Polilogismo e compreensão

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Alguns defensores dos princípios do marxismo e do racismo interpretam a base
epistemológica de seus partidos de uma maneira peculiar. Admitem que a estrutura
lógica da mente seja a mesma para todas as raças, nações ou classes. O
marxismo, ou o racismo, afirmam seus defensores, nunca pretendeu negar este
fato inegável. O que estas doutrinas queriam dizer é que a compreensão histórica,
a apreciação estética e os juízos de valor dependem dos antecedentes pessoais de
cada um. Esta nova interpretação, na realidade, não encontra apoio no que
escreveram os defensores das doutrinas polilogistas. Não obstante, devemos
analisá-la como se fosse uma doutrina nova e independente.
Não há necessidade de repetir uma vez mais que os julgamentos de valor, assim
como a escolha de objetivos de qualquer pessoa, refletem suas características
físicas e todas as vicissitudes de sua vida.70 Mas, do reconhecimento disto à crença
de que a herança racial ou o fato de pertencer a uma classe social, em última
análise, determinam os julgamentos de valor e a escolha de objetivos, vai uma
grande distância. As notórias diferenças na forma de ver o mundo ou nos padrões
de comportamento de maneira alguma correspondem às diferenças de raça,
nacionalidade ou classe.
Seria difícil imaginar uma maior discrepância quanto a julgamento de valor do
que a existente entre os ascetas e os desejosos de gozar a vida
despreocupadamente. Um abismo separa devotos, monges e freiras do resto da
humanidade. Entretanto, existem pessoas que se dedicam a uma vida monástica
entre todas as raças, nações, classes ou castas. Enquanto alguns descendiam de
reis e de nobres, outros eram simples mendigos. São Francisco e Santa Clara e
seus ardentes seguidores eram todos nascidos na Itália, e não se pode dizer que os
italianos sejam um povo que despreze os prazeres temporais. O puritanismo é de
origem anglo-saxônica, mas também o mesmo se pode dizer da luxúria que existia
nos reinados dos Tudor, dos Stuart e da casa de Hannover. O principal defensor do
ascetismo no século XIX foi o conde Leon Tosltoy, um rico membro da libertina
aristocracia russa. Tolstoy considerava a sonata Kreutzer, de Beethoven, obraprima
de um filho de pais extremamente pobres, como a manifestação mais
importante da filosofia que ele tanto considerava.
O mesmo ocorre com valores estéticos. Todas as raças e nações tiveram períodos
clássicos e românticos. Apesar de todo esforço de propaganda, os marxistas nunca
conseguiram criar uma arte ou literatura especificamente proletária. Os escritores,
pintores e músicos “proletários” não criaram novos estilos nem estabeleceram
novos valores estéticos. O que os caracteriza é tão somente a tendência a
qualificar tudo o que detestam como burguês” e tudo o de que gostam como
“proletário”.
A compreensão histórica, tanto do historiador como do agente homem, reflete a
personalidade do seu autor. 71 Mas, se o historiador e o político estão imbuídos do
desejo de buscar a verdade, não se deixarão iludir por preconceitos partidários, a
não ser que sejam muito ineptos e ineficientes. É irrelevante que um historiador ou
político considerem um determinado fator como benéfico ou prejudicial; não lhes
advirá nenhuma vantagem em exagerar ou depreciar a relevância de um entre os
diversos fatores intervenientes. Somente um pseudo-historiador inepto ainda
acredita que possa servir à sua causa ao distorcer a realidade.
Podemos dizer o mesmo com relação à compreensão do político. Que vantagem
teria um defensor do protestantismo em desprezar o tremendo poder do
catolicismo, ou um liberal em ignorar a relevância dos ideais socialistas? Para ser
bem-sucedido, o político deve ver as coisas como elas realmente são; quem se
apoia em fantasias acaba fracassando. Os julgamentos de relevância diferem dos
julgamentos de valor, porque têm por objetivo avaliar uma situação que não
depende do arbítrio do autor. Cada autor avaliará a relevância de uma situação
segundo sua personalidade, o que impossibilita a existência de unanimidade de
pontos de vista. Então, cabe novamente a pergunta: que vantagem poderia uma
raça ou uma classe obter de uma distorção “ideológica” da realidade?
Como já foram assinaladas, as mais sérias divergências encontradas nos estudos
de história são decorrentes de diferenças no campo das ciências não históricas e
não de diferentes modos de compreensão.
Muitos historiadores e escritores modernos estão imbuídos do dogma marxista,
segundo o qual o advento do socialismo é não só inevitável, como também
extremamente desejável, e as forças trabalhistas foram designadas para a histórica
missão de destruir o sistema capitalista. Partindo dessa premissa, consideram
natural que os partidos de “esquerda”, os eleitos, recorram à violência e ao crime
para atingir seus objetivos. Uma revolução não pode ser feita por meios pacíficos.
Não vale a pena perder tempo com insignificâncias como a chacina das quatro
filhas do último tzar, de Leon Trotsky, de dezenas de milhares de burgueses russos,
e assim por diante. Por que mencionar os ovos quebrados, se todos sabem que não
se pode fazer uma omelete sem quebrar os ovos? Mas, se alguma dessas vítimas
ousa defender-se ou mesmo revidar a agressão, será duramente criticada. São
poucos os que se atrevem a simplesmente mencionar os atos de sabotagem,
destruição e violência praticados por grevistas. Em compensação, são pródigos em
condenar as medidas que as companhias, quando atacadas, adotam para proteger
sua propriedade e a vida de seus empregados e clientes.
Tais discrepâncias não são devidas nem a julgamentos de valor nem a uma
compreensão diferente da realidade. São consequências de teorias contraditórias
sobre a evolução histórica e econômica. Se o advento do socialismo é inevitável e
só pode ser alcançado por métodos revolucionários, os crimes cometidos pelos
“progressistas” são incidentes menores, sem importância. Por outro lado, a
autodefesa e o contra-ataque dos “reacionários”, que possivelmente retardarão a
vitória final do socialismo, são considerados crimes gravíssimos. Enquanto estes
são amplamente destacados, aqueles são considerados meros atos de rotina.

A ação humana- Ludwig Von MisesOnde histórias criam vida. Descubra agora