Will era jovem demais para morrer. Meg era jovem demais para matar pessoas. Nada nesse mundo estava correto e saber disso me tornava o ponto fora da curva. Sim, porque quando o mundo não faz sentido e só você enxerga isso, é você quem não faz sentido. É você que não se encaixa, é você que não é normal. Era assim antes do H6N3, continua sendo agora e sempre será.
Fui para cima de Mike com toda a brutalidade que eu era capaz de gerenciar com meus finos bracinhos de escoteira. Punhos cerrados e socos no peito, barriga e queixo. Embora tentar alcançar o rosto dele me fizesse parecer ridícula.
— Você não podia matá-lo, — vociferei — ele era um cara legal. Ele tinha uma irmãzinha, você sabia? Eles se amavam, ele a perdeu. Você não podia matá-lo. Por que fez isso? Você sabia quem ele era, não sabia? — Mike não reagiu, não respondeu e não se moveu. — Você matou um adolescente, você é um monstro, um monstro — o silêncio fazia eu me sentir patética.
— Ele não o matou, eu o matei — Meg disse, como o fiel cão de caça defendendo seu precioso dono.
Olhei para ela. Não foi um olhar raivoso, ou julgador. Foi o olhar cauteloso de quem precisava saber se havia uma gota sequer de Meg dentro dessa casca com a aparência de Meg.
Eu queria dizer que sim. Queria acreditar que sim. Queria ter esperanças de que a mutação não a matou. Mas não podia. Meg se fora. Mike nunca existiu. E eu não passava de uma coisa alheia a todas as outras.
Mas ainda havia coisas a fazer.
Coisa número um: encontrar o meu pai vivo ou morto e descobrir a verdade.
Coisa número dois: vingar a morte de Will.
— Segure — Mike disse, olhando para Meg.
Ele não havia dado nada para ela segurar. Foi só três segundos depois, quanto senti meus pés presos ao chão a as minhas mãos presas no ar que entendi que era eu a coisa a ser segurada.
— O que estão fazendo? — Rad perguntou antes de mim, enquanto eu chacoalhava os ombros tentando me soltar.
— Quem você é? — Mike me perguntou.
Fiquei em silêncio.
— Ouça a minha voz. Se concentre no som da minha voz. Quando eu contar até três, você só dirá a verdade.
Eu não conseguia evitar, precisava obedecer.
— Um... dois... — lutei mais um pouco com as correntes que eu não podia ver, não podia ficar parada esperando o três. E não sabia lidar com a situação.
Eu sentia que algo gigantesco havia mudado. A minha respiração, o meu ritmo cardíaco, a minha visão, milhões de vezes melhor. Também sentia todo o cheiro da vizinhança num raio de cem quilômetros, os meus braços estavam brancos e eu estava menor. Nada parecia igual desde que a garotinha de cabelo curto me apagou. O impulso me fez tentar olhar para trás, e com algum esforço pude ver uma cabeça com o número doze tatuado. Eu era o número doze. Eu estava no chão. Eu estava morto.
— Chega! — Chris disse, empurrando Michael para trás. A garotinha foi atingida em seguida com um belo e rápido golpe de judô. Num segundo ela estava no chão, no outro, eu estava solto. Chris me levou correndo para longe da casa. Quando parou, eu mal podia sentir o cheiro da menina ou de Michael.
O coração de Chris estava acelerado. Não tanto quanto a primeira vez que o vi. Ele estava no seu penúltimo teste para se infiltrar na equipe de Michael. O mesmo teste que eu havia reprovado. O teste de controle mental. É muito difícil não pensar como um infiltrado. É preciso, na maior parte do tempo, esquecer que é um.
— Will, é você? — ele me perguntou. As coisas pareciam distantes. A voz, a paisagem. A perfeita sensação de estar vivendo dentro de uma caixa. — Will... — era quase como um sussurro.
— Rad? — eu disse. — Onde estamos? O que aconteceu? — eu me sentia zonza. Como se estivesse acordando de um desmaio.
— Eu não sei — ele disse, atônico — deve ter sido demais pra você receber o número 12, o tal de Will, e aí você começou a gritar, então a sua irmã e Mike tentaram entrar na sua cabeça e você desmaiou. Eu achei melhor fugir com você. Se quiser voltar, pode voltar. Mas eu não volto. Mike não é mais o mesmo, Emi. Ele fez sua irmã matar um garoto. Ele deveria ter a nossa idade. Eles estão loucos.
Ele tinha razão. Eles estavam loucos.
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H6N3
Fantascienza"Epidemias são sempre uma droga, mas antes fosse a peste bubônica, a varíola ou a malária. Não que essas tenham sido gentis, mas sobrevivemos. Eu não diria que sobrevivemos ao que chamamos de A Epidemia, para os mais cultos, H6N3. Até onde eu sei, s...