Propósito Divino

Capítulo 32 - Angle mort (Ponto cego)

"Porque todo aquele que segue a Cristo precisa passar pelo deserto."

Isabelle

- E também... -Sinto meu coração acelerar com a súbita mudança de atmosfera e a intensidade no olhar da minha mãe -... Foi por causa dele que reencontramos sua filha.

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Após duas horas de conversa que mais pareceram anos, um culto em que, no final das contas, acabei por fugir de todos (na medida do possível com uma cadeira de rodas), uma parada no drive thru do Mc Donald's e a volta para casa, finalmente estou no meu quarto, deitada na minha cama.

Quando eu era criança, vivia pedindo aos meus pais para comprarem aquelas estrelinhas que brilham no escuro para colar no teto do meu quarto. É engraçado como agora, apesar de jovem, continuo sentindo falta disso. Havia deixado as que comprei, no meu apartamento, em Annecy. Faz tanto tempo que não paro para pensar naquele lugar... O chefe Enzo deve estar se virando muito bem sem mim... Suspiro. Logo um mês terá se passado e eu irei voltar... Será que ele vai me aceitar de volta? Parece tão estranho pensar nisso agora. Gostaria de levar meus pais comigo e também... a Hope. Eles disseram tê-la reencontrado pouco depois de adotarem Jeremias. Eles sempre visitavam o orfanato juntos aos sábados, para auxiliar com doações de roupas e mantimentos, além de tentarem manter uma conversa curta e encorajadora com algumas crianças.

Mas... Havia sempre uma menina que ficava trancada no quarto no horário de visitas. Um dia meus pais foram tentar conversar com ela e... Bom, foi uma surpresa. Os dois tentaram não criar muitas expectativas, indo conversar com a Lucy antes para retirarem suas dúvidas. Então, perceberam que não só a aparência batia, como também a data em que Hope fora deixada na casa de Elizabeth e sua suposta idade atual. Digo suposta, uma vez que Hope se recusa a dizer o dia do seu aniversário a qualquer pessoa e só a sua antiga mentora sabia, mas isso foi algo que não precisou ser dito. Meus pais tinham a certeza de terem encontrado a sua neta perdida.

Juliana e Mauro contaram, ainda, que Deus deu o mesmo sonho para os dois no dia em que decidiram adotar Hope. Eu apareci com malas de viagem, segurando as mãos da minha filha e de um homem que eles não reconheceram. Poderia ser Benjamin?

Cansada de pensar e não chegar a uma conclusão, resolvo falar com Deus sobre o que me incomodou o dia inteiro.

- Pai... Eu estou tão arrependida. Eu sei, não deveria ter mentido de novo, eu sinto muito por ter errado. Por favor, me perdoe e me ajude a contar a verdade para a Sophia amanhã. É o que lhe peço em nome de Jesus, amém. -Sussurro.

Tão logo termino minha oração, sou tomada pelo sono.

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Acordo suando e gritando, assustada. Tive o mesmo sonho novamente. Aquele em que havia um anjo branco e um anjo negro. É a terceira vez, o que está acontecendo comigo? Tremo de pavor.

- Geneviève, está tudo bem? -Minha mãe aparece na porta, com a testa franzida em preocupação.

Assinto com a cabeça, mas isso não pareceu confiável nem para mim.

- Eu sei que não está. -Pelo visto, para ela também não.

Suspiro e faço um sinal para que Juliana se sente na minha cama. Sei que não adianta tentar esconder as coisas dela. Ela sempre acaba descobrindo, por bem ou por mal.

- É um pesadelo... Ou um sonho, não sei como definir isso, mas... É a terceira vez que o tenho, por três noites seguidas. -Minha voz sai trêmula. - Eu estou com medo, mãe. -Confesso.

Mamãe me observa, pensativa. Ela não parecia surpresa como achei que estaria.

- Sonhos são complicados para nós. -Ela diz, por fim. - Nossos sonhos podem ser reflexos dos nossos medos, mas também das nossas vontades. Por outro lado, também podem se apresentar como tentações do próprio adversário, da mesma forma em que podem ser, também, sonhos proféticos, os quais são concedidos por Deus, com determinada finalidade ou propósito.

- Nossa. -Não escondo a surpresa. - Onde você aprendeu tudo isso?

- Na EBD*. -Ela pisca para mim e eu rio. Minha mãe tem um senso de humor incrível. - Mas falaremos mais sobre isso depois. Agora vamos levantando, mocinha. Vou te ajudar com o banho hoje, porque a senhorita está em cima da hora para a sua fisioterapia... E você sabe muito bem que não vou te deixar sair dessa casa sem ter tomado um café caprichado.

Sorrio. Como aguentei ficar tanto tempo longe dela?

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O café da manhã foi bastante agradável. Rimos e conversamos como se nunca tivéssemos ficado separados. Como se não houvesse barreiras entre nós. Como se fôssemos família. Porque é isso o que somos agora.

Minha mãe foi quem me levou para a fisioterapia. Nós não fomos de carro, já que me sinto desconfortável. Sempre que houver a opção "cadeira de rodas" no lugar de "automóvel" eu irei escolher a primeira. Eu perdi quase toda a minha estabilidade junto com as minhas pernas. Então, o cinto de segurança não me prende direito e eu morro de medo das freiadas bruscas que minha mãe dá. Não tenho muita escolha, já que papai não dirige.

Chegamos à clínica. Meu coração está batendo tão forte que consigo ouvi-lo nitidamente.

- Tudo bem se eu te deixar aqui ou quer que eu vá no elevador junto com você? -Juliana pergunta.

Suspiro. Queria é ir embora daqui o mais rápido possível. A verdade é que, se minha mãe for comigo até o segundo andar, irei perder a coragem para contar a verdade. Preciso me preparar psicologicamente.

- Não, mãe. Está tudo bem, a senhora pode ir embora. -Respondo.

Juliana assente, me dá um rápido beijo na testa e se vira para sair. Movo o joystick da minha cadeira de rodas motorizada e passo pela recepcionista mal educada sem lhe dirigir o olhar. Aperto o botão de subir e espero pacientemente pelo elevador. As portas se abrem e... Eu fico de boca aberta.

- Be-Benjamin? -Murmuro assustada, ao mesmo tempo em que percebo seus dedos entrelaçados com os de Sophia. Ela aparenta estar mais surpresa do que eu.

Em um impulso de coragem que eu não tenho a menor ideia de onde veio, respiro fundo e encaro a minha fisioterapeuta.

- Precisamos conversar. -É o que consigo dizer, ignorando, com dificuldade, a total falta de reação de Benjamin.

Por hora.

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Vocabulário:

*EBD: Escola Bíblica Dominical.

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Não disse que o Benjamin iria voltar? Hahaha. Um capítulo mais curto para prepará-los psicologicamente para o próximo...