Acampamento X

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Sono. Devo admitir que a minha mente era uma avalanche de confusão, adrenalina e medo. E ainda assim, restava um espaço todo dedicado para o sono. Eu dormiria em pé a qualquer segundo se tivesse essa habilidade tão especial. Mas como eu não tinha, precisei me despedir dos meus novos - velhos amigos e descansar um pouco na minha cama antes de partir para o acampamento X.

Mais tarde eu explico o lance com o acampamento X. Agora preciso relatar a minha chegada ao meu confortável quarto de hotel.

Saí do hospital carregando apenas o meu fuzil. O sol se pondo enquanto eu descia a Rua Cherry, passando entre os carros. Caminhei mais do que eu achei que aguentaria dado o cansaço, a fome e o sono. Cheguei, e senti o mesmo alívio que a rainha mãe de King's Landing deve ter sentido ao chegar no Red Keep depois de uma certa caminhada. O meu único e maior desejo era deitar na cama e relaxar cada músculo enquanto esquecia o que a minha vida havia se tornado. Mas não pude fazê-lo. Não pude fazê-lo por que no meu quarto, na minha cama, havia um homem grandalhão segurando um taco de beisebol e comendo as minhas últimas batatas fritas.

O homem, cuja aparência violenta quase me paralisou, devia ter seus trinta anos. Ele tinha o cabelo loiro e ralo, e seu corpo era roliço. Mas não era gordo, apenas largo demais.

Eu deveria ter atirado primeiro e perguntado depois. Mas era do meu lençol que estávamos falando e ninguém sabe o quão difícil é tirar sangue de um pano branco manualmente. Mas se caso eu atirasse, ninguém poderia me julgar, afinal, invasão domiciliar ainda é crime perante as minhas leis.

— Obrigado por não atirar, — o homem com a voz mais grave que eu já havia ouvido falou — eu sei que a primeira vista eu sou ameaçador.

— Quem você é? — perguntei. — Não diga o seu nome, a sua...

— Eu sou... — largou o saco de batatas e sentou na cama. — Sou só um ajudante de um ajudante de um ajudante de vários outros ajudantes do Chefe.

— Que chefe? — perguntei, não controlando a minha curiosidade.

— O chefe, garota. O dono de Washington.

— O presidente morreu de febre, todos sabem disso — o meu fuzil parecia sacudir na minha mão. Mas, embora seja difícil admitir, era a minha mão que estava sacudindo o fuzil.

— Você me ouviu dizer presidente? — ele fez um olhar de desentendido, como se eu fosse uma maluca falando besteira.

— Não, eu só... — atira, Emily. — O que você quer? — perguntei.

— Eu? Eu quero ser um bom funcionário para conseguir subir na seleção e conhecer o chefe cara a cara. E é aí que você entra. Você é o que o chefe quer, e como eu te achei primeiro, eu vou te entregar pessoalmente para ele. Nada pessoal.

Para de se tremer e atira.

Mirei no peito do grandalhão, atirei e olhei para o seu rosto. Inerte. Em seguida, olhei para o que deveria ser um grande furo de bala jorrando sangue, e em vez disso era uma marquinha redonda e acinzentada sem nada parecido com sangue por perto.

Correr. Esse era o meu único pensamento enquanto as minhas pernas contavam a historinha sobre como elas eram fracas, inúteis e rebeldes quando eu mais precisava.

— Eu não quero morrer — murmurei, tentando esconder o meu tom medroso.

— Não vai — ele disse. — Requisitaram você viva. Mas não falaram nada sobre machucados.

Abaixei o fuzil, e senti-o pesando muito no meu ombro. Mas não me importava com o peso do fuzil, só com o fato dele ser a coisa mais confiável que eu tinha depois do H6N3 e de repente ter se tornado um incômodo.

Tudo bem que culpar o fuzil por um cara grande e imune a balas ter entrado no meu quarto de hotel ridiculamente sem armadilhas não me ajudaria. Mas eu só queria poder reclamar.

— Eu vou com você. Não precisa me machucar — eu sempre achei que se algo do tipo acontecesse eu seria tão corajosa que pronunciaria as seguintes palavras: "prefiro morrer a seguir suas ordens". Mas quem eu estava pensando que era? Só quem sabe que no fim conseguirá escapar é tão valente assim. E eu não sabia se conseguiria escapar.

— Antes, precisamos estabelecer algumas regras. Primeiro: suas armas serão minhas armas. Segundo: se tentar fugir, eu arranco as suas unhas, ou coisa pior. Terceiro: você não é a minha companheira de viagem, e sim a minha refém. Então nada de fome, vontade de mijar, sede ou qualquer necessidade que eu não me importo.

Acenei com a cabeça e entreguei o fuzil.

— Isso é tudo — eu disse, sentindo o canivete roçar no meu tornozelo.

— Menina! Five o seu nome, não é? Então, Five, você não me conhece. E sabe o que isso significa? Que não sabe o que eu posso fazer. E se eu souber que está mentindo? Ou ler seus pensamentos? Ou apenas enxergar através desses trapos os seus peitos, sua buceta ou esse canivete no seu coturno?

Entreguei o canivete com a cabeça abaixada. Até onde eu poderia arriscar fugir dele sem perder todas as unhas ou coisa pior?

— Desculpa. Eu não me lembrava do canivete — respondi. Tão convincente que eu mesma acreditei.

— É claro. Não lembrava — ele disse não com a cabeça lentamente. Andou até mim e tirou do casaco o que eu descobri futuramente se tratar de uma corda. Uma corda fina e longa. Daquelas que pinica o pulso sem parar e a cada movimento ganha-se necessariamente um novo arranhão. E o meu maldito tato a fazia parecer ainda mais inconveniente.

Ele deu incontáveis voltas de várias formas no meu pulso. Meus braços para trás e as mãos completamente imobilizadas. Era o fim. Seja lá para onde o desgraçado quisesse me levar, conseguiria.

O que sobrou da corda serviu para ele segurar. Numa mão o taco de beisebol e na outra uma cadela na coleira. Andamos lado a lado pelas ruas mórbidas de Seattle. Havia lua, mas não iluminava o suficiente para que ele pudesse enxergar cada centímetro sombrio e distante entre as casas, os carros ou os bosques. No entanto, os meus olhos podiam enxergar muito mais que o que havia no escuro distante. Meus olhos podiam ver o que havia dentro, através e entre as casas, os carros e os bosques. Finalmente, a visão de raio-x me deu olá.

Tudo que posso dizer é que valeu a pena esperar. Não que tenha sido uma escolha, mas ainda assim, gostei do momento. Propício, essa deve ser a palavra.

E voltamos à coisa do acampamento X. O acampamento X é uma incógnita. Ele não existe até, de fato, existir. Tudo bem, eu consigo fazer melhor que isso. Quando há um encontro muito importante para acontecer, usamos o acampamento X. Quando ninguém pode faltar ao encontro por imprevistos, usamos o acampamento X. Quando nada pode atrapalhar o curso dos nossos planos, usamos o acampamento X. Não é só um lugar. É uma medida de segurança. E definitivamente, fico feliz pela existência do acampamento X.

E o acampamento X é um encontro de mentes. Basta fechar os olhos na hora marcada e Mike nos encontrará. E a partir desse encontro é que se sabe para onde cada um precisa ir. Portanto, eu era o acampamento X. Às dezoito horas eles me acharam. Às dezoito e três Meg usou o seu poder. Às dezoito e quatro o grandalhão estava morto. E às dezoito e seis eu ganhei um novo poder.

H6N3Onde histórias criam vida. Descubra agora