Probabilidade de caso

9 0 0
                                    


Probabilidade de caso significa: conhecemos alguns dos fatores que determinam o
resultado de um evento; mas existem outros fatores que também podem
influenciar o resultado e sobre os quais nada sabemos.
A probabilidade de caso só tem em comum, com a probabilidade de classe, a
deficiência de nosso conhecimento. Em todos os outros aspectos, estas duas
formas de probabilidade são completamente diferentes Frequentemente queremos prever um evento futuro com base no nosso
conhecimento sobre o comportamento da classe a que esse evento pertence. Um
médico pode estimar a chance de cura de um paciente, se ele sabe que 70% das
vítimas da mesma doença se recuperam. Se expressar corretamente este
conhecimento, dirá apenas que a probabilidade de cura é de 0.7, isto é, de cada
dez pacientes, em média, morrem três. Todas as previsões sobre eventos externos,
isto é, eventos no campo das ciências naturais, são deste tipo. Não são previsões
sobre o resultado de casos futuros, mas informações sobre a frequência dos
possíveis resultados. São baseadas ou em informações estatísticas ou
simplesmente numa estimativa aproximada e empírica.
Estes tipos de declaração sobre o que é mais provável não constituem
probabilidade de caso. Na realidade, não sabemos nada acerca do caso em
questão, a não ser que se enquadra numa classe, cujo comportamento conhecemos
ou pensamos que conhecemos.
Imaginemos que um cirurgião diz a um paciente, a quem vai operar, que trinta
em cada cem dos que se submetem a essa operação morrem. Se o paciente
perguntar se o número de mortes já está completo, é porque não entendeu o
sentido da afirmação do médico. Estará incorrendo no erro conhecido como “ilusão
do jogador”, da mesma maneira que o jogador de roleta que confunde
probabilidade de caso com probabilidade de classe ao supor que, após uma série
de dez vermelhos sucessivos, a possibilidade de a próxima bola cair no preto é
maior do que antes. Todos os prognósticos médicos, quando baseados em
conhecimento fisiológico, lidam com probabilidade de classe. Um médico a quem se
perguntam quais as chances de cura de uma determinada doença poderá
responder que são de sete para três. Se, entretanto, o médico examinar o
paciente, poderá ter uma opinião diferente. Se o paciente é jovem e vigoroso, e
tinha boa saúde antes de contrair a doença, o médico pode achar que as chances
de cura são maiores: em vez de 7:3, são, digamos, 9:1. O enfoque lógico continua
o mesmo, embora possa não estar baseado em dados estatísticos, mas num
resumo aproximado da própria experiência anterior do médico com casos
semelhantes. O que o médico sabe é apenas o comportamento de uma classe. No
exemplo acima, é a classe dos jovens e vigorosos atacados pela doença em
questão.
A probabilidade de caso é uma característica específica do nosso enfoque em
relação aos problemas que ocorrem no campo da ação humana, onde qualquer
referência à frequência é inadequada, uma vez que lidamos com eventos que, por
serem únicos, não pertencem a nenhuma classe. Podemos conceber a classe
“eleições presidenciais americanas”. Este conceito de classe pode ser útil ou até
mesmo necessário para vários tipos de considerações, como, por exemplo, para
tratar do assunto sob o ângulo da lei eleitoral. Mas, se estamos lidando com a
eleição de 1944 – seja antes dela, para avaliar seu futuro resultado, seja depois, analisando os fatores que o determinaram —, estamos tratando de um caso
individual, único e que não se repetirá. Cada caso se caracteriza por suas
circunstâncias únicas; é em si mesmo uma classe. Todas as características que
permitiriam enquadrá-lo em alguma classe são irrelevantes para o problema em
questão.
Suponhamos que dois times de futebol, os Azuis e os Amarelos, vão jogar
amanhã. Os Azuis, até agora, sempre ganharam dos Amarelos. Este conhecimento
não é conhecimento sobre uma classe de eventos. Se fosse, teríamos de concluir
que os Azuis são sempre vitoriosos e que os Amarelos são sempre derrotados. Não
teríamos dúvida quanto ao resultado do jogo; teríamos certeza de que os Azuis
ganhariam mais uma vez. O simples fato de considerarmos o resultado do jogo de
amanhã como apenas provável mostra que o consideramos como um evento único
e não como uma classe de eventos.
Por outro lado, em relação à previsão do resultado do jogo de amanhã,
consideramos relevante o fato de os Azuis terem sido sempre vitoriosos. Nosso
prognóstico seria favorável a uma nova vitória dos Azuis. Se fôssemos argumentar
com base no raciocínio apropriado à probabilidade de classe, não atribuiríamos
importância àquele fato. Se, ao contrário, incidíssemos na “ilusão do jogador”,
sustentaríamos que o jogo de amanhã seria ganho pelos Amarelos.
Se arriscássemos alguma quantia na chance de vitória de um dos dois times, isto
seria qualificado como uma aposta. Seria considerado jogo, se tratasse de
probabilidade de classe.
Fora do campo da probabilidade de classe, tudo aquilo compreendido comumente
pelo termo probabilidade refere-se ao modo especial de raciocinar empregado no
exame de eventos históricos singulares e individualizado, ou seja, refere-se à
compreensão de eventos históricos, que é matéria específica das ciências
históricas.
A compreensão se baseia, sempre, em conhecimento incompleto. Podemos
pensar que conhecemos os motivos que impelem os homens a agir, os fins que
pretendem alcançar e os meios que pretendem empregar para a consecução
desses fins. Podemos ter uma opinião precisa em relação aos efeitos a serem
esperados da operação desses fatores. Não obstante, esse conhecimento é
insuficiente. Não podemos deixar de considerar a possibilidade de termos avaliado
mal a sua influência ou de não termos considerado alguns fatores cuja interferência
não preveria ou, pelo menos, não preveríamos na medida certa.
O jogo, a engenharia e a especulação são três maneiras diferentes de lidar com o
futuro.
O jogador não sabe nada sobre o evento do qual depende o resultado de seu
jogo. Tudo o que sabe é a frequência do resultado favorável de uma série desses eventos, conhecimento esse que é inútil para sua aposta. Confia na sorte, que é
sua única forma de planejamento.
A vida em si está exposta a muitos riscos. A qualquer momento sofre a ameaça
de acidentes fatídicos que não podem ser controlados ou, pelo menos, não na
medida necessária. Todo homem confia na sorte; depende da sorte para não ser
atingido por um raio ou mordido por uma cobra. Há, na vida humana, um
componente de risco de jogo. O homem pode atenuar algumas das consequências
desses desastres e acidentes sobre o seu patrimônio, subscrevendo apólices de
seguro. Ao fazê-lo, está como que apostando na chance contrária. Da parte do
segurado, o seguro é um jogo. Os prêmios pagos são gastos em vão, se não ocorre
o sinistro.84 Em relação a eventos naturais incontroláveis, o homem está sempre
na posição do jogador.
O engenheiro, por outro lado, sabe tudo o que precisa para uma solução
tecnicamente satisfatória de seu problema, por exemplo, a construção de uma
máquina. Na medida em que tenha alguma incerteza decorrente de algum
conhecimento imperfeito, procura eliminá-la adotando margens de segurança. O
engenheiro sabe apenas resolver problemas solúveis ou, então, sabe que existem
problemas que não podem ser resolvidos no atual estágio de conhecimento. Às
vezes, descobre pela experiência adversa que o seu conhecimento era menos
completo do que imaginava e que, portanto, deixou de perceber a indeterminação
de algumas questões que supunha poder controlar. Tentará então tornar seu
conhecimento mais completo. Naturalmente, nunca poderá eliminar
completamente o elemento de risco presente na vida humana. Mas, em princípio,
opera sempre numa órbita de certeza. Seu objetivo é ter completo controle dos
elementos com que lida.
É costume, hoje em dia, falar de “engenharia social”. Este termo é, da mesma
forma que planejamento, sinônimo de ditadura e de tirania totalitária. A ideia
implícita nesse conceito é a de que se podem tratar seres humanos da mesma
maneira que o engenheiro manipula os elementos com os quais constrói pontes,
estradas e máquinas. Na construção de sua utopia, o engenheiro social substitui a
vontade das pessoas pela sua própria vontade. A humanidade se dividiria em duas
classes: de um lado, o ditador todo-poderoso e, do outro, os tutelados, que ficam
reduzidos à condição de mero peão de um plano ou engrenagens de uma máquina.
Se isto fosse possível, o engenheiro social não precisaria preocupar-se em
compreender as ações das demais pessoas. Teria ampla liberdade para lidar com
elas, como a tecnologia lida com madeira e ferro.
No mundo real, o agente homem defronta-se com o fato de que seu semelhante
age por conta própria. A necessidade de ajustar suas ações às dos outros faz dele
um especulador, para quem sucesso e fracasso dependem de sua maior ou menor
habilidade em compreender o futuro. Toda ação é uma especulação. No curso da vida humana não há estabilidade e, consequentemente, não há segurança.

A ação humana- Ludwig Von MisesOnde histórias criam vida. Descubra agora