Hospital

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Por mais de um minuto eu não reagi, embora o impulso dentro de mim tenha realmente lutado para me convencer a ajudar A Coisa. Mas não reagi porque tive medo. Medo de me aproximar e ser atacada pelas garras sujas e afiadas, afinal, ela estava baleada, na posição dela, atacar é o último ato plausível.

Durante o minuto em choque, também pensei que eu estava a julgando como um animal. Sim, atacar seria a reação de um animal. Mas aquilo não podia ser um animal. Aquilo fez parte de uma equipe, aquilo merecia cuidados e também merecia ser chamado por um nome. Nada de A Coisa, Aquilo, Fera ou qualquer oposto de humanidade.

Mantendo contato visual, falei com ela.

— Eu vou te ajudar. Mantenha a calma, ok? — pronunciei, enquanto me desarmava de tudo, inclusive do canivete no coturno.

A respiração ruidosa soou da mesma forma. Dolorosamente.

— O que você vai fazer? — Rad, cauteloso, perguntou. Naquele exato momento a voz dele era tudo que eu não precisava ouvir.

Seu corpo protegido por um dos carros parados no meio da estrada. Seus braços e cabeça aparecendo. Sua mira nela.

— Qual o seu nome? — inquiri, andando para perto. Ela precisava da mão para responder, e o furo da bala precisava da mão para estancar o máximo de sangue possível. Eu entendi que havia prioridades e não fiquei chateada com a falta de resposta.

Tirei o casaco da minha cintura e parei a um metro dela. Não precisava olhar para Rad para saber da sua confusão, mas eu não tinha tempo para elucidações, e ele também não merecia.

Ajoelhei na sua frente e dava para sentir o bafo quente no rosto, me deixando mais e mais nervosa.

Amarrei o casaco em volta do tronco peludo para conter o sangramento tanto no buraco de entrada quanto no de saída do projétil idiota da pistola idiota do cara idiota que atirou. Ouvi em algum filme que a saída da bala era um bom sinal. Eu só não sabia como isso me ajudaria naquela hora.

— Deita — pedi, tocando o seu ombro. Os seus olhos eram fascinantes. Ela deitou.

Com a mão livre e sangrenta ela gesticulou "hospital".

Os hospitais eram os piores lugares para ir depois do H6N3. Eu nunca entrei em um, mas ouvi boatos de que existem alas de quarentena com os primeiros infectados ainda presos. E que o fedor é um milhão de vezes pior que o das ruas. E ouvi também que há centenas de corpos empilhados nas saídas. Corpos de gente que queria fugir e foi impedida por gente que achou que salvaria a humanidade do vírus. Se algum dia os hospitais representaram a vida, a cura ou o salvamento, hoje só representavam a morte, o caos e a putrefação.

Eu me sentia em dívida, mas não sei se o suficiente para encarar o terror dos hospitais. Além disso, eu não era médica. Então é óbvio que eu não saberia curar um ferimento à bala numa região como essa. Ainda mais se considerarmos que não conheço nem a espécie deitada na minha frente, o que dirá sua anatomia. Tudo que sei foi o que li num livro de primeiros socorros que achei na prateleira da minha mãe. E nunca descobri porque ela guardava tantos livros estranhos. Minha mãe não lia ficção, mas lia tudo fora dela. Chamava de "conhecimento útil" e quase insinuava que a minha coleção do Stephen King era inútil.

Como eu diria de forma gentil a alguém ferido que não tentaria salvar sua vida?

— Eu não sei como te ajudar, não sou uma cirurgiã, mal conseguia cortar meu próprio bife no almoço. Acho que não posso te salvar. Eu juro que não quero que você morra, mas não sei o que fazer.

— Eu acho que sei — Rad disse, finalmente abaixando a arma e saindo de trás do seu incrível escudo com rodas.

Ela olhou para Rad. No seu olhar havia um misto de ameaça e medo.

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