Hooked on a Feeling

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As primeiras notícias apareceram no rádio e na televisão. 'Evidentes sinais de decomposição, violência e canibalismo se encontram nas vítimas da doença. Sugerimos que estoquem comida e água para três semanas. Essa é uma mensagem do governo americano. Evidentes...'. Essa era a mensagem que se repetia e se repetia em todos os meios de comunicação. Como a merda de um disco riscado, no momento em que a epidemia eclodiu, a mensagem se tornou mais popular do que as músicas pop do momento.

Ah, esqueci de dizer. Meu nome é Emily Grace. Eu morava em uma casa com minha família, na Geórgia, onde estou até agora. Mas também não é como se eu tivesse escolha.

Minha família. Me dói tanto pensar neles. Dos carinhos e na comida do meu pai, dos cabelos de minha mãe, que sentia o cheiro sempre que a abraçava quando uma coisa ruim acontecia. Antes de tudo isso começar coisas ruins era eu ralar a perna em uma aula de basquete, mas agora tenho medo de coisas mais importantes. Tenho medo de acordar e não estar viva, de não conseguir sobreviver. E o pior : tenho medo de ter esperanças demais, pois sei que hoje em dia, isso mata mais do que os caminhantes.

No começo, achava que só eram diferentes, não mortos ou canibais, somente diferentes. Acho que foi por isso que não consegui proteger as pessoas em volta de mim. Eu não enxergava o que estava acontecendo e muitas das pessoas que conhecia eram iguais á mim. Elas tentaram morrer, e muitas conseguiram, ou foram mortas por aquelas 'coisas'. Eu tentava não me culpar pela morte das pessoas mas sabia o que tinha acontecido.

Logo depois de tudo acontecer eu estava sozinha, sem ninguém. Eu entendia o que aquelas coisas eram e o que elas faziam. Achava que seria mais fácil assim. Mas não foi. Ficou ainda mais difícil encontrar comida e dormir era pior ainda. Todas as vezes que tentava adormecer em um carro,  imaginava que as portas se abriam imediatamente e dezenas de braços e mãos podres me agarravam, me destroçando até que eu virasse um deles. Era suficiente para me deixar acordada durante a noite inteira.

Mas eu vivia. Dia após dia. Mês após mês. Tentando não morrer, assim como aconteceu com meus pais e no mínimo noventa por cento de toda a população do país. Não tinha notícias do resto do mundo desde que a energia e as luzes cessaram.

Quando tudo começou eu estava no refeitório comendo quando me lembrei que precisava conversar com a Srta. Moore sobre o dever de casa. E perguntar como ela estava. Mais cedo, durante a sua aula, ela estava tossindo muito e a sua pele estava com uma cor estranha. Engraçado, se isso ocorresse três meses depois, eu teria posto uma bala em sua cabeça antes mesmo de ela começar a adoecer.

Fui até a sua sala e bati na porta. Como não ouvi nada, adentrei o ambiente escuro, mal iluminado e com um leve cheiro de naftalina.

- Senhorita Moore - chamei por ela. Como ela não atendeu á porta, entrei no quarto. Ele estava com muitos livros e uma vitrola tocava uma música antiga. Procurei pela minha professora no quarto e percebi que ela estava de costas, saindo de debaixo da cama.

- Professora - perguntei um pouco assustada e ela se virou. O que vi quase me fez vomitar. Sua pele estava pálida, quase branca e seus olhos estavam claros e opacos, condensados com o óbito. O que mais me assustou foi uma grande mancha de sangue em sua boca e seus dentes, não um sangue vivo e vermelho que te faz rir do filme de terror barato, um líquido quase preto e escorrendo pelo queixo. Ela percebeu que estava lá e avançou contra mim lentamente. Abri a porta do quarto e sai correndo pelos corredores, sem me importar com as crianças em volta de mim que me olhavam assustadas. Logo ouvi uma gritaria e as crianças do corredor estavam correndo em minha direção.

Quando virei no corredor, uma cena me assustou ainda mais. Várias daqueles alunos e funcionários que conhecia estavam debruçadas sobre corpos de alunos, com os rostos e mãos imersos em partes do corpo, mastigando e engolindo, em uma sinfonia que anunciava que a cadeia alimentar havia mudado drasticamente. Passei correndo pelos corpos e desci as escadas correndo. Tropeçei no último lance de escada e saí rolando, minha cabeça periodicamente batendo nos degraus. Quando me levantei, as paredes e o teto estavam girando. Eu não conseguia distinguir o que acontecia em volta de mim e sai do prédio do ensino fundamental, cambaleando. O sol bateu em minha cara, me fazendo ficar cega por uns instantes e depois começar a correr. Correr era só o que eu pensava. A última coisa que me lembro é ter ido para a quadra e me escondido no armário de bolas, liberando de minha boca um líquido pútrido e ácido, que insistia em escapar da minha boca desde que vi meu primeiro caminhante.

Um ano e oito meses depois...

'Corra, corra, corra, não olhe para trás...' Era o que eu repetia em minha cabeça várias vezes. Eu conseguia lidar com um errante, mas 3X1 era sacanagem. Meus pulmões ardiam e meus pés estavam cansados, mas eu não poderia parar ou seria pega. Logo avistei uma cidade, com várias casinhas idênticas uma á outra. Me escondi atrás de uma árvore e esperei todos os errantes passarem, enquanto prendia minha respiração. Quando o último ia passar, soltei o ar que estava prendendo e ele me ouviu, dirigindo um ataque fervoroso ao meu corpo.

Metade da sua cabeça estava podre e havia um facão fincado em suas costas. Como estava sentada na terra atrás de uma árvore, ele se jogou em cima de mim, tentando me morder. As minhas mãos estavam nos seus ombros e a minha faca no meu cinto, longe demais. Usei as minhas pernas para chutar a barriga do errante, mas estava mais difícil pegar minha faca. Finalmente consegui e a enfiei em sua cabeça fazendo voar um pouco de sangue em meu rosto. Limpei - o com a manga da minha camisa grande demais, peguei o facão das costas do errante e continuei andando.

'Droga eu preciso de um banho' pensei. Não via um espelho há dias mas sabia que estava imunda. Fazia tanto tempo que não tomava um banho. Meu cabelo cheirava a pólvora, terra e sangue e estava sempre me atrapalhando. Uma vez eu quase o cortei, mas desisti por causa do tempo que passei esperando-o crescer e a minha mãe o adorava. Uma lágrima silenciosa desceu pelo meu rosto ao lembrar dela.

'JSS, Emily. Vamos lá. Você consegue.' Voltei minha atenção a cidade que ficava um quilômetro de onde estava. Andei até lá. As ruas estavam sujas com sacolas plásticas, papel e até alguns órgãos na calçada. 'Tripas embrulhadas. Legal' pensei enquanto andava em direção á primeira casa da calçada esquerda. Andei até a varanda e respirei fundo antes de abrir a porta, com a minha faca em punho. Gostaria de ter uma arma, mas não tinha conseguido nenhuma desde... aquilo. Ainda sinto calafrios do que aconteceu. Nunca mais dormi tão bem, sentindo aqueles braços no meu corpo.

Flashback ON

Já tinham se passado cinco meses desde que começou. Em todos os lugares se encontravam os infectados, ainda não estava totalmente convencida de que não eram pessoas com a possibilidade de cura. Eu tentava não matá-las na maioria das vezes.

Uma vez, procurava algum tipo de comida em uma casa e quando percebi que havia um homem lá. Ele era forte e grande e com feições duras. Carregava uma arma e um par de olhos azul escuros, quase negros, com a pupila e a retina se fundindo em uma coisa só. Tentei sair da casa sem que ele me visse, mas não obtive sucesso

- Olá, garotinha. - disse ele para mim, com um sorriso assustador no rosto. Eu tentei correr e ir embora, mas ele segurou minha cintura e me jogou no sofá da sala me prendendo contra ele. Ele começou a tirar minha calça mas eu revidei, chutando seu rosto. Mesmo assim ele era mais forte do que eu.

- Nossa, que garotinha bravinha. Vamos lá, gatinha, vai ser legal. - disse ele, vendo que eu não pararia sem luta. - Me avise se doer.

Começei a chorar e nesse momento, como se o destino me quisesse viva, um infectado o atacou por trás, o fazendo cair do sofá e se afastar de meu corpo. Saí correndo e peguei o rifle que estava em cima da mesa. Subi as escadas da casa e entrei em um dos closets, segurando a respiração. Fechei a porta e escondi a arma atrás de mim, sentindo a aura gélida do objeto que poderia me salvar. Me obriguei a ser paciente e esperar o momento certo, enquanto ouvia os passos pesados subirem as escadas e virem em minha direção.

Logo o homem abriu o closet de novo, só que dessa vez, com uma mordida no ombro. Olhei para ela e ele seguiu meu olhar, direcionando - o para a mordida pútrida e viva, cheirando a morte.

- Bom, eu não tenho muito tempo. Vamos aproveitar. - ele se aproximou de mim rapidamente. Quando ele estava bem perto, puxei a arma, apontei para sua barriga e atirei. Ele caiu do meu lado, com uma cara de ódio.

- Vadia desgraçada. - disse ele.

- Me avisa se doer. - repeti suas palavras com gosto e disparei a arma, enquanto um sorriso que anunciava a loucura tomava minha face.

Flashback OFF

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