This is why we can't have nice things

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- Se eu continuar deitada nessa cama eu vou virar uma estátua, Denise ! – disse, enquanto ela levantava as minhas pálpebras e direcionava uma pequena lanterna branca a elas. Os exames diários eram uma parte do meu tratamento, porém não significa que concordasse com eles. Em minha opinião, era um grande desperdício de recursos e tempo. 

- E se você sair dela, pode acabar se machucando, Emily. – ela falou, com a mesma intensidade que eu falei o seu combinado a um olhar reprovador.

Já fazia quase uma semana que estava presa na enfermaria de Alexandria, esperando que Pete me liberasse. E mesmo depois que ele passou a me visitar uma vez ao dia, aquele homem ainda me dava calafrios. A visão dele batendo em Jessie ainda surgia em flashes e minha cabeça, depois da queda, insistia em repassar tudo o que houve.

- E como vai a cabeça, Emily ? – ela perguntou. 

Essa pergunta era repetida tantas vezes, que já estava de saco cheio, mas sabia que tinha uma finalidade. Aparentemente, eu estava bem, sem nenhum galo nem nada. Mas não havia muitos meios da Denise descobrir como a minha cabeça realmente estava. Os recursos médicos de Alexandria eram limitados, então eu teria que esperar para ver se ia piorar ou melhorar a lesão. Eu me sentia frustrada e impaciente, mesmo sem saber o porquê. E também tinha aquela dor de cabeça horrível, onde eu tinha batido, e náuseas toda vez que tentava mudar de posição na cama ou fazer qualquer coisa além de olhar para o teto com o tédio estampado no rosto. 

Outro motivo para eu perder a paciência: Ron. Desde o momento em que ocorreu, não parava de pedir desculpas. No começo, foi bem legal ele me dar atenção, ele sempre me visitava e me trazia livros e coisas para passar o tempo. Mas depois começou a ficar irritante, ele estava muito grudento para meu gosto. E Ron não parecia ter entendido quando disse que eu precisava de espaço.

(...)

Era uma manhã de domingo fria e eu estava, pra variar, na maca da enfermaria com uma horrível crise de dor de cabeça. É sério, parecia que alguém tinha botado o lado direito do meu crânio no liquidificador e batido com pregos. E eu estava sozinha no lugar, porque a Denise teve que ajudar uma das moradoras que se cortou com uma faca. 

Como estava entediada, sai da enfermaria, e fui dar uma volta. Parecia ser um daqueles dias que não existia mais problemas e o sol brilhava como nunca. Enquanto andava, observava as casas de Alexandria, diferentes por fora mas as pessoas desse lugar eram todas iguais. Elas sabiam o que estava acontecendo fora daqueles muros, ou pelo menos não por completo. Nem mesmo quem comandava aquele lugar, que agora passara a chamar de lar, sabia. 

Enquanto estava perdida em devaneios e na minha dor de cabeça, não reparei quando uma senhora de pele escura acenava para mim. Por um instante, fiquei paralisada, sem saber o que fazer porém andei até a casa. 

A cada passo que eu dava conseguia ver mais detalhes da senhora, que a faziam muito bonita : as rugas em volta dos olhos que não conseguiam esconder o brilho em seus olhos, as marcas de expressão em volta da boca, a causa de muitos sorrisos e o cabelo de cor cinza. A sua pele era de um tom muito bonito de marrom, muito diferente da minha que era pálida e sem vida. Ela usava uma blusa e uma saia longa, que não combinavam com o dia ensolarado. 

- Olá, querida ! Não gostaria de entrar ? Você não parece muito bem. – ela falou alegremente. 

- Hã... sim ? 

- Entre, querida ! – ela abriu caminho da porta.  

Entrei lentamente, não sabia o que esperar. Primeiro, avistei meu reflexo em um espelho. Eu estava realmente estranha, com o rosto vermelho e mais sem vida do que o normal, por mais contraditório que parecesse. A casa era grande e cheia de móveis arrumados e bonitos, como a maioria em Alexandria. Porém tinha características pessoais como todas as casas. Havia um manequim de busto vestindo um vestido lindíssimo, branco e reto feito de um tecido leve e com mangas bordadas e um colar de pérolas junto dele. Devia ser seu vestido de casamento. 

Também vi um porta retrato com a foto de um casal, onde a mulher tinha a pele avelã como a senhora e o homem parecia latino, com pele bronzeada e um sorriso travesso. Ele olhava intensamente para a mulher, que sorria em uma risada para a câmera, quem os via não conseguia negar que eram apaixonados, ou pelo menos naquela época. E o que mais chamou minha atenção : um vestígio de jaqueta com estampa militar escapava na foto. 

- Ele era lindo, não era ? – a voz doce da senhora disse atrás de mim. 

- Ele era militar ? – perguntei. 

- Sim, ele era soldado. Meu George lutou na Guerra do Vietnã. – falou ela, como se estivesse perdendo – se em suas lembranças. – Vai querer uma xícara de chá, querida ? 

- Claro. – eu falei, andando até a mesa alta de madeira e sentei em um dos bancos. – Você viveu durante a Guerra do Vietnã, então ? 

- Ah, não foi tão difícil assim. Eu tinha George junto comigo.  

Daisy me contou sobre quando conheceu seu George, no colégio e eles se apaixonaram. Porém o alistamento militar chegou a cidade que eles viviam e eles tiveram que se separar. Ela me mostrou o álbum de fotos do casamento, que foi pequena, mas as fotos e os sorrisos passaram tudo o que eles sentiam. Ela ainda tinha a jaqueta de guerra de seu marido, as dezenas de cartas que eles trocavam durante aquele período difícil e a margarida seca que ele havia dado a ela, como uma piada entre os dois pelo nome dela. 

Também contei sobre mim para Daisy. Que meu pai também era soldado e me identificava com alguns dos momentos. Até contei sobre Carl, assunto que eu costumava manter entalado na garganta desde que tinha o perdido. Ela ouviu tudo atentamente, com um olhar de curiosidade, e no final disse : 

- Bom, querida, acho que a história de vocês ainda não acabou. 

- Eu prefiro que tenha acabado. – eu falei sem pensar, mas ela não me repreendeu ou contradizeu. Acho que era mais fácil para mim aceitar que ele tinha morrido do que pensar que ele ainda estar vivo, alimentando esperanças que nunca deveriam existir.  - Acho que é muito mais fácil assim .

- Tudo bem, querida, mas se lembre de que ainda tem chances de ele estar bem. 

- Desculpa, eu tenho que ir. 

- Tudo bem, querida. Passe aqui outro dia para nós conversarmos mais sobre o seu soldado. – ela falou com um sorriso calmo. Não parecia magoada por tê - la cortado, então somente me despedi e saí de sua casa. 

Tinha ficado tanto tempo ocupada com algo, que minha dor de cabeça havia retornado sem minha permissão. Decidi ir até a casa de Ron, tomando coragem para pedir algum remédio para dor de cabeça e ir ver como Jessie estava. Jurei para mim mesma que se visse algum sinal de que ela estava sofrendo pelas mãos do marido, eu iria reagir. 

E aconteceu. Eu estava na porta da casa de Jessie e ouvi um baque baixo vindo de um lugar mais afastado da casa. Minha mente demorou a raciocinar de que vinha da casa de Jessie e quando percebi o que acontecia me perguntei ' Por que eu nunca trago minha arma ?'. O que eu deveria fazer ? Entrar na casa deles mesmo que Pete fosse muito maior que eu ? Mas eu me fazia uma pergunta idiota, eu sabia que deveria entrar na casa e chutar o ego gigante de Pete.
Então eu entrei na casa. E chutei o ego gigante do Pete.

The ApocalypseOnde histórias criam vida. Descubra agora