CAPÍTULO 22-ISSO NÃO VAI DAR CERTO...

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Miguel combinou com a amiga para que ela o substituísse até que ele voltasse da casa de César. Não queria deixar Verônica sozinha nem um minuto.

Saiu com os dois, apressadamente. Prometeu que ajoelharia aos pés do homem, se preciso fosse. Pediria perdão, lhe prometeria trabalhar de graça pelo tempo que fosse preciso para lhe ressarcir  tudo o que ele estava gastando com a esposa. O que não dava era pra imaginar que ele cancelaria o serviço por causa de um vacilo seu.

Já no carro, Miguel tentava imaginar o que falar, como demonstrar ao homem que realmente estava arrependido e que precisava que ele voltasse a  ajudar a sua esposa.

Miguel insistira em passar em casa, trocou de camisa, arrumou-se melhor e pegou alguns livros que havia reformado, um dos chinelos que ele fizera e decidiu levar para o empresário.  

_Fala aí, Santiago...Flávio...acham uma boa levarmos este par de chinelos pra ele mesmo?

_Claro, ele vai adorar! Este é lindo!_garantiu Santiago. 

"Deveria levar uma ducha gelada pra apagar o fogo daquele garanhão, isso sim."_pensou Santiago se odiando por fazer Miguel passar por aquilo tudo.

_Lindo mesmo. _endossou Flávio.

_Foi o que mais vendeu, acreditam? Quase que não tinha mais. Ainda bem que sobrou um que era o número que ele usa. Afinal, o que a gente dá pra um cara que tem tanto dinheiro e que tem tudo?

"O rabo", Flávio quase não se conteve. Pigarreou, ao ver que parecia que Santiago pensara a mesma coisa, ao olhar para ele desconsertado.

_Acha que ele vai pensar que estou vestido de forma muito despojada, com essa bermuda? Era a melhor roupa que eu tinha, gente._disse inseguro.

"Se você for pelado, acredito que ele te dará o cartão e a senha bancária dele.", agora foi a vez de Santiago não se controlar.

_Acho que deveria ter trazido o marrom...o que vocês acham?

Santiago o olhou novamente, pensando se ele os perdoaria, quando tudo...segundo as esperanças de César...voltasse à memória de Miguel.

_Já te falei: ele adora essa cor, confie em mim.

O carro deslizava por uma rua cercada por árvores nativas altas e antigas. O bairro era bem arborizado.

Miguel ficou imaginando como não notara a homossexualidade de Santiago, nas vezes em que ele estivera na casa deles para uma visita.

_Posso perguntar uma coisa?_disse Miguel cauteloso. 

Precisava fazer algo, tentar se acalmar até chegar na casa daquele homem. Estava tentando se controlar e não parecer um completo imbecil, gaguejando desculpas desconexas.

_Posso ficar sem responder, se não quiser?_disse Santiago sorrindo pra ele. 

Os três haviam  aprendido a amar Miguel como se ele fosse um irmão mais novo, quando ajudaram Verônica a cuidar dele na recuperação do acidente 

Dar banho, colocar fraldas, sonda, dar de comer, limpar a boca...não tinha como sentir algo diferente depois que você vê um rapaz tão cheio de vida e cheio de energia daquele jeito. Encarar uma figura deformada durante meses, com a cabeça inchada e depois afundada de um lado, a ausência dos cabelos, a fala enrolada, os olhos vazios, às vezes dando a impressão de que pertenciam a um louco, pra logo depois voltarem a ficar vazios. As noites de pesadelo, o descontrole provocado pelas medicações. Queria que César tivesse presenciado tudo aquilo.

"Bela escolha dessa camisa azul. César vai precisar se conter com força, porque ele está lindo mesmo."

_Aro e Flávio já sabiam que você..._Miguel não conseguiu terminar.

_Que eu uso lentes de contato? _brincou Santiago._Vocês já sabiam, não é, Flávio?

Miguel revirou os olhos.

_Aposto que vocês sabem o que eu quero saber.

_Que eu sou gay?_soltou sem querer torturá-lo mais.

_É.

_Sabiam.

O que Miguel faria se soubesse que todos... os The Césares...eram gays?

O que ele faria se, de repente, soltassem, "sim, todos somos ...como você também é".

Será que ele abriria a porta do carro e pularia ou teria uma convulsão ali mesmo?

_Seu namorado...quero dizer..._gaguejou.

_O César? Sim, ele também é gay._atalhou não resistindo a brincar novamente com ele.

_Tá...me desculpem. Só quero me distrair de tudo. Da Verônica lá...eu aqui sem saber se vou conseguir garantir o tratamento dela. Tá bom._havia ficado tenso no banco, mas agora, relaxou._Engraçado é que a Verônica nunca gostou de gays e agora, é justamente um que a socorre. Que ironia. Sempre dizendo como são depravados, promíscuos, pervertidos...

_Eu ainda estou aqui, se lembra?_Santiago fingiu se ofender.

_Não sou eu quem penso assim...é ela. Aliás...

Miguel franziu as sobrancelhas grossas e negras fazendo o coração dos dois dar um novo sobressalto ao imaginar como César resistiria àquele rosto tão másculo, viril e ao mesmo tempo...tão...inocente?

_Vocês dois realmente são gays? Eles estão mentindo, não é Flávio? Isso foi só pra me provar que ele não estava interessado nela...aposto que foi só pra isso...não foi?

Agora os olhos passavam de Flávio para Santiago esperando uma resposta.

O que Verônica tinha feito? Criado o estereótipo de algo repulsivo só para garantir que ele não teria uma recaída?

Flávio respirou fundo. Se Miguel não podia acreditar na homossexualidade confessa dos dois, que dirá na dele próprio. Aquilo não estava dando certo...não estava  mesmo.

_Miguel..._Santiago começou calmamente. 

Já estava na hora de esclarecer algumas coisas.

_Nem todo gay é promíscuo ou depravado...

"Exceto César que tinha seu próprio harém na sua época, inocência."

Balançou a cabeça para afastar o pensamento e continuou.

_Nem todos são afeminados ou trazem trejeitos femininos, como você deve ter pensado. Dar ou comer o rabo de alguém...não é pecado, ou crime, como ela deve ter falado. Desde que os dois estejam de acordo, dar e receber carinho, dar e receber prazer não é errado. E somos  dois homens adultos, Miguel.

Fez-se silêncio no carro. Talvez, distraído com a direção, ele soltara aquilo sem medir as consequências. Era difícil educar as palavras para conversar perto de alguém que,  momentaneamente, não pertencia ao grupo.

Miguel pigarreou, desconsertado.

_Ok...já entendi. Sem detalhes. _ajeitou-se novamente no banco. _Falta muito?

Flávio pensou na possibilidade de darem meia volta e retornar. Aquilo não daria certo. Miguel nunca aceitaria se submeter a César...ser um passivo...dar o gostinho da submissão para ele novamente.

Se antes ele era uma pequena libélula, como brincaram uma vez, agora ele era um   urso pardo e dos grandes, isso sim! O Miguel gay não existia mais! Aquilo nunca daria certo...César queria o impossível. 

Deveriam voltar...convocariam os The Cesares...Aro poderia ter uma forma melhor de convencer o todo poderoso a mudar de ideia e continuar a pagar o tratamento de Verônica sem precisar fazer Miguel passar por tudo aquilo. Aliás, César estava apenas jogando com Miguel, eles sabiam. Ele não pretendia parar de pagar o tratamento, pois não poderia arriscar-se a perder a mulher antes de Miguel estar preparado. Então era só inventarem uma desculpa e voltarem, sem acordos, sem humilhações, sem visitas a casa do lobo mal. 

Não se leva um peixe amigo para a boca do tubarão...mesmo que o tubarão seja o marido desse peixe.

MEU CORPO NÃO TE ESQUECE!-Armando Scoth LeeOnde histórias criam vida. Descubra agora