next level - bônus²

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Tudo está sempre tão tranquilo aqui. Eu sequer sei onde estou, mas talvez eu diria que estou em uma estação de trem. Tem uma placa enorme na minha frente, com letras minúsculas, comparadas ao tamanho da placa, eu consigo ler que tem um trem se aproximando.

Eu estou sentado em banco extremamente limpo. Meu corpo está rígido, e eu estou perfeitamente alinhado. Ao meu lado, uma mala vermelha também está alinhada ao meu corpo. Olho para os lados, e procuro por mais alguém, talvez uma pessoa que pudesse me dizer onde eu estava. Mas estaria sozinho, se não fosse por uma mulher baixinha e de cabelos enrolados sentada na cabine da bilheteria. Não acho que ela poderia me ajudar em alguma coisa.

Puxo a mala que estava no chão, e abro a mesma. Imediatamente, um cheiro de amêndoas toma meu olfato e eu fecho os olhos. Eu achei que nunca mais conseguiria sentir esse cheiro outra vez. Tudo estava perfeitamente empilhado. Peguei uma das imagens que estava na primeira pilha da direita, e sorri ao me lembrar desse dia. Estávamos felizes. Deixo de lado essa lembrança, e puxo mais outra. O sorriso dela. Abro o meu melhor sorriso, e passo o polegar na bochecha dela. Mesmo sabendo que ela jamais poderia sentir.

Procurando um pouco mais fundo, eu encontro as lembranças da minha mãe. Todas as vezes em que ela foi gentil comigo, ou quando ela me salvou de fazer alguma merda que eu me arrependeria depois. O dia em que eu, ela e o Ryan fomos para a praia, e eles ficaram no meu pé o momento todo. Eles estavam garantindo que eu estaria bem, mas quando é pra ser, será.

Elevei a cabeça, e encontrei a mulher me espionando. No mesmo instante, ela virou a cabeça e voltou a fazer o que estava fazendo antes, mas mesmo assim, eu consegui flagrá-la. Fechei a mala, e caminhei até a cabine de bilhetes. Ela sorriu pra mim, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela iniciou a nossa conversa.

— O que você gostaria que começa com a letra R e tem oito letras? — Ela força a memória para pensar, mas não parece se recordar de nada. — Tudo bem, pergunte.

— Onde eu estou? — Questionei.

— Resposta! — Ela levantou a caneta sugestiva, e anotou a resposta na palavra cruzada em que estava concentrada. — Isso só você pode responder. Eu sempre estou em lugares diferentes.

— Como assim em lugares diferentes? — Ela entortou a boca e deu de ombros. — Isso parece algum tipo de purgatório, mas não é como eu imaginava.

— Isso é porque nós não estamos em um purgatório. — Ela diz simples. — Nove letras, começa com E.

Ela leva a caneta até o queixo, e entorta os lábios.

— Isso é quase como uma passagem. Você deve se sentar e esperar o trem. — Ela fala.

— E quando o trem vai chegar? — Pergunto com desdém.

— Quando você estiver pronto. — Ela levanta o canto superior direito em um meio sorriso. — Ah, antes que eu me esqueça, tenho uma carta aqui pra você.

— Quem deixou essa carta ai? — Pergunto assim que pego o envelope.

— Era uma jovem muito bonita, se me permite dizer. — Deixo a mala ali e caminho de volta para os bancos. Me sento em um deles e rasgo o envelope com pressa.

"Querido Ares,

Tenho observado sua inquietação há bastante tempo. Sei que você se culpa pelo que aconteceu, e também sei que você sente dor ao lembrar daquela noite em que me deixou partir. Se quer mesmo saber, fico feliz em vê-lo todas as noites com a sua família. Eu sempre soube que não poderia te dar o que você mais queria.
No lugar da Tori, eu teria feito o mesmo. Talvez você não saiba, mas ela pede todos os dias pela sua vida. Ela implora pra Deus, ou seja lá quem ela chama, pela sua vida. Tori gosta muito de você, e eu sei que você também gosta dela. Infelizmente, eu fui a mulher que te fez mais feliz, e a mesma que te deixou na mão quando você mais precisava. Hoje, nesse exato momento, eu estou indo embora. Estou indo pra uma nova vida, talvez, nessa nova vida, eu possa realmente ser feliz e ter uma família de verdade. Quem sabe a gente não se encontre por aí.
Obrigada por ter me libertado, se estou indo hoje, é porque você finalmente entendeu que era melhor pra mim e pra você. Era a coisa mais sensata a se pedir naquele momento. Eu adoraria saber como é a sua passagem, mas por hora, vou contar como é a minha. Eu estou em um aeroporto. Tem uma mulher alta e de cabelos loiros em um dos guichês. Ela está fazendo um caça palavras e toda hora me pergunta qual vai ser a próxima palavra a se encaixar.
Ah, quase me esqueci. Agora eu posso falar. Você adoraria conhecer a minha nova voz. Ela é tão bonita, quanto a sua. Eu estou tomada de esperança, se quer mesmo saber. Tenho certeza que iremos nos encontrar nesse próximo passo, eu só temo não saber se é você mesmo. Acho que preciso ser breve. Obrigada por tudo, A. Você pode achar que não, mas salvou a minha vida. E eu sou eternamente grata por isso.

Sua,
Somente sua,
Eternamente sua,
Abby."

Meus olhos estão molhados, mas eu não consigo tirar o sorriso do rosto. Era a última vez que eu falava com ela. Eu mal tenho palavras para descrever o que eu estou sentindo, é como se todas as palavras do meu vocabulário, tivessem sumido. Eu só consigo sorrir. Me aproximo da mulher baixinha, e sorrio pra ela. Ela me devolve o sorriso, mas está bastante curiosa com o que eu li.

— Esperança! — Ela diz animada. — Você exala esperança! Isso é espetacular!

— O que vai acontecer agora? — Pergunto com um sorriso bobo. — Eu vou encontrar ela outra vez?

— Não sei. Você vai deixar a mala comigo, embarcar no trem e viver uma nova vida. A bagagem vai ser extraviada e você formará novas lembranças. — Ela deu de ombros. — Dez letras, a primeira é F. Tem alguma ideia?

— Eu não posso levar nada? Nem a carta? — Pergunto desapontado. — E eu vou esquecer tudo. Tudo mesmo?

— Aham. — Ela disse e suspirou fundo. — Eu não tenho certeza do que acontece daqui pra frente, mas pelo que ouvi falar, você vai ficar bem. E, talvez você encontre a Abby. Nunca se sabe.

— Você acha que eu consigo encontrar com ela? Dessa vez, eu juro que vou viver feliz com aquela mulher!

— Não sei. Você vai nascer como uma pessoa diferente e se casará com quem for a alma gêmea dessa pessoa. Se for a Abby, você saberá. — Ela diz simples.

— Felicidade. — Digo apontando para o caça palavras. — Acho que encaixa ai.

— Você ta ficando bom nisso! — Ela diz sorrindo mais ainda.

Olho para trás, e vejo o trem se aproximando. Está chegando a minha hora. Eu seguro a carta contra o meu peito, e inspiro mais do cheiro de amêndoas que saia de algum lugar ali. Tenho que deixar tudo, e criar novas raízes. Esse é o único jeito de, talvez, viver feliz de novo com ela.

— Está pronto? — A mulher pergunta animada.

— Não sei. — Disse apreensivo.

Depositei a bagagem na esteira ali, e assisti a mesma ir embora. Olhei para a mulher e virei para o trem, que agora, já estava parado esperando que eu embarcasse. Me despedi da mulher, e entrei no trem. Isso é a última coisa que me lembro como Ares.


Caminho apressadamente pelas ruas de Los Angeles. Estou atrasado e sei disso. No caminho, esbarro em milhares de pessoas, que reclamam altamente enquanto eu peço perdão. Meu celular vibra no bolso da minha calça, e eu visualizo o ecrã apenas. Minha mãe. Ela está furiosa comigo. Sem sombra de dúvidas.

Eu havia acordado atrasado sim, mas houveram agravantes para o meu atraso. O dia nublado e chuvoso em Los Angeles, foi um deles. As poças de lama vibravam toda vez que um carro passava por cima delas, e alguém sempre pisava em um montante de água armazenada nos buracos no asfalto.

— Hey! — Escuto uma voz furiosa. Por algum motivo, eu parei para olhar pro rosto da garota que reclamava instintivamente, enquanto procurava seu livro que havia voado com o choque de nossos corpos. — Olhe por onde anda!

— Desculpa, sinto muito por isso! Eu estou bastante atrasado! — Digo e me aproximo mais dela. — Eu posso pagar pelo livro, se você quiser.

— Não, ta tudo bem. — Ela diz e sacode o livro todo sujo.

— Eu insisto, me passa o seu telefone. — Digo colocando as mãos em seus ombros.

A garota me encarou nos olhos, e como uma cena de filme, o vento balançou seu cabelo e tirou a única mecha que caia em seus olhos. Seria cômico se estivéssemos em alguma comédia romântica, mas não estávamos. Ela sorriu pra mim, mas pareceu incomodada porque logo se desvencilhou dos meus braços.

— Me chamo Abby. — Ela estendeu o braço pra mim.

— Sou o Ares.

— Como o Deus Grego? — Ela pergunta sorridente. Eu sorrio igualmente, enquanto me encanto ainda mais com o seu sorriso.

— Melhor ainda!

𝗥𝗘𝗔𝗗 𝗠𝗬 𝗟𝗜𝗣𝗦.  Onde histórias criam vida. Descubra agora