CAPÍTULO 9-CONFUSÃO MENTAL

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Os últimos dois dias tinham sido como uma sucessão de cenas surreais para César.

Lembrava-se de ter acordado, ainda com dor de cabeça, num quarto simples e bem arrumado numa casa estranha.

Primeiro, pensou que sonhasse ao ver aquele homem...ao mesmo tempo um estranho e um velho conhecido...ao mesmo tempo tão maduro e tão jovem...tão atraente e tão repulsivo, ao mesmo tempo...ele não estava morto até 48 horas atrás? Onde estava o garoto de 18 anos que se casara com ele jurando fidelidade eterna e prometendo explorar todos os seus limites de resistência em eternas noites de prazer? 

O que ele via era um homem de seus 38 anos, ombros largos...para onde foram aqueles braços magrinhos e aquele rosto cheio de acnes?

Não era mais o olhar desafiador e ousado...era um olhar calmo e desconcertantemente...paternalista que encarava César.

Mentiu que estava melhor, que fora a noite mal dormida, o fuso horário...só queria se afastar daquele homem que o ajudou a se levantar, comentando algo que César nem saberia dizer agora o que era. Algo sobre o tempo quente, pressão baixa...o tumulto dos aeroportos...

E veio aquele estado de confusão mental: aquele não era o Miguel de quem se lembrava...mas também César não se encaixava mais dentro do perfil do homem pelo qual Miguel se apaixonara, com certeza, para quem criara uma disputa absurda com seus ex-namorados, que lhe pedira em casamento. Era aquele homem másculo ali o dono de todas aquelas loucuras de amor do passado? Impossível!

_Esta boquinha de veludo..._dizia ele afagando o rosto exausto de Miguel após se amarem.

Miguel estava sempre pronto, sempre ávido e sempre tinha pressa ao querer aprender tudo o que César tinha a ensinar.

_Descarrega tudo, garanhão!_sussurrava ele coberto de suor prendendo César com as pernas e o agarrando pelos cabelos, deixando o namorado mais excitado ainda.

Como encaixar aquela figura do passado no homem que ele vira na casa de Verônica? 

_A gente não queria que ele perdesse todo o futuro dele, César. Por isso, nos unimos, nos revezamos ajudando Miguel a estudar até se formar em arquitetura. Repassávamos as matérias com ele,  fazíamos os trabalhos de faculdade e o enviávamos em nome dele, quando os remédios eram tão fortes que ele não conseguia ficar com os olhos abertos e ficava mais dormindo do que acordado._esclarecera Santiago, quando César gritara com ele a respeito de terem escondido tudo dele, porém, deles próprios não terem se privado do convívio com Miguel.

Aquilo tudo era muito louco!

Não, estavam mentindo...brincando com os sentimentos dele...aquele homem não era Miguel. O seu Miguel o teria reconhecido na hora...pela aura, pelos traços, pelo cheiro...ele sempre dizia que poderia reconhecer César no meio de um milhão de homens só pelo cheiro!

_Como sabia que era eu, seu safado?_perguntava César quando chegava de mansinho atrás dele e ele logo o reconhecia, mesmo de olhos fechados, ainda meio dormindo.

_Conheço o cheiro do meu homem a quilômetros de distância._sorria languidamente Miguel._Se quiser me vendar e se misturar a outros 1000 homens, posso te encontrar só pelo seu cheiro, cara, pode acreditar.

Se aquele realmente fosse o seu Miguel, o teria agarrado sem se importar com quem estivesse em volta, teria pressionado os lábios aos dele e capturado sua língua até fazer com que ele perdesse o fôlego e sentisse as pernas bambas só de lhe reacender o fogo da química que os dois sempre tinham. 

Ao contrário disse, ele trazia aquela voz condescendente, penalizado, quase se desculpando por ter visto ele desmaiar já no primeiro contato...no meio da sala da casa de um estranho.

"Como puderam fazer isso com a gente? Ele não me reconhece...não me reconhece!", quase gritara César ao notar os traços familiares no rosto maduro que o olhava sem o reconhecer. 

A cabeleira espessa, negra, sedosa, os lábios ainda fartos, o nariz bem desenhado, as espinhas tinham desaparecido completamente, o rosto estava queimado de sol e com um bronzeado saudável. E os olhos...aqueles olhos...ele nunca esqueceria aqueles olhos.

Miguel esclareceu que ele apagara no meio da sala e que ele o carregara até o quarto de um dos filhos. Que ele permanecera por quase uma hora inconsciente e que a esposa viera com a informação de que achara o telefone dele em um dos bolsos, ligara para a sua família e que alguém já vinha buscá-lo.

"Cínica...", pensara César crispando os lábios, ao que Miguel interpretara ser ainda algum mal estar. Lhe oferecera um copo de água e ele bebeu, notando só naquele momento como a boca estava seca.

Os rostos pálidos, já prevendo a reação violenta do amigo e os semblantes assustados de Aro e Flávio foram evitados por ele, assim que os viu entrar no quarto minutos depois. 

Miguel cumprimentou os amigos e logo recebeu a notícia de que foram eles, também amigos de César, quem indicaram os seus serviços de livreiro, mentiram. Mais tarde, César foi informado de toda a encenação para justificar a visita dele à casa de Miguel.

César agradeceu e se despediu de Miguel e da esposa, sem olhar diretamente para os olhos dele. Saiu segurando uma pasta azul que Verônica lhe estendera alegando ser dele, o que era mentira. Dentro ele encontrara o dossiê que ela organizara para "atualizá-lo"  da história do marido dele nos últimos vinte anos.

Isso tudo fora há dois dias...dias em que ele se trancara no quarto, não atendera ninguém.

Na sequência, evitara todos os telefonemas do pessoal dos Estados Unidos assustados com sua viagem urgente. Que Santiago inventasse uma desculpa, afinal ele era bom nisso!

Também telefonemas de Verônica que queria falar com ele desesperadamente e dos pais que queriam se explicar.

Por que a urgência depois de vinte anos de silêncio e agora precisavam falar com ele a cada meia hora? Por que Verônica estava morrendo e não queria deixar o marido desamparado? Por que os pais temiam que ele cortasse a grana preta que recebiam do filho rico?

O sentimento por Miguel...ele não saberia que nome dar àquele sentimento novo que habitava o seu peito. A dor da perda...as saudades...a solidão haviam sido substituídas por uma sensação que ele não sabia o que era...só poderia dizer que não era nada confortável.

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MEU CORPO NÃO TE ESQUECE!-Armando Scoth LeeOnde histórias criam vida. Descubra agora