17Aplaudi o discurso de Rick, e Judith é claro, e decidi que precisava tomar um ar. Deixei meu prato de comida quase intacto no banco de madeira e me levantei. Antes que pudesse sair, senti uma mão quente em meu pulso e me virei para ver Carl com uma expressão preocupada em seu rosto.
- Onde você vai ?
- Calma, xerife. Eu volto logo, prometo. - falei, despreocupada. Transformei o seu aperto firme no meu pulso em nossas mãos entrelaçadas.
- Tome cuidado. Não sei o que faria se acontecesse algo. - aquela declaração me fez engolir em seco e tenho certeza que corei um pouco.
- Eu sempre tomo.
Aproximei nossos rostos e beijei sua bochecha, sem me importar com a mágoa que ele provavelmente ainda tinha ou o olhar das pessoas a nossa volta.
Me afastei dele e fui em direção a porta da igreja, ignorando seu rosto em chamas e quando ele levou a mão no lugar onde o beijei. Saí da igreja respirando o ar puro da floresta e me perguntando o que eu faria com esse coração que não para de bater por ele.
Andei em meio ás árvores e me sentei na terra seca, fazendo um pouco de barulho por causa das folhas secas. Olhei para as estrelas e avistei duas estrelas, um pouco mais brilhantes que as outras.
- Oi, mãe. Oi, pai. - falei em voz alta. Sabia que eles estariam lá, cuidando de mim mesmo quando estivesse sozinha.
Ouvi um barulho em uma árvore perto de mim e me virei tentando avistar um bicho ou até uma pessoa, já preparada para qualquer coisa. 'Merda, minha arma'. A minha proteção foi deixada lá dentro e estava longe demais da igreja para pedir ajuda. Eu tinha que resolver esse problema.Me levantei e cai imediatamente com um baque na minha cabeça, me fazendo ouvir um zumbido em meus ouvidos. Tentei me levantar novamente mas meus olhos já tinham se fechado sem meu consentimento.
(...)
Acordei com vozes discutindo. Meus olhos demoraram para se acostumar com a escuridão e com o excesso de luz pulsante vindo da minha direita. Pisquei várias vezes e olhei diretamente para a luz, uma fogueira reluzia em diferentes tons de vermelho, amarelo e laranja, que se tornaram uma confusão no meu olhar embaçado.
Olhei em volta de mim e vi uma duas formas escuras á minha esquerda, uma sentada e a outra em pé. Reconheci - as : Gareth e Bob. Um arqueiro saiu da minha garganta só ver o homem com o sorriso sinistro na minha frente, ditando palavras que minha mente não conseguia compreender.
Percebi que uma parte da perna de Bob estava levemente embaçada e tentei me ajeitar para ter uma visão melhor do lugar onde me encontrava. Algumas pessoas atrás de Bob comiam um tipo de carne que parecia ter uma textura estranha, com um cheiro adoçicado que me deixava levemente zonza. Logo depois de ligar os pontos senti o gosto ácido de bile em minha boca porém não conseguia vomitar. Algo envolvia minha boca e minha nuca, chutei que era algum tipo de pano. Também estava amarrada em meus pulsos.
Ouvi gemidos e barulhos conhecidos para mim, mesmo a metros de distância conseguiria reconhecer aquele som. Me preparei para chutar e tentar sair dali o mais rápido possível. Porém eles não vieram até mim. Uma janela separava os mortos dos vivos, ou os canibais dos canibais.
- Deve ser burrice ficar aqui. É perigoso, eu não sei, talvez não seja. Dá pra sentir a ameaça. Pelo menos é alguma coisa, olhar para eles me faz sentir melhor sobre as coisas. Minha mãe dizia que todo dia sobre a terra era uma vitória. - ouvi Gareth dizer, quando a névoa da minha mente se dissipou levemente. A mistura de sons e acontecimentos a volta de mim ainda me enojava : o barulho dos canibais comendo a perna do Bob, a voz mansa e assustadora de Gareth e os gemidos dos mortos. - Não parece adequado agora mas ainda dá pra entender. Essa janela vai quebrar cedo ou tarde.
Ele colocou a palma da mão no vidro da janela, desafiando os zumbis a matá - lo e os fazendo ficar mais agitados, sibilando e lambendo a janela como se o sangue dele pudesse ser alcançado por suasbocas através do vidro.
- Nada mais dura muito tempo. Sabe, a gente parou aqui para poder pensar no caminho de volta. É muita burrice ? Quer dizer, de volta pra onde ? Não era só uma armadilha, era pra ser uma escolha. - falou ele, se ajoelhando de frente a Bob. Ele parecia ter compreendido que eu estava ali e me lançou um olhar de desespero, sendo retribuído do mesmo modo. - Ou se junta a nós ou vira comida. Sabe, os ursos, quando começam a passar fome, comem os filhotes. Se o urso morrer, o filhote também morre. Mas se o urso sobreviver vai poder ter outro filhote. Faz parte do jogo. Sabe, o Greg e o Mike quase pegaram aquela vadia branca que matou a minha mãe.
Minhas mãos e braços se mexiam rapidamente, tentando procurar um ponto fraco na corda que os prendia atrás de minhas costas. Porém isso só serviu para deixar meus pulsos em carne viva e tenho certeza que sentia um líquido viscoso escorrer por eles.
- Ela fugiu com o arqueiro, o Greg os viu saindo. Não vejo a hora de prová - la. Eu gosto mais das mulheres, a maioria daqui prefere. Meu irmão Alex, que agora também morreu por causa do Rick. Ele achava que é por causa da camada extra de gordura que as mulheres têm. Sabe, pra usar na gravidez. - ele olhou para o chão e apontou pra mim. - Até as magrelas tem.
- Deixa ela em paz. Deixa ela ir. - falou Bob, com a voz fraca.
- Tipo aquela bonitinha, a Sasha. Acho que as pessoas bonitas são mais gostosas também. - falou ele, apontando novamente para mim. 'Isso é algum tipo de cantada ou você vai só me matar ?' - Vamos pegar todos eles. Mas pra começar, você e ela bastam. Fizemos um bom serviço com sua perna. Nós temos prática. No começo, gostávamos de fazer devagar.
Bob parecia que ia começar a chorar e eu não estava muito longe disso também.
Tentei achar alguma pedra para me soltar, apalpando a terra seca com as mãos presas e os pés descalços. Depois de alguns minutos (e a perda de parte do discurso de Gareth) achei uma fina o suficiente com meus pés e puxei em minha direção, tentando encobrir o que fazia dos outros.
O choro de Bob se transformou em uma risada, que me fez ficar distraída e voltar meu olhar para a cena que ocorria na minha frente. O grupo de Gareth se reuniu, palpitando sobre Bob e o que fariam comigo em seguida.
- Seus idiotas. - Bob cuspiu em meio aos risos.
- Tá bom, fala baixo. - falou Gareth, olhando para os mortos que tentavam adentrar o local.
A risada dele ficou ainda mais alta e ele levou a mão ao ombro, retirando o tecido da camiseta e mostrando uma mordida de zumbi em carne viva, infeccionada e com manchas roxas em volta.- Eu fui mordido, seus cretinos imbecis ! Tô infectado !
As pessoas do grupo de Gareth tossiram e logo todos estavam vomitando. Alguns choravam, outros se ocupavam em esvaziar o conteúdo de seus estômagos no chão e tinham os que só gritavam as piores palavras que conseguiam pensar.
Um homem se pôs na minha frente e antes que eu pudesse fazer algo, suas duas mãos estavam no meu pescoço. Minha respiração começou a rarear e eu me sacudia e tentava o tirar, mas suas mãos estavam firmes e seus olhos verdes estavam focados nos meus, esperando pacientemente o momento em que eu parasse de me mexer.
Minha visão começou a ficar turva, mas estava forte o suficiente para chutar sua pelve com o máximo de força que possuía, o fazendo gritar e se contrair no chão.
Um segundo. O tempo de esticava e parecia que o momento duraria mais do que o normal e, ao mesmo tempo, era insuficiente.
Bob olhou para mim e li seus lábios : 'Vai.' Continuei a serrar a corda com a pedra mais e depois de meio minuto consegui me soltar, saindo despercebida pelas árvores em meio a confusão que o grupo passava.
Me escondi atrás de uma árvore e fitei Bob, com o objetivo de que ele fizesse o mesmo. Seus olhos estavam fixos na fogueira encandescente e sua cabeça negava avidamente. Eu tinha entendido o sinal. Não conseguiria voltar para o grupo, pois não fazia ideia de onde estava. Não poderia ajudá - lo sem acabar presa junto dele e se tentasse roubar uma de suas armas, acabaria morta. O homem que me sufocava minutos atrás já estava totalmente recuperado e alerta, passando os olhos pela floresta em volta dele e procurando a fugitiva.
Por isso, me virei e corri o mais rápido possível, fugindo em direção a imensidão escura que sabia que me era mais segura naquele momento.
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The Apocalypse
AksiyonAs citações sempre fizeram parte de sua vida e, quando a praga foi espalhada, ela recebeu um novo mantra : simplesmente sobreviva de alguma forma. Com o romper de uma nova realidade, ela confiava nessa frase como um amigo e ela cobria - a como um c...