e o Benício. Era tudo o que eu queria.

Passado SelvagemOnde histórias criam vida. Descubra agora