A voz

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   Como esperado voltamos a nos evitar. Como se ignorar um ao outro fosse resolver nosso conflito. Da outra vez foram meses, sem conversar. Só com cumprimentos vagos. Quanto tempo levaria agora? Drogo tentava criar assuntos para conversarmos. Mas, não adiantava. E com o tempo passando, logo chegaram as férias da faculdade. Nicolae pediu férias no hospital e nós fomos viajar. Levando um estoque grande de sangue humano. Alugamos quartos em um resort. Luísa ficou no quarto com Drogo. Lívia ficou no quarto com Nicolae e os gêmeos. Eu e Peter ficamos em quartos de solteiro. Lívia não gostava de sol, mas, não reclamou.
     _ A gente precisa de privacidade, as vezes. Aqui, podemos aproveitar separadamente. _ disse Nicolae.
     _ Você quer dizer, eu não preciso segurar vela. _ falei. _ Que os casados se divirtam. Vou dar uma volta por aí.
     Eu sei que um dos motivos para esse passeio era melhorar o clima pesado. Eu ter tempo para aquietar minha mente confusa. Eu continuei treinando a coreografia da música, apesar de não saber se um dia usaria. Descobrir que Peter usava desculpas para me afastar, para não admitir que sentia falta da ex, me deixou mal. Ele estava me dando esperanças falsas. Com beijos, com seu carinho. Quando na verdade era só a sua vontade de satisfazer necessidades. Ele não saiu com ninguém, desde a morte da babá. Já li sobre isso nos livros. O pior é que uma parte minha não se importava de estar com ele, sem compromisso. A outra parte gritava que eu precisava de mais. Ainda tinha tantas coisas que eu não entendia. Pular a adolescência não fez bem para mim.
     Eu andei pelo resort sem realmente prestar atenção em nada. Fui caminhando até chegar na praia. O mar estava agitado. Poucas pessoas se arriscaram. Entrei nele. De roupa. As pessoas começaram a gritar que era uma tentativa de suicídio.
     _ Calem-se.
     Tudo ficou em silêncio. Até o mar. O barulho da água batendo nas pedras cessou. Meu dom. Eu queria silenciar o som do meu coração acelerando toda vez que eu via o Peter. Silenciar a voz dele gravada em minha memória. Silenciar meus soluços, por tanto choro derramado. Eu não sabia até onde o dom dele ia. O que era capaz de fazer. Eu ainda estava descobrindo novos usos para os meus. Me virei de frente para as pessoas na praia.
     _ Dancem.
     Eu ordenei. E comecei a cantar. Ali, na água. Cantando enquanto as pessoas obedeciam o som da minha voz, eu me senti uma sereia. As pessoas dançavam como marionetes. Lembrei das malditas bonecas que os meninos me deram. Eu odiava. Era uma lembrança constante que eu era criança. Tanto tempo. Uma infância tão longa. Eu devia ter permitido meu crescimento quando a babá apareceu. Clarisse Bianchini. Não tinha medo de mim, mas dos fantasmas que supostamente via. Assim, como Natasha, tinha Sarah como melhor amiga. Parecia que a bruxa queria de todo jeito interferir em nossas vidas. Babás que deixaram marcas nos meninos. Luísa sofreu para conquistar Drogo. E eu... Nem sabia se conseguiria. Talvez Viktor estivesse enganado no meu caso. O fato é que se eu não tivesse aparecido quando criança, nenhuma das duas teria existido na vida dos Bartholy. Se eu pudesse voltar no tempo, pediria a Viktor para me deixar em outro grupo. Aquele laço que ele queria que eu formasse desde criança, não foi o suficiente para ajudar na missão. Pelo contrário, atrapalhou. O que eu devia silenciar mesmo, eram as lembranças de Peter. Eu sei, seria egoísmo meu. E eu teria perdido para um fantasma. Uma mera recordação. Viktor querendo ou não, é impossível forçar sentimentos. Era hora de considerar realmente esquecer Peter. Já que isso, era escolha minha.
     Eu saí da água.
     _ Podem voltar ao normal.
     Eles obedeceram o som da minha voz. Assustados e sem saber o que estava acontecendo. Fui andando até o meu quarto. Tomei um banho demorado e coloquei um vestido leve.
     Passei na frente da academia, das piscinas, da sauna, dos restaurantes e fui até o parquinho. Sentei no balanço e fiquei indo para frente e para trás. Enquanto as crianças olhavam, os pais achavam estranho. Tudo era mais simples antes. Eu pensava que ao me tornar adulta eu teria todas as respostas. Que eu seria tão bela quanto qualquer vampira e minha aura seria irresistível. Que Peter ia se apaixonar assim que me visse, já que era meu príncipe. Escolhido pelo Viktor.
      A noite veio e as crianças foram embora com os pais. Continuei sentada no balanço. Tão Depressiva quanto meu amado. O que havia nele que eu gostava tanto? Porquê eu não conseguia parar de pensar nele? Porquê meu coração doía tanto?
     Senti um leve empurrão. A balança foi para frente. Olhei surpresa.
      _ Nicolae? Não devia estar com sua família?
      _ Você é parte da família. E precisa mais de mim.
      _ Eu quero ficar sozinha.
      Ele se sentou no balanço ao lado. Era cômico um homem tão alto naquele balanço de criança.
      _ Você costumava fazer pirraça até ter o que queria. Sempre conseguia. Foi muito mimada por nós três. Sempre queria carinho e atenção, mas, não era carinhosa. Todos tinham que ficar à sua volta. É por isso que acredito que ama de verdade o Peter e vejo o quanto você amadureceu. Está circulando ao redor dele. Lhe dando carinho e atenção. Sem forçar, sem cobrar. Esperando que ele aceite você. Não é só pela ordem do Viktor.
     Olhei para ele. Claro que sabia da missão do Viktor.
     _ Você lê a mente. Sabe de tudo sem eu precisar dizer. Porquê veio?
     _ Porquê você está muito perturbada.
      _ Não vou tentar suicídio como o Peter.
      Ele deu um sorriso triste.
       _ Ele carrega muita coisa dentro dele. Seu passado é doloroso. O dele também.
        _ Você é o único que sabe em que condições todos nós fomos transformados.
       _ Todos nós temos cicatrizes.
       _ Você sabe o que eu fiz... Quando passei um tempo com o Viktor.
        _ Sei. E sei porquê você não queria ficar na mansão. Eu sei que o Peter não tem sido muito correto com você. Que ele está confuso sobre o que sente. E que você está em dúvida sobre como agir.
      _ E o que eu faço? Ele não gosta de mim. De que adianta ser vampira, ter essa aura irresistível, se uma humana é mais interessante para ele, do que eu. O que ela tem que eu não tenho? É porquê não sou uma boa garota? Eu posso me controlar. Não sou bonita o suficiente? Não tenho charme? O que falta para ele olhar para mim?
     Não consegui segurar o choro. Nicolae se ajoelhou na minha frente e me abraçou. Eu apoiei a cabeça no ombro dele. Aproveitando seu instinto paterno.
     _ Não te falta nada, meu bem. Você é uma vampira incrível. Mas, sentimentos não podem ser forçados. Eles acontecem naturalmente.
     _ Você gostou da Lívia desde o início. O Drogo deu uma chance para a Luísa. Porquê comigo não deu certo? O Viktor errou? Não era eu, que ele devia salvar?
      _ Ele tem seus motivos para escolher quem salva. Não foi um erro. Eu tinha ficado bravo com a Lívia, quando chegou. Culpando ela por querer cumprir a missão do Viktor. E não percebi o fardo que ele colocou sobre os ombros de vocês. E o quanto isso podia machuca-las. Não se culpe tanto. Você não superou seu trauma junto com o Viktor para ter a auto estima de volta?
     _ Mas, com o Peter eu não consigo. Eu fico insegura. Porquê ele é importante para mim.
     _ Acho que você tem razão... É melhor você esquecer e seguir em frente. Se Viktor reclamar, a gente te protege. Ele não vai querer matar todos nós.
     _ Veio porquê eu pensei em esquecer?
     _ Sim. E pelo jeito que você está... É o melhor a ser feito!
     Ele enxugou meu rosto e se levantou. Me puxando também.
     _ vamos falar com a Lívia.
     Andamos de mãos dadas na direção dos dormitórios.
     _ Obrigada, pai.
     _ De nada, filha.
     Eu vi Peter voltando da praia. Era a última vez que eu o veria.
     _ Adeus, meu amor.
     Ele olhou sem entender. Longe de mais.
     Virei o rosto e segui Nicolae. Meu coração doía, mas, minha mente estava em paz.
     Lívia estava brincando com os gêmeos, quando entramos no quarto. Ela olhou para Nicolae e já entendeu a gravidade da situação. Uma conversa silenciosa se desenrolou ali. Telepatia. E os dois olharam para mim.
     _ A Lívia teve uma ideia para você esquecer e não atrair a raiva do Viktor. Você tem alguns dons que funcionam em si mesma. Conseguiu controlar o próprio crescimento. Então, ordene que sua mente bloqueie as lembranças de Peter. Assim, como bloqueou seu crescimento. Se Viktor questionar, as lembranças estarão aí, para virem à tona no momento certo.
     _ Use seu dom e tudo vai ficar bem. Se não funcionar, eu faço do meu jeito.
      Eles eram incríveis.
      _ Quem me dera ter nascido filha de vocês.
      Eles ficaram emocionados.
      Eu me concentrei, respirei fundo e coloquei toda a força dos meus poderes na minha voz.
      _ Que a minha mente bloqueie as lembranças de Peter e Clarisse. Que o som dos batimentos do meu coração ao encontrar Peter, não seja audível aos vampiros. Que sua presença não me afete. E que só volte tudo ao normal, quando ele me amar de verdade. E não tiver dúvidas disso.
      Eu conhecia aquela sensação. O controle que meu dom tinha sobre meu corpo. O encantamento que vinha do som da minha voz. E tudo passou. Abri os olhos. Os dois me encaravam.
     _ o que foi?
     _ Como se sente?_ quis saber Lívia.
     _ Como se tivesse usado meu dom em mim, mesma. O que eu fiz e porquê?
     _ Vai saber na hora certa. _ disse Nicolae.
     _ Agora vá aproveitar o resort. _ disse Lívia.
     Eu estava curiosa sobre o que aconteceu ali, mas, saí do quarto deles. Fui andando pelo corredor, pensando em como eu ia me divertir.
     _ Está tudo bem com você?
     Um rapaz de cabelo azul e olhos verdes, estava olhando para mim. Era um rapaz bonito. Magro e alto. Se soubesse que sou vampira teria mais cuidado ao me abordar. Ignorei o estranho e continuei meu caminho. Ele segurou meu braço.
      _ Ei. Porque disse aquilo ainda à pouco?
      Olhei para a mão dele no meu braço.
      _ Se não quiser morrer me solta, agora.
      Ele ficou me encarando confuso.
      Dei um tapa na mão dele e continuei meu caminho. Que ousadia.
      Tinha sangue doado, eu sabia. Mas, qual era a graça? Lívia não podia me ajudar, eu teria que fazer isso sozinha. Ainda lembrava da caçada com Viktor. Tão bom. Eu fui para a praia. Estava de noite e poucas pessoas permaneciam ali. Tinha um cara afastado de todos. Estava escrevendo na areia. Eu fui até ele. Jogando meu cabelo e usando minha aura de vampira. O rapaz ficou olhando.
     _ Quer dar um mergulho comigo?
     Ele sorriu e jogou o graveto na areia. Fui caminhando para a água, com ele me seguindo.
      Olhei em volta, ninguém vendo.
      _ Fique parado.
      Ele obedeceu minha voz. A água cobria até na cintura. Se eu não conseguisse parar, poderia afundar ele na água. Ia parecer um acidente.
      _ O que está fazendo?
      Eu nem pude acreditar que o estranho de cabelo azul me seguiu.
      _ Ótimo. Vou morder você também.
      _ Para. _ ele me segurou.
      _ Vá buscar ajuda. _ ordenei ao primeiro. Ele foi.
       Me virei para o segundo.
       _ Quem você pensa que é para me dar ordens. Se quer tanto assim, tudo bem. Vai ser o meu jantar.
       Eu empurrei ele na areia. Subi em cima e mordi. Percebi que havia algo errado na hora. O gosto era diferente. Não era sangue humano. O cara não tentou me empurrar. Pelo contrário, abraçou minha cintura. Eu continuei provando seu sangue. E ouvi ele gemer. Era um sangue muito gostoso. Ele me mordeu também. Eu deixei. Porquê a sensação era boa.
      _ Era só ter pedido para compartilhar. Não precisava me seguir. Quem é você? A qual grupo pertence? Quem te transformou?
      _ Eu sou o Peter. Sou um Bartholy.
      _ Papai transformou mais um? Seja bem-vindo à família. Mas, nunca mais atrapalhe minha refeição.
       _ Temos sangue doado.
       _ Não se compara a morder um pescoço. _ olhei para seu rosto, corado. Ainda estava me abraçando. _ Você é até gatinho. Mas, não sou de dar espetáculo em local público. Então, solte minha cintura. E não me siga.
       Eu levantei e fui caminhando para o hotel. Peter... Até que era interessante.

      
    
   
   
    
     

    
    
    
    
 
   
    

Is It Love? Peter - O som do coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora