A probabilidade de caso não é passível de avaliação numérica. O que é
comumente considerado como tal, quando examinado mais detidamente, mostra
ter uma característica diferente.
Na véspera da eleição presidencial de 1944, alguém poderia dizer:
a) Estou disposto a apostar três dólares contra um que Roosevelt será eleito.
b) Acho que, do total de eleitores, 45 milhões exercerão o seu direito de votar,
dos quais, 25 milhões votarão por Roosevelt.
c) Estimo as chances de Roosevelt em 9 por 1.
d) Tenho certeza de que Roosevelt será eleito.
A afirmativa (d), obviamente, é arbitrária. Esse alguém perguntado, como
testemunha juramentada, se tem tanta certeza da futura vitória de Roosevelt
quanto do derretimento de um bloco de gelo exposto a uma temperatura de 150
graus, certamente responderá não. Retificaria sua afirmativa e diria: “Estou
pessoalmente convencido de que Roosevelt ganhará a eleição. Esta é a minha
opinião. Mas, é claro, não posso ter certeza; apenas posso expressar a minha
compreensão das condições existentes”.
O caso da afirmativa (a) é semelhante. Quem a afirma acredita que tem grandes
chances de ganhar a aposta. A relação 3:1 resulta da interação de dois fatores: a
opinião de que Roosevelt será eleito e a propensão para apostar.
A afirmativa (b) é uma avaliação do resultado da próxima eleição. Sua estimativa
numérica refere-se não a um maior ou menor grau de probabilidade, mas ao
resultado esperado da votação. Tal afirmativa pode ser baseada numa pesquisa
sistemática do tipo Gallup ou simplesmente em estimativas.
A afirmativa (c) é diferente. É uma proposição acerca do resultado esperado,
expresso em termos aritméticos. Certamente não significa que, em dez casos
semelhantes, nove sejam favoráveis a Roosevelt e um desfavorável. Não tem nada
a ver com probabilidade de classe. Então, qual é o seu significado?
É uma expressão metafórica. As metáforas são usadas na linguagem comum
geralmente para identificar, imaginariamente, um objeto abstrato com outro que
pode ser percebido pelos sentidos. Entretanto, esta não é uma característica
necessária da linguagem metafórica, mas simplesmente uma consequência do fato
de que o concreto, normalmente, nos é mais familiar do que o abstrato. As metáforas, por pretenderem explicar algo que é menos conhecido pela comparação
com algo mais conhecido, consistem, na maior parte das vezes, em identificar algo
abstrato com algo concreto, mais conhecido. No nosso caso específico, pretende-se
tornar mais compreensível uma situação complexa, recorrendo a uma analogia com
um ramo da matemática, o cálculo de probabilidade. Certamente, este cálculo
matemático é mais popular do que a análise da natureza epistemológica da
compreensão.
De nada adianta usar a lógica para uma crítica da linguagem metafórica.
Analogias e metáforas são sempre imperfeitas e insatisfatórias do ponto de vista
da lógica. É comum procurar-se um tertium comparationis.85 Nem mesmo a isso se
pode recorrer no caso da nossa metáfora, porque a comparação seria baseada num
conceito que é, em si mesmo, falso no próprio campo do cálculo de probabilidades,
qual seja, a “ilusão do jogador”. Ao afirmar que as chances de Roosevelt são de
9:1, a ideia é a de que Roosevelt está, em relação à próxima eleição, na posição de
alguém que tenha 90% de todos os bilhetes de uma loteria. Está implícito que esta
proporção 9:1 nos diz algo real acerca do resultado do caso específico que estamos
tratando. Não é necessário evidenciar de novo o erro contido nessa ideia.
Não menos inadmissível é recorrer ao cálculo de probabilidade ao lidar com
hipóteses no campo das ciências naturais. As hipóteses são explicações provisórias,
conscientemente baseadas em argumentos logicamente insuficientes. Sobre uma
hipótese, tudo o que se pode perguntar é se contradiz, ou não, tanto o princípio
lógico como fatos testados experimentalmente e considerados verdadeiros.
Contradiz-se, terá que ser rejeitada; se não, poderá ser considerada possível – para
o atual estágio de conhecimento. (A intensidade da convicção pessoal é puramente
subjetiva). No exame de uma hipótese, não são consideradas nem a frequência
provável nem a compreensão histórica.
O termo “hipótese” é uma denominação errônea, quando aplicado a
determinados modos de interpretar eventos históricos. Se um historiador afirma
que, para a queda da dinastia Romanoff, teve especial importância o fato de que a
família real era de origem alemã, não está formulando uma hipótese. Os fatos em
que se baseia são fora de dúvida. Havia, na Rússia, uma animosidade geral contra
os alemães e, como os Romanoff, por duzentos anos, vinham casando-se com
descendentes de famílias alemãs, eram tidos por muitos russos como uma família
germanófila, mesmo por aqueles que acreditavam que o tzar Paulo não era filho de
Pedro III. Não obstante, permanece a questão sobre que relevância teriam tido
esses fatos na série de eventos que culminaram com a queda dessa dinastia. Não
há nenhuma outra forma de elucidar tais problemas, a não ser pela compreensão
histórica.
6. Apostas, jogos de azar e jogos recreativos Aposta é um comprometimento com outra pessoa, através do qual arriscamos
dinheiro ou outros bens, antecipando o resultado de um determinado evento. Sobre
esse resultado, não sabemos mais do que se pode saber pela compreensão. Assim
sendo, podemos apostar no resultado de uma próxima eleição ou de um jogo de
tênis. Também podemos apostar, em relação a uma afirmativa factual, qual a
opinião certa e qual a errada.
Jogo de azar é um comprometimento com outra pessoa, através do qual
arriscamos dinheiro ou outros bens no resultado de um evento. Tudo o que se
conhece é o comportamento da classe a que pertence o evento.
Às vezes, a aposta e o jogo de azar associam-se na mesma operação. O resultado
de uma corrida de cavalos depende tanto da ação humana – da parte do
proprietário, do tratador e do jóquei – como de fatores não humanos – as
qualidades do cavalo. A maior parte dos que arriscam dinheiro no turfe é,
simplesmente, de jogadores. Mas, por conhecer as pessoas envolvidas, os
aficionados do turfe acreditam saber algo mais; na medida em que este fator
influencia sua decisão, são apostadores. Além disso, supõem conhecer os cavalos;
fazem um prognóstico com base no seu conhecimento acerca do comportamento
das diversas classes de cavalos. Nesta medida, são jogadores.
Em outros capítulos trataremos dos métodos que os homens de negócio aplicam
ao lidar com o problema da incerteza do futuro. Por ora, faremos apenas mais uma
observação.
Participar de jogos recreativos pode ser tanto um fim como um meio. É um fim
para aqueles que anseiam pela estimulação e excitação que as vicissitudes do jogo
recreativo lhes proporcionam, ou para aqueles cuja vaidade é favorecida pela
demonstração de habilidade e superioridade, frutos de sua maior destreza e
perícia. É um meio para os profissionais que, vencendo, ganham dinheiro.
Participar de um jogo recreativo pode ser considerado uma ação. Mas não se
deve inverter esta afirmação e considerar qualquer ação um jogo, ou lidar com as
ações como se fosse uma mera recreação. O objetivo imediato, ao participar de um
jogo recreativo, é o de derrotar o parceiro, respeitando as regras estabelecidas. É
um caso especial e peculiar de ação; a maior parte das ações não tem por objetivo
derrotar alguém. Aspiram a uma melhoria das condições de vida. Pode ocorrer que
esta melhoria seja obtida à custa de alguém, mas, certamente, não é sempre
assim. Certamente não é assim, para não dizer menos, no funcionamento normal
de uma sociedade operando segundo princípios da divisão do trabalho.
Numa sociedade regida pelos princípios do mercado livre, não há a menor
analogia entre a participação em jogos e a condução de negócios. O jogador de
cartas ganha dinheiro de seu antagonista servindo-se de habilidades e astúcias. O
empresário ganha dinheiro fornecendo aos consumidores os bens que desejam
adquirir. Pode haver uma analogia entre o jogador de cartas e o blefista. Não há necessidade de aprofundamento neste assunto. Quem considerar a condução de
negócios como trapaça está na pista errada.
O aspecto característico dos jogos é o antagonismo de dois ou mais jogadores ou
grupo de jogadores.86 O aspecto característico dos negócios numa sociedade, isto
é, numa ordem baseada na divisão do trabalho, é a harmonia dos esforços de seus
membros. Quando começam a se antagonizar, caminham para a desintegração
social.
Numa economia de mercado, competição não significa antagonismo, no sentido
com que este termo é aplicado para exprimir a confrontação de interesses
incompatíveis. É verdade que a competição pode, às vezes, ou mesmo
frequentemente, evocar nos competidores aqueles sentimentos de ódio e malícia
que com frequência acompanham o desejo de prejudicar outras pessoas. Por isso,
os psicólogos são propensos a confundir combate e competição. A praxeologia deve
resguardar-se dessas ambiguidades artificiais enganosas. Do ponto de vista
praxeológico, existe uma diferença fundamental entre competição cataláctica e
combate. Os competidores aspiram à excelência e proeminência de suas
realizações dentro de uma ordem de cooperação mútua. A função da competição é
a de atribuir a cada membro de um sistema social aquela posição na qual pode
melhor servir à sociedade como um todo. É uma maneira de selecionar o mais apto
para cada tarefa. Onde existir cooperação social, alguma forma de seleção terá que
ser aplicada. Somente quando a atribuição das várias tarefas aos vários indivíduos
é feita por decisão de um ditador, sem que os indivíduos em questão possam fazer
valer suas virtudes e habilidades, é que não há competição.
Mais adiante, teremos de lidar com a função da competição.87 Por ora, devemos
apenas enfatizar que é errado aplicar a terminologia de extermínio mútuo a
problemas de cooperação mútua como os existentes numa sociedade. As
expressões militares são inadequadas para descrever operações comerciais. Não é
mais do que uma pobre metáfora falar da conquista de um mercado. Não há
conquista quando uma firma oferece produtos melhores e mais baratos. Somente
num sentido metafórico pode-se falar de estratégia em operações comerciais.
7. A predição praxeológica
O conhecimento praxeológico permite predizer com certeza apodítica as
consequências de vários modos de agir. Mas, é claro, tal predição nunca pode
implicar em aspectos quantitativos. Os problemas quantitativos, no campo da ação
humana, só podem ser abordados pela compreensão.
Podemos predizer como veremos mais tarde, que – mantidas constantes as demais condições – uma queda na demanda de a resultará numa queda de preço
de a. Mas não podemos prever a extensão dessa queda. Esta questão só pode ser
resolvida pela compreensão.
A deficiência fundamental implícita em todo enfoque quantitativo dos problemas
econômicos consiste em negligenciar o fato de que não existem relações
constantes entre as chamadas dimensões econômicas. Tampouco existe constância
ou continuidade nas valorações e na formação das relações de troca dos diversos
bens. Cada dado novo provoca um remanejamento de toda a estrutura de preços.
A compreensão, ao tentar perceber o que ocorre na mente das pessoas, pode
abordar o problema de prognosticar situações futuras. Podemos considerar esse
método insatisfatório e os positivistas podem, arrogantemente, desprezá-lo. Mas
tais julgamentos arbitrários não devem e não podem obscurecer o fato de que a
compreensão é o único método apropriado para lidar com a incerteza de situações
futuras.
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A ação humana- Ludwig Von Mises
AléatoireMenos Marx, por favor. Aproveite a leitura, em breve mais bons livros. Os capítulos do livro tem tópicos muito grandes, por isso dei um capítulo à cada um. Só para os capítulos não ficarem muito grandes, com os tópicos inclusos. Notas de rodapé est...