Capítulo 29 - Pluie (Chuva)

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"O homem de muitos amigos deve mostrar-se amigável, mas há um amigo mais chegado do que um irmão."

Provérbios 18:24

- Tudo começou em um orfanato

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- Tudo começou em um orfanato... - Ele disse e continuou falando, mas meu coração estava acelerado e as palavras se repetiam dolorosamente em minha mente. Como ele sabia? Será que Laranjinha havia dito alguma coisa para ele? É impossível que ele tenha realmente sonhado com algo assim...

Certo?

- Espera. -Interrompo, ainda assustada por suas palavras.

- O que foi? -Ele franze a testa de um jeito engraçado.

- Você realmente sonhou com um orfanato? 

- Sim, por quê? Achou que eu tivesse sonhado com o nosso casamento? -Jeremias sorri.

Na verdade, chegou bem perto disso...

- Não, claro que não... -Rio nervosamente. - Mas então, você pode começar a contar o sonho de novo? Do começo, por favor.

- Tudo bem. Tente prestar atenção dessa vez. -Ele resmunga e eu bufo irritada. Esse cara está passando dos limites. - Tudo começou em um orfanato aqui da cidade. Eu pesquisei na internet e ele realmente existe. Não fica muito longe da sua casa e se chama Hope. Significa esperança em inglês...

Um bolo começa a se formar na minha garganta e eu estou apavorada, de verdade, mas tento disfarçar da melhor forma que posso.

- ... Assim que entrei, vi várias crianças. Todas estavam chorando e o som era tão forte que eu chegava a por as mãos sobre as orelhas. Uma porta estava aberta e dela saía uma luz muito forte. Eu me senti sendo atraído até lá. Quando olhei para dentro, vi você brincando e rindo com uma criança. Vocês brilhavam tanto que eu não conseguia encarar por muito tempo e, quando virei o rosto, no canto do quarto, vi um anjo de asas brancas. Ele segurava uma espada, como se estivesse se preparando para lutar. -A essa altura, eu já tremia muito. - E foi assim que o sonho terminou.

Eu estava lutando contra as lágrimas agora. 

- Você está bem? -Agora esse idiota está preocupado.

- Estou. -Murmuro. - A criança que estava comigo, era uma menina?

- Sim... Espera, como você sabe disso? -Jeremias estava claramente surpreso. 

- Sabendo. -Digo simplesmente. Não poderia contar para ele, não agora. - Mas será que nós podemos... Ir até lá?

- É claro. -Ele diz hesitante. - Era sobre isso que eu queria conversar com você, caso decidisse ir. Eu já pedi a permissão dos seus pais e eles disseram que tudo bem.

Franzo a testa, pensativa. Eles me deram permissão para ir?

- Tem certeza que está bem? -Jeremias insiste e, por fim, decido encará-lo. Seus olhos refletiam sua genuína preocupação. Por um breve momento, eu quis contar tudo. Mas não podia. Eu mal o conhecia, como podia confiar nele?

- Tenho. -Tento parecer firme. - Podemos ir?

- Agora? 

- Por quê? Quer trocar de roupa? Pode pegar alguma emprestada com meu pai. -Dou uma piscadinha. A cara que ele fez é impagável.

- Estou bem. -Ele resmunga. - Mas você não vai almoçar? -Mal ele termina de dizer e já sinto minha barriga roncar.

- Vou. Você se incomoda de me esperar? -Digo com um sorriso amarelo.

- Não. Até porque... Vou almoçar com você. -E, como se não tivesse dito nada de mais, o idiota devolve o sorriso.

O QUÊ??!!

♡♡♡  

É claro que eu tentei implorar para os meus pais. Fiz até a carinha do gato de botas do Shrek. Mas, não, eles não podiam deixar um convidado especial passando fome. Foi o que me disseram e eu tive que ceder. Eu queria questionar a decisão deles sobre me deixarem ir ao orfanato sem mais nem menos, mas não consegui. Parecia que eles estavam me evitando de propósito.

Prefiro nem comentar sobre a catástrofe que foi o almoço. Para mim, é claro. Porque meus pais pareceram ter adotado o indivíduo como o irmão mais velho que eu nunca tive. Enquanto ele ficava lá, sorrindo, como se nada de mais estivesse acontecendo. Como se eu não estivesse sendo deixada de lado. 

Já do lado de fora de casa, eu continuava emburrada até perceber que... Espera aí, aonde está o carro?

- Jeremias. -Chamo, tentando não parecer tão irritada.

- Sim. -Ele responde como quem não quer nada e continua andando.

- Aonde está o car... A Gertrudes? -Pergunto e só então movimento a cadeira de rodas.

- Está na oficina. Sabe, consertar uma janela quebrada não é nada barato. -Percebo um leve tom de ironia em sua voz, mas decido não discutir, já que, lá no fundo, ele está certo. Fui eu quem quebrei a janela e era ele quem estava pagando.

O resto do caminho foi feito em silêncio. Não o tipo de silêncio constrangedor, mas o tipo que incomoda, como se os dois tivessem algo para falar, mas estivessem evitando por algum motivo.

- Chegamos. -Ele disse de repente, quase me fazendo cair com o susto.

- Ah. -Murmuro ao observar o prédio antigo e desgastado. Não é o que eu estava esperando. A pintura, que parece já ter sido marrom um dia, está desbotada. As janelas rangem com o passar do vento e dá para ouvir os gritos das crianças, vindos lá de dentro. Eu não quero entrar lá. Não vejo uma rampa de acesso daqui... E duvido muito que tenha algum elevador.

Já estou me virando para ir embora, quando sinto uma mão pousar em meu ombro.

- Geneviève... Olha, eu também não queria estar aqui. Não sei se o sonho que eu tive é realmente uma mensagem de Deus ou não. A única coisa que eu sei é que... Só vamos descobrir a verdade se entrarmos lá... -Suspiro. Ele está certo. -... E eu não quero fazer isso sozinho. -Ele sussurra e eu ergo os olhos, a ponto de ver o mesmo medo que eu senti, refletido em seu olhar.

- Tudo bem. -Resmungo e ele sorri.  Não gosto quando ele sorri assim, porque me faz sentir estranhamente... Bem.

Jeremias toca a campainha e, juntos, esperamos pelo o que quer que fosse acontecer. 

Uma senhora abre a porta e nos saúda com um sorriso gentil. Alguns segundos depois, uma criança aparece em nosso campo de visão e sorri para mim. Tento retribuir o sorriso, mas não consigo, porque estou paralisada. 

- Boa tarde. Estamos muito felizes em recebê-los. Eu sou Lucinda, mas podem me chamar de Lucy e essa é... 

- Chuva, eu sou a Chuva. -A menina diz, com um sorriso enorme e cheio de janelas onde deveriam haver dentes, o que automaticamente me faz sorrir também.

- É um nome bonito, você que escolheu? -Pergunto baixinho, mas ela escuta e eu me arrependo no instante em que vejo seu sorriso desaparecer.

- Sim. Escolhi esse nome, porque dizem que minha mamãe me abandonou em um dia de chuva. Assim eu nunca vou me esquecer dela. -Ela diz séria, mas não são suas palavras que me assustam, e sim sua expressão. Eu a reconheceria em qualquer lugar. É a mesma que eu faço quando preciso contar uma coisa muito ruim para uma pessoa sem desabar.

"É ela", meu coração diz e, apesar de ser improvável, eu sei que é verdade. A pessoa que eu mais me esforcei para esquecer estava bem diante dos meus olhos.

E essa pessoa... É a minha filha.

Propósito DivinoOnde histórias criam vida. Descubra agora