iv.

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Três semanas depois...

Abby.

Ares não veio me procurar mais. Tenho a impressão de ter escutado a voz dele pelos corredores do hospital, mas ele não veio aqui me ver e Caye também não me disse nada.

Na verdade, eu estive sozinha quase que cem por cento do tempo nessas últimas semanas. Ouvi um boato de que tinha um paciente dando trabalho, então Caye mal me deu atenção nos últimos dias. Eu também não questionei, é o trabalho dela.

Ultimamente, nada tem me deixado muito tranquila. Tenho dormido a base de seconal, um anestésico para tratar insônia. Caye disse que era o melhor que ela poderia me dar e eu aceitei sem pestanejar.

— Bom dia, Abby! — Por falar em Caye, ela cruza as portas do meu quarto e a observo limpar uma lágrima de sua bochecha. — Conseguiu dormir?

Sim. Obrigada.

Sorrio de lado e ela retribuiu fraquinho para mim.

Tudo bem?

— Problemas no trabalho, não se preocupe. — Ela diz e dá de ombros.

Pode colocar os equipamentos no carrinho, por favor?

Claro! — Caye traz um carrinho com uma bandeja e o empurra para mim. — Antes, você precisa comer.

Não tem uma cara bonita, mas eu como mesmo assim. Acho que Caye já tem muito com o que lidar, então não quero dar trabalho pra ela. Não hoje.

Quando eu terminei, ela colocou os equipamentos no carrinho e saiu correndo para voltar ao trabalho.

Eu andei sem pressa, enquanto procurava a porta do quarto de Jude. Era fácil lembrar qual era, porque ela me pediu ajuda para enfeitar seu nome em uma folha com glitter e canetinha colorida. Mas ao contrário do que eu imaginei que encontraria, havia um enfermeiro retirando o desenho. Eu encarei com uma certa desconfiança, então eu desviei o olhar para o chão.

E então, lá estava ele. Sentado com a cabeça entre as mãos. Estava chorando.

Eu me sentei ao seu lado e esperei que ele dissesse algo, mas ele não se moveu. Ele continuou de olhos fechados, enquanto suas lágrimas ainda escorriam. Eu queria perguntar se ele estava bem, queria perguntar o que tinha acontecido e dizer que eu estou aqui pra ele, da mesma forma que ele esteve por mim. Mas ao contrário do que eu queria, eu apenas o encarei.

— Eu sumi. Desculpa. — Ele murmurou com a voz abafada. — Aconteceu uma coisa... Uma coisa muito ruim. — Sua voz falhou. Ares me encarou com os vermelhos e eu coloquei minha mão em seu ombro pra dizer que estava aqui com ele. — A Jude... Ela... Ela virou estrela.

Meus olhos saltaram em surpresa. Percebi que Ares não conseguia dizer que ela havia falecido, porque ele me disse como se estivesse dando a notícia para uma criança. Mas aquilo já não importava, porque eu havia entendido o que tinha acontecido e Ares estava sofrendo com isso.

Por instinto, eu o abracei com força. Ares me pegou no colo, como se estivesse abraçando uma criança, e me colocou sentada em suas pernas.

— Eu sumi porque não queria vir aqui e enfrentar a verdade. Estava adiando ao máximo isso... Acho que eu também não queria te ver. — Ele diz sincero, mas eu sinto meu coração se apertar. — Não quero te perder, Abby. Não aguento perder mais ninguém. — Eu passei a mão em seu rosto e sequei suas lágrimas com delicadeza. — Eu não disse que a amo o suficiente, eu precisava ter dito mais. Eu tinha que ter passado mais tempo com ela.

Eu o abracei com força, enquanto ele chorava. Ele não se importava em demonstrar fraqueza, até porque ele estava fraco. Eu o entendo. Era a irmã dele. Eu queria tirar toda a dor dele e transferir pra mim, porque eu sinto que já passei por dores como essa uma vez, então seria mais fácil de lidar. Com Ares, é a primeira vez.

— Gosto muito de você, Abby. Não gosto de dizer muito, porque você pode pensar que é demais. Você pode se assustar, mas agora eu preciso mais de você do que eu jamais precisei. — Ele me diz sério. — Eu fiquei chateado pelo que aconteceu, porque eu quero fazer dar certo. Eu quero tentar, entende? E eu via que você já tinha a sua resposta. Você não acredita quando eu digo, mas eu não me importo se você não fala. Eu gosto de você... — Ares diz com certeza. Eu o encarei um pouco surpresa, porque eu não achei que ele fosse querer falar sobre isso agora. — Eu acho que perder a Jude me fez perceber que eu tenho pouco tempo. Eu não quero e não posso guardar as coisas pra mim... Só, me promete que nunca vai me abandonar?

Eu assenti com convicção e o puxei para mais um abraço apertado. Puxei seu rosto pra mim e limpei suas lágrimas. Eu quero cuidar dele. Ele juntou as nossas mãos e eu depositei um beijo em cima da dele. Era a minha forma de dizer que eu me importo com ele, que ele não está sozinho. Ele entendeu isso. Ele sorriu pra mim. Um sorriso sem muita alegria, mas mesmo assim, me pareceu verdadeiro. Sincero.

— Será que nós podemos ficar de bobeira no seu quarto? — Ele me perguntou e eu sorri e assenti. — Eu só quero deitar nos seus braços e matar o tempo perdido.

— Será que a Caye pode te liberar hoje? — Ele pergunta com a cabeça apoiada na minha barriga e eu dou de ombros. — Estava pensando em ir ao cinema com você. Você gosta? — Assenti animada e sorri largo para ele.

No mesmo instante, Caye entra pela porta do quarto. Ela está distraída e mal percebe que Ares está comigo, mas assim que nota, ela sorri largo também.

— Caye, estávamos falando de você agora mesmo! — Eu faço uma careta, mesmo que Ares não veja, porque eu não estava falando nada.

— Sou toda ouvidos! — Caye diz animada.

— Te pago um café na lanchonete, se liberar a Abby hoje. Quero ir ao cinema com ela. — Ares usa seus truques para subornar Caye, mas tenho certeza de que eles nem foram tão necessários assim. Caye teria dito sim, mesmo que ele tivesse feito um pedido meia boca.

— Eu iria liberar, mesmo sem o café. Mas, já que me ofereceu, eu aceito o café! — Caye sorri espertinha e Ares se levanta para pagá-la.

Inacreditável esses dois.

Ares me ajuda a levantar e carrega o meu cilindro. Ele segura a minha mão como proteção e eu sorrio para ele. Gosto de estar com ele.

— Você está linda! — Ele diz. — Não tenho certeza se disse hoje, mas de qualquer forma, você está magnífica!

Ares abre a porta do carro para mim e eu ligo o rádio para escutarmos música. Eu não troco de estação, porque já acho muito ter ousado ligar o rádio. Mas Ares não diz nada. Ele até cantarola algumas músicas até o nosso destino.

Nós não demoramos e ele logo estacionou o carro no shopping. Por alguns minutos, me perguntei quando foi a última vez que havia pisado em um shopping. Eu sequer me lembro. Eu costumava vir aqui com os meus pais, mas tudo estava tão diferente.

Ares saiu do carro e me estendeu a mão. Enquanto uma das minhas mãos puxavam o cilindro, a outra entrelaçava meus dedos com os dele, ele carregava a lousa na outra mão.

— Pensei em irmos ao cinema e depois ao parque. — Ares diz simples.

Eu assenti animada, porque sequer me lembro da sensação de ir á um parque. Ou da sensação de se sentar em uma cadeira de cinema. E também, passar um tempo com ele é incrível. O resto é apenas um bônus.

Nós caminhamos de mãos dadas até a bilheteria do cinema e compramos um filme que estava prestes a passar. Nós apenas escolhemos por cima o filme.

𝗥𝗘𝗔𝗗 𝗠𝗬 𝗟𝗜𝗣𝗦.  Onde histórias criam vida. Descubra agora