quatro

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Quando o avião finalmente pousou, soltei o ar que estava preso nos pulmões. Não importava quantas vezes voasse, eu nunca me acostumaria.

Levantei da minha poltrona extremamente confortável e me dirigi até a sala de desembarque com minha mala de rodinhas. Meus olhos encontraram com os de meu pai e apressei o passo para poder abraçá-lo. Havia quase um ano que não ia para a casa, na Carolina do Sul e eu realmente sentia falta da minha família.
Do meu pai, principalmente.

Me desvencilhei do abraço apertado e sorri para mamãe que não transmitia emoção alguma ao me ver. Fomos andando até o estacionamento  ao mesmo tempo em que eu falava com Charles sobre a faculdade, trabalho e a vida em Nova Iorque.

Entramos no carro e Mary permaneceu em silêncio pelo resto do caminho.

Ela soube pelas revistas que eu e Simon não éramos mais um casal e não ficou nem um pouco feliz com isso. Fez questão de me ligar para me insultar e dizer o quanto eu era ingrata.
No fundo, tudo isso me deixava triste. Ela era minha mãe, deveria me apoiar e ficar do meu lado. Que tipo de mãe briga com a filha por ela terminar o namoro com um agressor?
As palavras de Mary me machucavam quase tanto os tapas de Simon.

Papai pediu desculpas por mamãe e disse que se eu precisasse espairecer, podia vir para Carolina.

E aqui estou eu.

...

Eu não aguentava mais mamãe me olhando torto e jogando indiretas para mim o tempo todo.
Então, depois do nosso almoço em família — sem a presença do meu irmão que estava viajando com a esposa — eu decidi ir dar uma volta pela cidade.

O dia estava agradável, o céu num azul fraco sem qualquer nuvem e o aroma das árvores e das plantas passeava com o vento adentrando minhas narinas e me fazendo sentir em casa.
Passeei pelas casas coloridas, cada qual com uma respectiva cor do arco-íris e fui até o antigo museu Old Slave Mart. O lugar era lindo mas ao mesmo tempo tão triste.

Caminhei em passos lentos entre as peças e cartazes expostos. O Old Slave era o primeiro museu afro-americano e as paredes daquele lugar confidenciavam histórias sobre o período da escravidão e leilões de pessoas, numa época em que 35% dos escravos entravam nos Estados Unidos através de Charleston.

Senti falta da minha câmera e me veio a mente a ideia de uma matéria sobre a escravidão nos Estados Unidos. Mas aquilo era algo que nunca passaria de um desejo.
A maioria das pessoas não se importava com a escravidão nem com a luta dos negros contra o racismo e a liberdade.

Um sorriso triste nasceu em meus lábios e decidi que estava na hora de ir embora.

Saí do museu e caminhei calmamente até uma cafeteria ali perto na qual sempre vinha durante minha adolescência. Depois da escola com uns amigos, sozinha quando não queria ficar em casa e com Tristan quando namoravamos.

O sino que ficava acima da porta fez um ruído, notificando minha entrada. A cafeteria era pequena e aconchegante, o cheiro de café quentinho inebriava o local que tinha as paredes revestidas de madeira, e o menu escrito de giz sobre uma parede negra. As luzes amareladas e uma música qualquer dos anos 80 tocava baixinho como fundo. O local não estava cheio mas tinha uma boa movimentação. Fui até o caixa fazer meu pedido e dona Lourdes estava lá. Seu olhar se iluminou ao me ver e recebi um sorriso de orelha a orelha.

— Há quanto tempo, minha querida! — saiu de trás do balcão e me rodeou com seus braços curtos. — Como você está? Decidiu voltar a morar aqui? Fiquei sabendo que terminou com o seu namorado. Se precisar de alguma coisa, fale comigo! — seu sorriso maternal fez eu me sentir acolhida e meus olhos marejaram.

Carolina  {hes}Onde histórias criam vida. Descubra agora