Trambique

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Definitivamente, a sala de interrogatório da polícia não fazia nenhuma questão de ser um lugar confortável. O típico e clichê cômodo meio escuro e um pouco pequeno com mesa e cadeira. Qualquer som ali ecoava e ficava mais alto.

Sem querer esconder que estava amedrontada, Kátia estava sentada com suas pernas coladas e toda encolhida. De cabeça baixa, vestia os mesmos trajes simples de sempre, estava de coque frouxo. Visivelmente nervosa, sua postura retraída a fazia parecer a mais indefesa das criaturas. Pelo menos, era assim que se sentia desde que foi chamada para depor.

Fazia poucos segundos que Ajax havia entrado na sala e sentado na cadeira à frente. Uniformizado, olhava os papéis que havia colocado na mesa, que estavam nas pastas que ele fez questão de espalhar. Feição séria, impaciente, intimidadora. Pouco importava se a mulher estava com medo. Já conhecia esse filme em seus anos de carreira e não iria deixar se dobrar por isso.

— Bom, acredito que já sabe por que está aqui. Não é?

— Por favor, moço. Eu não fiz nada. Me deixa ir embora? — Choramingou.

— Calma. — Respondeu frígido — Ninguém disse que você fez nada. Na verdade, até agora não fez nada. Mas vai ter que fazer.

— O que?

— Falar sobre o Valdomiro. Foi casada com ele, inclusive.

— Mas... foi há muito tempo.

— É. Mas não faz muito tempo que você se encontrou com ele. Inclusive foi há pouquíssimos dias antes dele ser encontrado morto.

— Eu não tenho nada a ver com que aconteceu. Por favor.

— Então confirma que se encontrou com ele?

— Não... eu não...

— É mesmo? Sabe que mentir pra um Delegado é crime. E sabe o que mais é crime?

O Delegado pegou uma das pastas de papelão e colocou uma foto na mesa para ela ver. Era uma captura do vídeo que Mendonça havia gravado com a caneta espiã que a mostrava junto do criminoso.

— O Valdomiro fazia parte de uma quadrilha de contrabando. Só o fato da senhora ter ajudado ele a fugir eu posso enquadrá-la como cúmplice. — Anunciou incisivo.

— Por favor, não. — Choramingou desesperada — Eu não fiz nada de errado, eu juro...

— Então me fale sobre seus encontros com o Valdomiro, o que aconteceu depois dessa imagem.

— Eu não me encontrei com ele depois disso. Eu juro. Foi só esse dia e ele foi embora.

— E o que aconteceu naquela noite então?

— Eu estava com medo. Depois que aquele rapaz me disse aquelas coisas e me pediu pra colocar aquela caneta... eu fiz o que ele pediu.

— É, isso eu sei. Mas por que deu pra trás? Por medo também?

— Também. Eu... não sei... fiquei com medo que pudesse acontecer alguma coisa com o Valdomiro, comigo... Aquela história tava muito estranha.

— E depois?

— Depois eu... eu... não sei o que deu em mim. Foi de última hora. Joguei fora a caneta e pedi pra ele ir embora. Dei um dinheiro pra ele sumir. E ele sumiu.

— Tá certo. — Disse pegando um dos papéis — Pelo que eu sei, ele era seu marido e batia na senhora. Tanto que estava foragido por causa disso.

— Sim. Ele ficava muito nervoso às vezes. Achava que era só estresse do dia. Precisou quase acontecer uma tragédia pra que eu denunciasse ele.

Passado SelvagemOnde histórias criam vida. Descubra agora