"Abram fogo!" Gritou o capitão para os canhoneiros, e os canhões eclodiram em disparos atordoadores que arrebentaram o casco do navio adversário. Pedaços de madeira, cordas, tecidos das velas, papéis, fumaça, poeira e muitas outras coisas se via pelos ares por causa da rajada de 50 tiros de canhão disparados de uma só vez contra o navio. Seu casco estava condenado a afundar, não havia mais escapatória. A fragata atingida, a River Gold comandada pelo almirante Lesley Brooks – um caçador de piratas, embora não gostasse de ser chamado assim –, tinha apenas 30 canhões, três mastros, uma tripulação de quarenta homens e não era tão extensa, mesmo assim, o almirante insistiu em enfrentar o gigante Fantasma dos Navegadores – ou Ghost Of The Navigators no original inglês – com seus cinquenta canhões e uma tripulação de cento e setenta homens furiosos e cruéis. O massacre seria certo. Após a sequência de tiros, os tripulantes do Ghost Of The Navigators posicionaram as pranchas e invadiram a River Gold. Armados com alfanjes, machados e pistolas, cerca de sessenta homens invadiram a fragata. No tombadilho a batalha se iniciou feroz e sanguinária. Irving Jones, capitão do Fantasma dos Navegadores empunhou seu alfanje e seu machado e partiu para a batalha com seus mandriões. Ao encontrar seu primeiro oponente, Irving talhou seu pescoço com o machado e depois seu rosto com o alfanje, o sangue jorrou pelos cortes. O segundo oponente foi rápido e desviou de um golpe de machado que o capitão Irving desferiu contra ele, porém, Irving foi esperto e cortou a costela do homem no lado esquerdo, o inimigo cedeu, Irving decepou lhe a cabeça e o corpo caiu largado no convés. Em volta a batalha era ainda mais sangrenta e acompanhada de gritos de fúria e desespero. Era uma tarde chuvosa e que já estava se findando, o cheiro da pólvora dos canhões se misturava ao cheiro da chuva e ao vento salgado que soprava do alto mar, o que levava todos a tossirem muito e ficarem parcialmente atordoados, mas isso não lhes tirava a concentração da batalha. Enquanto uma parte da tripulação lutava no convés da River Gold com o capitão Irving, outra havia ficado nos canhões do Ghost Of The Navigators, disparando contra a fragata que já fora bombardeada antes e agora tinha grandes buracos no casco.
Sobre o convés da River Gold um rio de sangue havia se formado, muitos cadáveres de ambas as tripulações se estendiam pelo piso e só restaram alguns lutando no tombadilho. Dois homens se enfrentavam numa ferocidade nunca antes vista, incansáveis como se pudessem batalhar pelo resto de suas vidas sem desistirem ou sem se entregarem, o capitão Irving e o almirante Brooks. Suas espadas cortavam o ar e se chocavam em golpes que se não fossem defendidos seriam mortais, tanto para um quanto para o outro. No meio da luta, Irving reparou num anel que havia na mão esquerda de Brooks o qual ele se referiu como o Anel de Blackstone, e o desejou – como um bom e velho pirata –. Um anel prata com detalhes em preto e uma pedra negra quadrada, era um belo e valioso anel. O almirante atacou Irving pelo lado direito, ele desviou e com seu machado decepou o braço esquerdo do almirante. Brooks caiu no convés segurando o toco do braço que agora se esvaía em sangue e grunhindo de dor, murmurando contra Irving pelo golpe que ele lhe desferira. Irving pegou o anel da mão cortada de Brooks e pôs em seu dedo anelar da mão direita, ele ergueu a mão e admirando o anel em seu dedo disse:
- Mil perdões, amigo, mas é um belo anel!
- Eu amaldiçoo todo aquele que puser este anel em sua mão sem minha permissão! – gritou, Brooks enquanto tremia e rangia os dentes por conta da dor – Que seja maldito e que se torne um maldito esqueleto! –. Irving sacou a pistola, mirou-a para o almirante e encarando-o no fundo dos olhos, disse:
- Eu aceito sua maldição, almirante.
- Capitão, o paiol! – gritou Barton, o contramestre enquanto abandonava a luta com seu oponente e corria para se salvar – O paiol vai explodir! –. Irving deixou o almirante agonizando e correu na tentativa de escapar da explosão, sem sucesso. Quando Irving pulou para seu navio, o paiol da River Gold explodiu. Embora fosse uma embarcação pequena, tinha o paiol relativamente carregado o que fez com que a explosão atingisse o Ghost Of The Navigators por sua intensidade, a consequência, a maioria dos tripulantes morreu e o navio começou afundar com os restos da River Gold.
Irving caiu e ao retomar sua consciência estava boiando na água. Em volta, pedaços de madeira em chamas caíam do céu escuro como uma chuva de meteoros, o fogo iluminava a água e as gotas de chuva, com um alaranjado que davam a impressão de ali ser o inferno. Irving tentou nadar mas percebeu que havia algo lhe impedindo de mexer o abdômen, ele pôs a mão em sua barriga e sentiu que uma grande lasca de madeira do tamanho de um mosquete e da espessura de um braço lhe atravessara, ele não sentiu muita dor por estar na água. Irving ergueu a mão para o céu na direção da lua, que havia aparecido num espaço que as nuvens de chuva deram ao astro. O anel cintilava enquanto ele movia a mão admirando a joia, porém, por causa da perda de sangue Irving foi fechando os olhos lentamente e morreu, sua última vista foi o anel.
Três homens que haviam sobrevivido, nadaram até a praia – havia uma ilha deserta perto de onde ocorreu a batalha – mas ao chegarem lá, um viu que havia perdido a perna e sangrava muito os outros dois tinham ferimentos muito grandes para serem curados ali e os três morreram depois de alguns minutos. Todos os homens de ambas as tripulações morreram, exceto um, da River Gold que conseguiu pular mesmo estando amputado e sangrando, o almirante Brooks.
Quando já havia passado a chuva e a lua começava a lançar seus raios de luz sobre a região onde acontecera o conflito, a água do mar começou a borbulhar e logo começou a produzir uma espuma branca como quando as ondas se quebram na praia. O almirante que havia nadado para a praia a fim de morrer ali, se deitou na areia e ficou esperando a morte, entretanto, enquanto agonizava de dor por causa de seu braço decepado, começou a ouvir vozes. "Onde está o navio?" disse uma delas, a outra falou "Alguém viu o capitão?". Brooks se levantou do chão e estreitou os olhos para ver a uma certa distância. Quando conseguiu focar as figuras, viu que eram esqueletos conversando, com farrapos de roupa no corpo e espadas nas mãos. Brooks arregalou os olhos assustado e assustou-se mais quando viu um esqueleto que foi até o mar, enfiou a mão na água, mexeu-a de um lado para o outro e após isso ergueu o braço segurando uma perna com um pé na ponta. O esqueleto voltou para a areia e deu a perna para outro esqueleto um que estava sentado na areia –, ele então encaixou o osso no joelho, mexeu-o e os três esqueletos gargalharam. Assustado, Brooks pulou para trás dos arbustos a fim de se esconder, bateu três vezes na cabeça para tentar voltar ao normal, mas não era uma alucinação, era real. Quando parou de esmurrar a cabeça, ouviu um grande barulho como de cachoeiras, ele olhou para a água e viu emergir delas o Ghost Of The Navigators, o Fantasma dos Navegadores. Em seu mastro principal estavam enforcados os corpos dos traidores em exposição e conforme ele foi subindo para a superfície, os esqueletos de seus tripulantes foram aparecendo, uns segurando nos mastros e outros pulando para o convés que ainda estava submerso. Por fim o navio subiu para a superfície completamente, dele escorriam as águas que haviam se acumulado em seu interior. Os esqueletos trabalhavam erguendo as âncoras e preparando as velas para partirem. Brooks não acreditava no que via e se arrependeu profundamente de ter amaldiçoado Irving. De repente, um esqueleto no convés jogou uma corda e gritou para os três que estavam na praia "Venham bastardos! Vamos partir!". Os três seres saíram correndo, um deles ainda calçando as botas enquanto corria, outro terminando de vestir as calças e um tropeçou na areia e caiu de cara no chão, mas levantou-se rapidamente e alcançou seus companheiros – isso lhes deu um ar cômico –. Eles subiram a bordo do navio que já começava apontar sua proa para o mar e a iniciar a partida.
Quando o navio estava a uma distância da praia, apareceu na popa o capitão Irving, transformado agora em esqueleto como sua tripulação. Ele subiu na amurada da proa, segurou-se no cordame com uma das mãos e com a outra tirou o pedaço de madeira que lhe transpassara na barriga, ele jogou a ripa no mar, gritou "Obrigado, almirante Brooks pela dádiva da imortalidade!" e deu uma gargalhada que ecoou longe, palavras as quais o almirante reagiu com choro de arrependimento e um grito de angústia por estar sozinho agora numa ilha deserta.
Há relatos da aparição do Ghost Of The Navigators em sua forma transformada, mas não se sabe se são verídicos ou se não passam de brincadeira de mal gosto de pessoas querendo assustar os marujos mais novos e as crianças. Esta é a lenda do Fantasma dos Navegadores.
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o Fantasma dos Navegadores
Ficción históricaAs aventuras de uma tripulação que pensa muito além do ouro, do rum e das mulheres. Você aguenta a salgada brisa marítima? O balanço do navio sobre as ondas? Aguenta ficar dias e até meses sem ver a terra? Então embarque nessa história cheia de con...