xvii.

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Ares.

24 horas depois.

Eu sou acordado por uma voz bem familiar. A primeira coisa que forço meu cérebro a lembrar, é onde eu estou. Assim que eu me lembro, meu corpo se levanta com certa rapidez. Meus olhos procuram os dela e assim que eu a encontro, posso soltar um suspiro de alívio.

— Você estava dormindo como uma pedra... E eu estou com fome. — Nós dois rimos de leve. Sua voz me parece melhor, o que me deixa feliz de certa forma. Ela pode estar melhorando. — O que você achou? Da minha voz. O que achou da minha voz?

— É linda. Eu não poderia imaginar uma melhor. — Eu sorri bobo pra ela e ela correspondeu o meu sorriso. — Mas, eu acho que falta uma coisa...

— Eu amo você. — Ela me interrompeu e eu sorri mais ainda com a frase dela. - Você é previsível, Hollow. Agora vai buscar a minha comida, por favor.

Eu saí rapidamente da sala e procurei por Olivia, a enfermeira que havia passado no quarto de Abby mais cedo. Disse que ela estava com fome e Olivia disse que já levaria algo pra ela no quarto. Lembrei que minha mãe também estava aqui e decidi que era hora de falar com ela. Outra vez. Estou empenhado em não brigar com ela agora, espero que ela também esteja.

— Ela está bem. — Disse meio sem jeito. Eu me sentei ao lado dela, enquanto encarava os meus pés. — Ela disse que me ama. Em voz alta... — Beth me deu um longo abraço, enquanto comemorava consigo mesma.

— Desculpe me intrometer. — Olivia disse me interrompendo. — Senhor Hollow, não pude deixar de notar que você mencionou que a Abby disse alguma coisa, correto? — Eu assenti simples, mas um pouco preocupado com a feição confusa de Olivia. — Foi a primeira vez ou isso já acontecia antes?

— Ela já falava antes de nós virmos pra cá, mas era como um sussurro. Agora está mais alto. — Eu respondi de forma simples. — Tem algo de errado?

— A Abby está com problemas respiratórios. A boca é um dos principais órgãos que compõem o sistema respiratório e com a garganta prejudicada, por conta do desgaste que ela vem tendo nos últimos dias, a troca de gases da Abby está afetando diretamente a sua respiração. — Olivia cuspiu um monte de palavras.

— Então, ela nunca deveria ter falado? — Minha mãe perguntou confusa.

— Foi o que eu disse.

— Mas você falou com palavras complicadas. Ninguém entendeu nada. — Eu disse e vi Beth revirar os olhos com a minha atitude.

— Bom, se vocês querem saber, a minha opinião como profissional é que a Abby não tem muito tempo. Ela parou de usar o cilindro de oxigênio depois da cirurgia e isso também deve ser levado em conta. — Olivia disse com certo peso nas palavras. — Eu aproveitaria o tempo que ainda resta pra vocês dois...

Eu não sei se queria ter escutado a opinião dela. Por mais que eu saiba que ela estudou para estar ali, todos esses profissionais estudaram, na verdade, eu não quero ter que ouvir que não tem mais jeito. Que já não há nada que possa ser feito. Eu não consigo me imaginar vivendo em um mundo sem a Abby mais. Ter que aceitar que essa realidade está mais perto do que eu espero, já me dói mais do que tudo.

— A comida está boa? — Eu perguntei assim que entrei no quarto outra vez. Abby negou e fez uma careta, mas não deixou de continuar comendo.

— Não tem muito gosto, mas é o que tem. — Ela deu de ombros. Ela suspirou fundo e remexeu sua comida, enquanto parecia pensar em algo para dizer. — Sabe, nós ainda temos que conversar sobre uma coisa... Eu não esqueci e não vou esquecer.

— Não vamos falar sobre isso, por favor. — Eu pedi. Me sentei na poltrona ao lado dela e continuei observando-a.

— Eu não quero morrer sem falar sobre isso. Acho que é algo sério demais pra ser engavetado. — Ela disse simples.

Suas palavras me pareceram cruéis demais. Até pra ela. Não é novidade que eu não quero aceitar a situação, mas ela já parece estar confortável com isso. Me parece que ela já lidou com o fato de que sua vida é curta e que nada mais pode mudar o seu destino. Eu me senti magoado outra vez. É culpa minha.

— Não diz que vai morrer. — Digo sério e com a voz mais baixa. Ela percebeu que eu me incomodei com o modo que ela falou.

Abby não insistiu no assunto Audrey e eu também preferi seguir como se nada tivesse acontecido. Logo ela mudou o rumo da nossa conversa, porque havia pintado um clima estranho ali. Algo que sumiu em questão de minutos.

Nós conversamos e fizemos palhaçadas como pessoas normais fariam. Ela ria a todo instante e eu achava graça de sua risada. Ela tinha a voz muito doce, arrisco dizer que sua voz era como uma melodia.

Algumas horas depois

Era de madrugada, eu acariciava os cabelos de Abby enquanto encarava o quarto, perdido em meus devaneios. Mas a máquina que media os batimentos da Abby me chamou atenção. Os barulhos começaram a aumentar desesperadamente e eu comecei a ficar assustado. Eu gritei por um enfermeiro e logo os vi entrar.

— Precisa sair, Hollow. — Olivia me puxou para fora do quarto. — O tempo está acabando.

— Como assim o tempo está acabando? — Eu perguntei mais assustado ainda.

— Quero dizer que o tempo dela está acabando! Ela está entrando em declínio e eu não sei quando isso vai acabar, mas eu já aviso que não será fácil.

— Mas também não vai ser impossível. — Ela entrou na sala e eu me sentei em um banco perto dali. Eu estava cansado.

Foi uma péssima hora para ela passar mal. Apoiei minha cabeça nas minhas mãos e respirei fundo. Se aquilo fosse verdade, se a Olivia estivesse mesmo certa, eu não poderei me despedir dela. Mas, eu devo pensar positivo, tudo está melhorando, tudo tem que estar melhorando.

Quando eu me dei conta, já eram quatro da manhã. Liberaram a minha entrada e eu me aproximei dela. Dessa vez ela não sorria tanto como antes e eu procurei saber o que aconteceu naquelas horas.

— Olivia. — Ela se virou de costas. — Minha garota não está muito bem. O que vocês fizeram?

— Nós salvamos a vida dela.

— Vocês não salvaram nada! Olivia, ela está morrendo! Vocês só drogaram mais ela! Deixaram que ela ficasse mais dependente dessas porcarias! — Meus olhos deixaram lágrimas caírem. Olivia me encarou com certa raiva.

— E como você pretende ajuda-lá? Reclamando? Ares, eu vi muitas pessoas morrerem porque eu não fiz nada. E quando eu faço, as pessoas reclamam. Eu tento ajudar e quanto mais eu me esforço, mais vocês reclamam. Eu não tenho culpa! Eu estudei para salvar vidas, mas não pra fazer milagres. — Ela falou rápido. — A Abby sabia que haviam riscos. Então, eu suponho que você volte para o quarto e aproveite o resto de tempo que sua namorada ainda tem!

— Você não pode me mandar fazer nada!

— Pare de ser egoísta! Se ela for, ela vai ficar bem melhor e você também. — Olivia diz com rapidez. — E nunca se esqueça, essas porcarias estão mantendo a sua namorada viva.

— Você está errada. Eu nunca vou ficar bem se ela partir. — Digo com raiva.

— É uma pena porque você vai precisar aprender a conviver sem ela, Hollow. Não há nada que eu possa fazer. Sinto muito.

𝗥𝗘𝗔𝗗 𝗠𝗬 𝗟𝗜𝗣𝗦.  Onde histórias criam vida. Descubra agora