CAPÍTULO 23-A MENTE DIABÓLICA DE VERÔNICA

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_Vi uma casa por estas bandas, uma vez. Nossa!_os olhos de Miguel brilharam._Uma casa não...a materialização de um sonho. Se um dia eu tivesse dinheiro para construir uma casa...com certeza seria daquele jeito. Cheguei a comentar com Verônica e ela me falou que poderia jurar que assim que eu entrasse na casa e a olhasse por dentro, imaginaria que eu já a tinha visto...que já a conhecia.

Miguel piscou várias vezes, como se tentasse limpar os olhos.

_É muito louco imaginar que assim que eu vejo algo, minha mente pode criar uma impressão de que aquilo é o resgate de uma memória. Como com o seu amigo. Nunca o vi, mas criei uma realidade imaginária de que ele esteve com a minha esposa na juventude. Muito louco, né, gente?!

Santiago e Flávio trocaram olhares enquanto Miguel apreciava a paisagem.

Talvez César estivesse certo. Talvez ela realmente fosse tão perversa a ponto de confundir a cabeça dele daquele jeito, fingindo que o que ele lembrava era, na verdade, uma confusão de sua mente. Uma coisa tinham que admitir: Verônica não deixava nada passar.

Talvez chegassem um dia a descobrir que ela combinara alguma coisa com os médicos para facilitar o seu casamento com Miguel...convencê-lo que era o pai dos filhos dela...torná-lo aquele marido fiel e apaixonado por aquela mulher que destruíra a vida dele ao lado do marido.

Santiago novamente meneou a cabeça tentando não se comportar como César. Talvez fosse o excesso de convivência, pois estava começando a desconstruir a imagem da heroína que ajudara Miguel a se reerguer e a voltar a sorrir diante de uma nova profissão, filhos, esposa. Poderia ter sido diferente? Poderia ela ter deixado os dois se casarem e viverem felizes pra sempre? Quem sabe ela também duvidava de que César pudesse ser fiel a um único homem, depois de tanto vadiar, a vida inteira?

Ficou imaginando a satisfação que César teria ao comprovar que o marido poderia estar se lembrando também da casa que ele mesmo desenhou.

Será que Miguel reconheceria o próprio desenho feito há vinte anos e que agora estava guardado junto com o manuscrito de seu livro nas coisas de César?

César tinha um verdadeiro santuário nos EUA, onde ele cobrira toda as paredes com fotos dele e de Miguel...às vezes, fotos de Miguel sozinho. Era um lugar onde ele se refugiava no início, nos primeiros anos após o acidente e lá ficava horas e horas ouvindo as mesmas músicas que os dois costumavam ouvir. 

Nas vezes em que Santiago viera ao Brasil, ele pode ver, dia a dia, que a pessoa idolatrada por César não existia mais. No lugar do rapaz ousado e libertino, agora existia um exemplar pai de família. Essa ideia de que Miguel era feliz ao lado de Verônica fazia sua consciência pesar menos, enquanto César procurava, nos braços de outros homens, afogar as saudades e a perda de Miguel.

O que aconteceria se Miguel visse aquele santuário, agora montado num pequeno quarto perto do quarto de César e trancado a chave?

Centenas de fotos dele, muitas repetidas, em tamanhos variados a fim de cobrirem algum espaço vazio. O que ele faria? Será que teria um click e se lembraria de tudo instantaneamente ou teria um colapso e perderia a consciência ali mesmo, no meio daquele pedaço de seu passado? 

Miguel de sunga, de jeans, calção de banho, uniforme da escola, rosto cheio de espuma de barbear, social no dia do casamento, com um copo de champanhe nas mãos...fantasia de Carnaval...totalmente nu...beijando César...eram tantas fotos que dava para se perder ali dentro.

Eram fotos da época em que bastava César estralar os dedos para que Miguel viesse satisfazer a todas as suas fantasias...aos seus desejos...Miguel merecera ganhar aquela competição entre os The Césares. Era um capacho e um escravo sexual aos 15, 16, 17 anos. Miguel respirava César...vivia César...e, tinha certeza, sonhava com ele todas as noites.

Mesmo assim, nenhum deles jamais conseguira descobrir o que ele fizera realmente com César para conseguir convencê-lo a se casar, coisa que ele jurou que nunca faria, e continuar interessado naquele homem mesmo 20 anos depois.

_Você não achou que Verônica estava muito sonolenta hoje?_Miguel interrompeu os pensamentos deles com o semblante preocupado.

_São os remédios,Miguel. Eles abaixam um pouco a pressão._mentiram.

 Sabiam que ela estava partindo. E mais rápido do que esperavam.

_O médico disse que é Gastrite. Mas nada me tira da cabeça que é vesícula, gente. O meu medo é estar certo e ela ter que se submeter a uma cirurgia. Meu Deus, pensar na minha esposa numa sala de cirurgia chega a me dar arrepios.

"Que inocência, meu Deus!", lamentou Flávio em silêncio.

_Negligência minha, Flávio. Você sabe que eu entro naquela oficina e quando vejo, já  anoiteceu sem que eu percebesse. Sei que devo agradecer por sempre ter muito trabalho, mas talvez devesse dar mais atenção a ela. De repente, ela já estivesse se sentindo mal e não me disse nada. Afastado, nem percebi.

_Que isso, Miguel? Não foi sua culpa!  Você é um marido perfeito. O homem que ela pediu a Deus.

_Ela lhe disse isso?_duvidou.

_Disse. E ainda disse que você é um sonho._endossou Santiago.

_Está me cantando?_tentou despistar a timidez ao ouvir o elogio. 

Sabia que ela devia ter dito aquilo mesmo. Ela era maravilhosa e ele a amava. Ajudá-lo a passar por tudo depois do acidente era digno de uma esposa apaixonada. Tão bonita ela e ele tão deformado por tanto tempo, mas ela não o abandonou e ficou ao seu lado durante todo aquele tempo.

_Claro que não. Já tenho namorado, lembra?_piscou.

_Uma vez, meu psicólogo, doutor Miro, disse que eu tinha muita sorte por ter uma esposa tão dedicada.

_Doutor Miro era o fisioterapeuta. Doutor Aurélio é o psicólogo._corrigiu.

_É verdade. Sempre me confundo. Por isso sempre só chamava os dois de doutor, para não dar nenhum fora.

_Homem esperto..._brincou Flávio.

_Isso aqui realmente é lindo. Seu namorado deve ter muita grana pra morar num lugar como esse._suspirou Miguel.

_É...sou um homem de sorte. Tenho um namorado rico e lindo._sorriu.

_Vocês namoram há quanto tempo?

Santiago agradeceu por virarem mais uma curva e avistarem a casa de César. Não dava pra ficar inventando histórias tão rápido. Miguel era o escritor, não ele.

MEU CORPO NÃO TE ESQUECE!-Armando Scoth LeeOnde histórias criam vida. Descubra agora