O novo poder

87 6 15
                                    

Meg apagou o cara assim que o viu. Eu não sei como. Eu só sei que o coração dele não batia mais. E sei que foi um segundo depois dela usar aquele olhar ameaçador. Rad e Mike, um de cada lado, um passo atrás dela; eu, do outro lado da calçada, observando; o grandalhão na minha frente, me puxando pela corda. Depois disso, silêncio. E então o ajudante do ajudante cai, e eu me transformo numa garota livre, e em seguida, numa garota com habilidades que mal sei como nomear.

— Funcionou — Meg diz, se aproximando de mim e do cadáver.

Eu me ajoelho, sem muita intenção de fazê-lo. Apenas porque a dor de cabeça não me deixa ficar em pé. E logo, logo, os flashes começam. Muita coisa. Muitos nomes. Muitas pessoas. Muitas informações. E a minha mente é puro caos.

— Você precisa ajudá-la. Ela não vai suportar sozinha — ouço isso. Acho que a voz é de Mike.

— Parece doer. Era para ser assim? — Rad. Inconfundivelmente.

Eu gemo e chacoalho os meus braços, tentando me livrar das cordas. As cordas desatam. E então levo as mãos à cabeça e sinto mais dor que há um segundo, e sempre mais.

"Quarto 103".

"Cabelos longos e negros".

"Haverá uma boa recompensa".

Essas são algumas das frases que eu ouço. É como se eu recebesse arquivos, mas não pudesse usá-los. Nada de apagar, mover, repetir, escolher, ampliar, filtrar. Apenas receber. E tudo que eu queria era que isso parasse. E tudo que eu sinto é que é demais para mim.

— Eu não sei como deveria ser. E acho que eu não posso interferir. A interferência pode atrapalhar — Meg falou. E dessa vez, pela primeira vez, o seu tom parecia preocupado.

Eu não sabia quanto tempo havia se passado desde que essa estranha transferência de informações começou. Mas para mim, parecia horas. E em algum momento entre uma nova lembrança e outra, eu precisava decidir respirar.

Uma luz se acende bem na minha frente, a luz mais forte que já vi. Forte o suficiente para me fazer fechar os olhos e tombar no asfalto. Depois da luz, tudo.

É difícil saber o que aconteceu. Mas o que eu consigo dizer é que está tudo aqui dentro. Toda a vida do homem morto ao meu lado está aqui, na minha cabeça. Cada passo, cada ação, cada escolha, cada sentimento, cada ser humano, cada tudo, está bem aqui. Tão claro quanto uma lembrança forte e recente.

O grandalhão chama-se Roberto. Teve duas filhas e um cão que foi sacrificado quando Roberto tinha oito anos. Sua esposa, Elizabeth, o deixou após a traição. As filhas foram morar com ela em Atlanta e as três morreram, sabe Deus como. Mas isso não importa. O que importa mesmo é que Roberto fez contato com César, e César deu as informações para que me levassem.

Há algo que não entendo. Se eu sou importante para eles, porque enviar alguém tão inferior na seleção? Não mereço um pouco de respeito?

— Informações — Meg respondeu. — Se eles mandarem alguém do alto escalão, correm o risco de liberar as informações que precisamos para acabar com eles.

Faz todo sentido. Informação é exatamente o que eu tenho. Informação demais, aliás.

O que eu sabia sobre Roberto era mais do que eu sabia sobre mim mesma. E isso me dava a terrível sensação de não me pertencer. Como se por quase um segundo, eu fosse Emily e Roberto.

Abri os olhos e encarei o céu, escuro e estrelado. O céu era uma das coisas que eu gostava de ver depois do H6N3. Porque ele permanecia igual. O universo, afinal, não se importa muito com a extinção da raça humana no planeta terra. Os carinhas do espaço devem pensar, "olha lá, os humanos se destruindo" e alguém deve dizer: "humanos? O que é isso?" e vão responder: "Humanos são as pessoas que moram na bolinha azul da via láctea. Aquele planeta que tinha Michael Jackson, Beyonce, Guerras Mundiais".

Tudo estava se aquietando dentro de mim. Passei a respirar profundamente.

— Você está bem? — Rad perguntou, se ajoelhando.

— Estou — respondi, sem olhar para ele.

— O que descobriu? — Mike perguntou.

Acho que nada útil. Mas a resposta era tudo. Eu sabia tudo que havia se passado na vida de Roberto. Sabia tudo que ele sabia sobre o chefe e sobre a seleção.

— Não sei — sentei. — Eu quero esquecer o que eu sei. Não quero todas essas tralhas na minha cabeça. Por que isso aconteceu?

— Não é bem assim. Não dá para apertar um botão e apagar as memórias. O seu cérebro ajeitará as coisas. Ele escolherá o que for importante, e o resto vai desaparecer com o tempo.

— Por que isso aconteceu? — perguntei, mais incisiva que antes.

Meg e Mike se entreolharam.

— Eles não sabem — Rad respondeu, surpreso.

— Vai acontecer de novo? — perguntei.

— Não temos certeza. Talvez sim. — Mike disse.

A coisa com as informações na minha mente era os danos que elas poderiam me causar. Eu sinto como se tivesse vivido todas as coisas que ele viveu, porque conheço cada sentimento que ele sentiu em cada memória. Receber tudo aquilo é como assistir trezentos filmes ao mesmo tempo e conseguir prestar atenção em todos eles. De um jeito ou de outro, ainda fico sobrecarregada. E a pior parte, tenho certeza, é entender o ponto de vista dele. O ponto de vista do vilão. O ponto de vista do lado contrário. Não sei, mas tenho medo que isso possa me converter, e quem sabe, me fazer trocar de lado.

E a palavra "eu" já não me parece uma coisa tão precisa quanto à uma hora atrás...

H6N3Onde histórias criam vida. Descubra agora