A grande sociedade

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Nem toda relação inter-humana é uma relação social. Quando grupos de homens


se acometem mutuamente em guerras de extermínio total, quando homens lutam


entre si tão impiedosamente como se estivessem destruindo animais e plantas


perniciosos, existe, entre as partes combatentes, recíproco efeito e mútua relação,


mas não sociedade. Sociedade é ação conjunta e cooperação, na qual cada


participante vê o sucesso alheio como um meio de atingir o seu próprio.


As lutas que as tribos e hordas primitivas travavam entre si pelos pontos de água


limpa, pelos locais de caça e pesca, pelas pastagens e pelos despojos, eram


impiedosas guerras de aniquilação. Eram guerras totais. Do mesmo gênero foram


os primeiros encontros, no século XIX, entre os europeus e os aborígenes dos


territórios até então inacessíveis. Mas já na era primitiva, muito antes do tempo


sobre o qual nos ensinam os documentos históricos, outro tipo de procedimento


começou a se desenvolver. As pessoas, mesmo na guerra, preservavam alguns


rudimentos de relações sociais previamente estabelecidos; ao lutar contra povos


com os quais nunca tinham tido qualquer contato, começaram a considerar a ideia


de que entre seres humanos, não obstante a inimizade do momento, seria possível


encontrar, posteriormente, formas de cooperação. As guerras eram empreendidas


para causar dano ao adversário; mas os atos de hostilidade não eram mais cruéis e


impiedosos no pleno sentido dessas expressões. Os beligerantes começaram a


respeitar certos limites que numa luta contra homens - diferentemente de contra


animais - não deveriam ser ultrapassados. Acima do ódio implacável e do frenesi


de destruição e de aniquilação, uma noção social começou a prevalecer. Emergiu a


ideia de que todo adversário devia ser considerado como um parceiro potencial


numa futura cooperação e que este fato não devia ser negligenciado na condução


das operações militares. A guerra deixava de ser considerada como o estado


normal das relações inter-humanas. As pessoas começavam a perceber que a


cooperação pacífica é a melhor maneira de proceder na luta pela sobrevivência.


Podemos mesmo dizer que, quando as pessoas perceberam que é melhor


escravizar os derrotados do que matá-los, os guerreiros, embora ainda lutando,


estavam também pensando na paz que viria em seguida. A escravidão foi, em larga


medida, um passo preliminar no sentido da cooperação.


O reconhecimento de que, mesmo na guerra, nem todo ato deve ser considerado


como permissível, que existem atos de guerra legítimos e outros ilícitos, que


existem leis, isto é, afinidades sociais que estão acima de todas as nações, mesmo daquelas que estão momentaneamente em luta, foi o que finalmente estabeleceu

A ação humana- Ludwig Von MisesOnde histórias criam vida. Descubra agora