CAPÍTULO 37-MIGUEL DESCOBRE O SANTUÁRIO DE CÉSAR!

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César abriu a porta do quarto com a chave que aprendera a sempre trazer consigo. Entrou e acendeu a luz.

O quarto era pequeno e mais parecia um closet. Nas paredes, tudo estava preenchido por fotos.

Eram fotos de Miguel de cueca, fotos de Miguel com o uniforme da escola, com agasalho no inverno, sujo de tinta em uma manifestação contra o corte de uma árvore centenário no centro da cidade, com uma fantasia num dia em que ele ficara lindo no bloco de Carnaval...sempre fotos de Miguel sozinho. Todas dele na juventude, todas fotos que César mandara ampliar a fim de cobrir todas as paredes do quarto.

Inicialmente, o quarto fora montado em seu apartamento nos Estados Unidos. Um capricho que Santiago tivera que se virar para satisfazer fora remover todas as fotos cuidadosamente das paredes de lá e montá-las novamente naquele quarto da mansão no  Brasil.

"Seu santuário", César deixava que ele se referisse assim ao quarto, pois, afinal, era assim que ele também o imaginava. Ninguém, além de César e Santiago, sabiam da existência daquele quarto.

César se sentou no único móvel que havia no centro do quarto: um pequeno sofá...uma cópia fiel daquele nos Estados Unidos.

Se lembrava das longas horas em que ele se refugiava naquele mundo só seu para ficar, como ele mesmo intitulara, "afogado em Miguel".

Sempre que ele desaparecia, Santiago sabia justamente onde encontrá-lo: no santuário... porém, naquele dia, não imaginou que César, apto de encontrar o modelo das fotos ao vivo e a cores bem próximo dele, ainda se refugiasse ali.

─Entre._disse César assim que ele bateu na porta.

─Estou indo ao centro da cidade. Vai querer alguma coisa?

─Uma pão bem quente da Hot Bread._respondeu mirando uma foto que se encontrava bem acima da porta.

Nela, Miguel estava parado de sunga amarela e, com uma expressão extremamente indecente, pronunciava o bumbum para trás.

Santiago riu de mansinho, se lembrando que ele sempre exigia que o pão fosse daquela padaria próxima ao apartamento deles, nos Estados Unidos.

─Pãozinho caro, chefinho! Os correios não costumam ser rápidos a ponto dele ainda chegar quente aqui no Brasil, eu suponho._riu.

─E onde está Miguel?

─Lá na biblioteca verificando o novo estoque de livros raros que entregamos pra ele. Não sei até quando poderemos manter essa farsa de que você é colecionador desses livros.

─Até quando eu decidir, vocês vão ter que manter. Nem que para isso tenham que bater de museu em museu deste país para roubar estes livros.

César inclinou a cabeça de lado olhando outra foto onde Miguel lambia indecentemente um picolé de morango.

"Isso não é amor...isso já virou foi adoração", pensou o assistente de César.

Santiago se despediu e fechou a porta, deixando César sozinho.

O empresário não percebeu quanto tempo se passara, enquanto observava, pela milésima vez, foto por foto...detalhe por detalhe...lembrando quando foram tiradas...por quem...o que conversavam na hora...se ele estava junto de Miguel no momento...

Queria poder abandonar aquelas lembranças e substituí-las pelo homem que era dono delas.

Novamente, bateram na porta e, imaginando que fosse Santiago que se esquecera de algo, César mandou que entrasse.

Quando Miguel pediu licença e abriu a porta, César achou que o coração parara.

Arregalou os olhos, abriu a boca pensando que poderia ter gritado "espere!" e empurrado Miguel pra fora, assim que viu que era ele.

Em sua cabeça e na velocidade da luz, o empresário sentia que os neurônios se chocavam tentando imaginar como agir diante daquela situação tão inesperada para Miguel.

Será que ele perderia os sentidos ou surtaria bem ali, na sua frente? Será que ele avançaria em César gritando que ele era um louco ao roubar todas as suas fotos da juventude? Será que ele intuiria que César era um psicopata que colecionava fotos de amigos do namorado dele? Será que ele perceberia, em pânico, que não se lembrava daquelas situações retratadas naquelas fotos que ele nunca vira?

Miguel ficou paralisado olhando as imagens que se agigantavam todas bem a sua frente, enquanto  ainda permanecia com a metade do corpo para fora do quarto, e ainda segurando o trinco da porta,  como se avaliasse os riscos de entrar ali.

No momento seguinte, deu um passo e penetrou lentamente no quarto sem dizer nada.

César achou que o tempo parara à volta dos dois. Ele também estava em choque, sem conseguir, ao menos, se levantar daquele sofá.

 O empresário daria tudo para visualizar o que estava acontecendo dentro do cérebro de Miguel naquele momento.

Ele examinou o quarto, parado bem ao lado da cadeira de César, girando a cabeça e o corpo,  olhando hora pra cima, hora pra frente, hora pra baixo, a fim de ver todas as fotos.

César não conseguia se decidir se desejava que ele não falasse nada ou que ele falasse algo, pois ficou imaginando inseguro o que deveria responder, caso ele lhe perguntasse algo.

─O que significa isso?_Miguel perguntou simplesmente.─Onde conseguiu todas essas fotos minhas? Não me lembro de tê-las tirado! E por que as colocou aqui e as está olhando?

César ficou imaginando se os seus neurônios voltariam a se organizar novamente, um dia, pois eles estavam se chocando na tentativa de achar o melhor a se dizer.

Será que seria seguro jogar toda a verdade de uma vez por todas na cara de Miguel?

─Este é o santuário que eu fiz pra me lembrar de você quando imaginei que você tinha morrido há vinte anos, meu marido, meu amor, única pessoa que eu amo nesse mundo..._piegas demais, concluiu ainda em dúvida.

Decidiu não falar nada, por precaução.

Estavam sozinhos ali e ele tinha que admitir que não saberia lidar com um Miguel em crise, tinha certeza disso.

César ainda estava sem ação, quando viu Miguel se virar e sair do quarto  desorientado e sem olhar para trás.


MEU CORPO NÃO TE ESQUECE!-Armando Scoth LeeOnde histórias criam vida. Descubra agora