Escape

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20

Seus lábios com gosto de cereja ainda pressionavam os meus e, além do desejo de continuar o beijando, nada estava claro. Meus pensamentos estavam cobertos por uma fina névoa, mas o suficiente para que eu não pudesse compreender nada por inteiro.

Eu, em algum momento que não consigo me lembrar agora, me afastei e voltei pra casa. A única coisa de que me lembro é de subir as escadas da casa de Deanna o mais silenciosamente que pude ( a bebida não ajudou em nenhum momento ) e me jogar na cama, dormindo com a mesma roupa e ainda sentindo sua aproximação, ignorando que no próximo dia teria muito para resolver.

(...)

Acordei com uma pessoa me chacoalhando e uma dor que parecia que martelava minha cabeça. 'Acho que alguém está de ressaca' falei para mim mesma. Cala a boca. Cala a boca. Cala a boca.

- Uhm... - falei, tentando voltar a dormir. Mas alguém continuava me chacoalhando, tentando me tirar da cama. Afundei o rosto no travesseiro e tentei dormir de novo, mas desisti logo. Me virei para cima e vi um Aidan sorridente.

" O que você quer ? " gesticulei.

- Por que ainda não fala ? Eu ouvi sua voz quando me ameaçou.

" Quando estiver pronta, você vai ser o primeiro a ouvir minha voz, prometo. " respondi brincando. Ele sorriu e acenou, como se compreendesse.

- Bom dia pra você também, Bela Adormecida. - ele falou, puxando as cobertas me fazendo estremecer. O clima parecia dez vezes mais frio do que ontem. - Nos daria o prazer da sua companhia em uma busca ?

" Aonde vocês vão ? " andei até o armário, bocejando pelo sono.

- Tem um supermercado um pouco longe daqui. Mamãe sugeriu que fossemos lá, ela falou que você parecia um pouco... presa. - ele disse, coçando a nuca. Na hora, me perguntei porque estava tendo essa conversa comigo. Ele só podia dizer : 'Ei, nós vamos fazer uma ronda fora dos muros. Topa ?' Eu era mais antipática do que parecia.

Joguei a muda de roupa que separei em cima da cama e acenei para ele sair. Ele pareceu um pouco confuso, mas percebeu o que eu queria dizer e saiu rapidamente, com um andar constrangido.

Fechei a porta e começei a me despir para trocar de roupa, pensando no que ele disse. Ok, que eu me sentia presa, mas dava para perceber ? Será que já começara a parecer vulnerável ?
Lançei um olhar rápido para o espelho de corpo da parede e acabei reparando no quanto meu corpo havia mudado com o apocalipse.

Meus seios estavam levemente maiores, o que conferia uma forma curvilínea ao corpo que nunca tinha parado para observar especificamente. Mesmo comendo devidamente há algum tempo e tendo acompanhamento médico, ainda era possível contar cada um dos ossos da minha costela e os hematomas pelo meu corpo não desapareceram, como se o passado ainda insistisse em trespassar minha pele, de dentro pra fora. Sem contar as cicatrizes. A linha grossa do meu ombro, a da prisão. A bem fina do meu dedão da mão direita, que aconteceu logo no começo, quando tentava abrir um enlatado de cenouras com uma faca ( péssima ideia). A cicatriz horrenda na minha coxa direita, de quando cai da bicicleta com míseros oito anos. E também a do meu rosto, logo abaixo do meu lábio inferior, quando uma granada explodiu tão perto de mim que poderia ter feito mais do que uma mera marca.

Uma camiseta branca, um casaco verde militar, uma blusa xadrez azul e vermelha, uma calça com pequenos rasgos e uma bota.
' Até que eu pareço uma garota normal ' ri, sem humor. Coloquei uma touca preta que achei em uma das gavetas, ainda pensando se parecia tão vulnerável ou se eu realmente havia amolecido.

Desci para a cozinha. Deanna fritava alguma coisa em uma frigideira, Reg escrevia em uma planta e Aidan e Spencer tomavam xícaras de café. ' A típica família americana, vivendo no apocalipse '

The ApocalypseOnde histórias criam vida. Descubra agora