Conhecido

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4 ANOS ATRÁS

Ter que fingir normalidade chegava a ser irritante, mas não havia outra maneira de seguir em frente. Ficava mais difícil quando o corpo, e também a mente, começam a dar sinais de desgaste puro. E não eram só os músculos de Bento que estavam cansados, a mente de Daniel também estava. Não conseguia pensar em muita coisa.

Não tinha como, Daniel começava a concordar com Bento sobre como aquela viagem toda estava sendo cansativa e parecia não ter fim. Até o estofado velho daquela caminhonete igualmente velha já incomodava. Mas o ex-militar continuava conduzindo o veículo pela estrada, sendo guiado pelo hacker para mais uma cidade.

— Se eu continuar dirigindo sem parar, será que chego na Bolívia ainda hoje? — Bento ironizou — Não me lembrava que Brasília era tão longe assim.

— Não precisa mais reclamar, Major. Pelos meus cálculos a gente já deve estar quase chegando.

— Tem certeza que a próxima pedra tá na casa de um deputado?

— Ex-Deputado. Ele foi caçado essa semana. Acusado de corrupção passiva.

— Que redundante. — Riu fraco enquanto dirigia — Mais redundante seria a gente estar roubando alguém logo em Brasília.

— É verdade. Um bando de velhaco com a pança pra cima recebendo milhões sem fazer porra nenhuma.

— É.

— Mas vamos convir que o que eles fazem lá não é muito diferente do que você fez, não é mesmo?

— Talvez. Mas a maioria deles já nasceu em berço de ouro. Nascem com influência, com poder...

— E você não?

— O que tu acha?

— Às vezes você me intriga, Bianchini. É um cara sozinho no mundo, sem filhos, sem esposa. As informações sobre seus parentes são tão rasas... Filho de militar, neto de militar, uma árvore genealógica inteira de militar...

— E o que isso tem a ver?

— É estranho o cara que segue a carreira militar dessa maneira fazer tudo o que fez. Eu achava que era só pelo poder, pela ganância, egolatria... Mas você não tem nada de tão poderoso. É só um Major que vive nos cafundós do Brasil.

— Tu não vai entender...

— Falando isso eu não vou entender.

— Sabe o que acontece? — Disse olhando para Daniel — É que todo mundo dá um jeito de passar a perna no outro em qualquer coisa. Pobre ou rico. Às vezes é por egoísmo, às vezes não. Ou é por sobrevivência... ou cansaço.

— Tem razão... Seu caso foi por sobrevivência ou cansaço?

— Não interessa.

Daniel não insistiu. Na verdade ele concordou em praticamente tudo com o que seu parceiro de crime havia falado, em mais um dos momentos de sinceridade do ex-militar. Bento não conseguia fazer tipo, era o que era. E com isso, o trajeto prosseguiu e eles ficaram quietos.

E realmente, o caminho até o Distrito Federal não foi tão longo. Ao percorrer as ruas de uma das cidades satélites do estado, deu pra ver que a mesma não era muito diferente de outros lugares que eles já passaram. Casas, prédios, lojas... Um caminho bem tranquilo naquele início de tarde. Tranquilo até demais.

— Sobrou algum dinheiro aí? — Perguntou Daniel.

— Pra que quer saber?

— É que eu tô com fome.

Passado SelvagemOnde histórias criam vida. Descubra agora